Reforma tributária, produtor rural e tributação da CBS e do IBS

Fábio Pallaretti Calcini

1. O produtor rural antes da reforma tributária
Embora a nossa pretensão seja tratar da posição jurídica do produtor rural (física ou jurídica) em razão das alterações promovidas pela reforma tributária, a partir da Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentação pela Lei Complementar nº 214/25, é preciso contextualizar o regime atual.

Neste sentido, sob a perspectiva da tributação estadual sobre o consumo, temos o ICMS (artigo 155, II, CF – LC nº 87/96), onde o produtor rural (física ou jurídica) é contribuinte, uma vez que exerce com habitualidade a venda de mercadorias, ou seja, realiza a comercialização dos produtos agropecuários, fruto de sua produção agrícola ou pecuária. Por ser um tributo estadual, em cada Estado que explorar a atividade rural, terá um estabelecimento com respectiva inscrição estadual a fim de apurar o respectivo imposto. Vale lembrar que o ICMS é não cumulativo, cabendo dentro desta apuração, abater eventuais créditos, estornando-os, no entanto, nas saídas isentas ou não tributadas, salvo se houver alguma legislação em sentido contrário [1].

A tributação do ICMS, no entanto, para os produtores rurais, em geral, nos estados, recebe tratamento favorecido e diferenciado, por meio da concessão de isenção, redução de base de cálculo, crédito presumido/outorgado ou mesmo diferimento, especialmente, com fundamento em convênios do Confaz, de tal maneira que, embora contribuintes, não é comum o recolhimento deste imposto nesta etapa da cadeia por eles.

De outro lado, sob a perspectiva da tributação do consumo pela União, temos as contribuições do PIS/Pasep e Cofins (artigo 149, 195, CF; Leis 9.718/98, 10.637/2002 e 10.833/2003; IN 2.121/22), exigidas sobre a receita bruta ou faturamento, por meio dos regimes cumulativo ou não cumulativo, tendo como contribuinte a pessoa jurídica. Com isso, sabendo que a maior parte (acima de 90%) atua como pessoa física, tais contribuições atingem uma menor parcela de produtores rurais que exercem a atividade na pessoa jurídica, embora esta pequena parcela possa representar uma grande parte da produção rural nacional.

Sob a perspectiva dos produtores ruais pessoas jurídicas, quanto ao PIS/Cofins, a legislação também oferece um regime de tributação diferenciada e favorecida em diversas hipóteses. Nesse sentido, temos a alíquota zero para diversos insumos agrícolas, alimentos, frutas, hortícolas (artigo 1º, da Lei nº 10.925/2004; artigo 28, III, da Lei nº 10.865/204), bem como a suspensão na venda de produtos agropecuários utilizados como insumo na produção agroindustrial (Leis nº 10.925/2004; artigo 8º e 9º; Lei nº 12.058/2009; Lei nº 12.350/2010; Lei 12.341/2011; Lei nº 12.599/2012; Lei nº 12.839/2013, entre outras). Por sua vez, as operações por produtores rurais pessoas físicas ou jurídica com suspensão, em geral, atribuem aos adquirentes (contribuintes) o direito a um crédito presumido de PIS/Cofins, a fim de observar a não cumulatividade [2]. Vale lembrar, ainda, que o produtor rural pessoa jurídica, no regime não cumulativo de PIS/Cofins, poderá gozar de créditos básicos, a serem utilizados para abatimento de referidos tributos ou mesmo ressarcimento/compensação quando do acúmulo, nas saídas com alíquota zero, suspensão, isenção ou imunidade, embora algumas legislações determinem o estorno.

Vê-se, portanto, que, em verdade, na prática, o produtor rural pessoa física na tributação sobre o consumo atual, não recolhe tais tributos, uma vez que o ICMS é normalmente exonerado e não é contribuinte de PIS/Cofins. De outro lado, a situação não se altera muito quando temos uma pessoa jurídica, na medida em que o ICMS continua exonerado e o PIS/Cofins, na maioria das operações, tem tributação à alíquota zero ou suspensão, permitindo, em algumas hipóteses, no regime não cumulativo a manutenção de créditos e ressarcimento/compensação [3].

Diante deste contexto, o que muda para o produtor rural com a reforma tributária?

2. A reforma tributária: IBS/CBS e o produtor rural
A reforma tributária sobre o consumo, por meio da Emenda Constitucional n. 132/23, bem como a Lei Complementar n. 214/25, extingue os tributos PIS/Cofins e ICMS, trazendo em substituição a CBS, da União, e, o IBS (estados/municípios/DF). Mas não se trata de simples alteração de nomenclatura, havendo mudanças relevantes no regime jurídico tributário para o produtor rural (pessoa física e jurídica).

Spacca
Como ponto de partida, é certo que o produtor rural (física e jurídica) não será contribuinte do IBS/CBS, quando auferir receita bruta inferior a R$ 3,6 milhões no ano-calendário ou quando for integrado [4].

Nesta hipótese, já surgem alguns aspectos a serem analisados: (1) – a receita bruta será avaliada sob regime de caixa ou competência? Ou teremos para pessoa física o regime de caixa e para pessoa jurídica de competência? (2) – o que comporá esta receita bruta? Todas as receitas do produtor rural ou somente aquela que seja decorrente do exercício da atividade rural, nos termos do artigo 2º, da Lei nº 8.023/90?; (3) – venda com entrega futura, como ficará? (4) – e os adiantamentos? (5) – por sua vez, o produtor rural com contrato de integração também o torna não contribuinte, no entanto, ele pode, ao mesmo tempo, além desta operação, ter outras propriedades rurais exploradas economicamente por outras modalidades de negócio como arrendamento e parceria, neste caso, com seria? Continuaria a não ser contribuinte para todas as receitas? Ou somente da integração? Ele seria então não contribuinte e contribuinte ao mesmo tempo? Como seria a questão dos créditos decorrentes da não cumulatividade nesta hipótese?

Ademais, estabelece o artigo 164, § 6º, da Lei Complementar nº 214/2025, uma norma antielisiva, ao enunciar que “Caso o produtor rural, pessoa física ou jurídica, tenha participação societária em outra pessoa jurídica que desenvolva atividade agropecuária, o limite previsto no caput deste artigo será verificado em relação à soma das receitas auferidas no ano-calendário por todas essas pessoas”. Pretende esta previsão legal impedir que o produtor rural, talvez, segmente, de forma simulada, a receita bruta entre a pessoa física e uma ou mais pessoas jurídicas a fim de se manter como não contribuinte do IBS/CBS. Todavia, muitos aspectos nos parecem merecer análise e solução: (1) – mas, qualquer participação societária geraria a aplicação deste dispositivo?; (2) – a soma seria somente no tocante às receitas agropecuárias?; (3) – eventualmente, a soma levaria em consideração a participação societária ou divisão de receitas decorrentes da atividade agropecuária? (4) – receita de contrato de integração entraria neste cômputo, tendo em vista que, de antemão, já estaria excluída para fins de reconhecimento do produtor não contribuinte? (5) – se uma das partes forem contribuintes de IBS/CBS, as receitas serão levadas em consideração?

Ainda quanto ao produtor rural não contribuinte, outro reflexo relevante seria o fato de que, apesar de não recolher IBS/CBS, ao fornecer bens e serviços, irá gerar crédito presumido aos adquirentes – contribuintes – [5]. Este aspecto será muito relevante e, apesar de o crédito presumido ser para o adquirente na cadeia posterior, caberá ao produtor rural ficar atento, uma vez que, se não for em patamar adequado, poderá gerar uma preferência por aqueles produtores que sejam contribuintes, obrigando, até mesmo, a migrar para a regra geral do IBS/CBS, diante da opção que possui [6].

Para tornar mais complexa a questão, ainda, quanto ao produtor rural não contribuinte, prevê o artigo 138, § 2º, I, “b”, o diferimento no fornecimento de insumo agropecuários e aquícolas, porém, “somente será aplicado sobre a parcela de insumos utilizada pelo produtor rural não contribuinte do IBS e da CBS na produção de bem vendido para adquirentes que têm direito à apropriação dos créditos presumidos” (artigo 138, § 3º), sendo que este regime encerrado mediante “a redução do valor dos créditos presumidos de IBS e de CBS” (artigo 168, § 9º, I).

Enfim, lembramos que haverá alíquota zero de IBS/CBS para fornecimento e importação de tratores, máquinas e implementos agrícolas para produtores não contribuintes (artigo 110, I, LC 214/25).

De outro lado, os produtores rurais (pessoa física ou jurídica) poderão, por opção ou pela regra da obrigatoriedade, serem contribuintes de IBS/CBS.

Nesta hipótese, o primeiro passo é atentar ao regime diferenciado (artigo 126, LC 214/25), sobretudo a redução da alíquota em 60%: (1) – incidentes sobre o fornecimento dos alimentos destinados ao consumo humano relacionados no Anexo VII desta Lei Complementar, com a especificação das respectivas classificações da NCM/SH (artigo 135); (2) – incidentes sobre o fornecimento de produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura (artigo 137) [7]; (3) – incidentes sobre o fornecimento dos insumos agropecuários e aquícolas relacionados no Anexo IX desta Lei Complementar, com a especificação das respectivas classificações da NCM/SH e da NBS (artigo 138).

Além disso, teremos os produtos tributados à alíquota zero de IBS/CBS, que comporão a cesta básica nacional de alimentos (artigo 125) [8], que incluem no rol os produtos hortícolas, frutas e ovos (artigo 143, V; artigo 148 [9]).

Possível notar que, em comparação ao regime de tributação anterior pelo ICMS e PIS/Cofins, onde exação fiscal quase não existia, por não ser contribuinte, ou diante de isenções, redução de base, crédito presumido, alíquota zero, no IBS/CBS, sendo o produtor rural contribuinte, em geral, excluída as hipóteses específicas de alíquota zero (cesta básica), a operação sofrerá tributação, embora com a redução na alíquota.

A outra importante alteração se dá, para o produto rural contribuinte, quanto à possibilidade de apuração de créditos decorrentes da não cumulatividade [10], de tal sorte que todos os bens (materiais e imateriais), serviços e demais direitos utilizados na atividade econômica agrossivilpastoris, tais como ativos em geral (máquinas, equipamentos, computadores, drones, veículos, implementos, entre outros), insumos (fertilizantes, adubos, corretivos, bioestimulantes, sementes, entre outros), energia elétrica, combustível, serviços em geral (contabilidade, agronomia, auditoria, jurídico, RH, manutenções, TI, segurança, limpeza, etc), embalagens, frete, seguro, arrendamento de imóvel, armazenagem, entre outros, desde que exista o destaque IBS/CBS e sua idoneidade, gerarão crédito para abatimento no fornecimento de bens e serviços [11]. Ademais, havendo acúmulo poderá ser restituído/ressarcido [12].

Ainda a respeito das aquisições, no caso de produtor rural contribuinte, poderá adquirir insumos com diferimento de IBS/CBS, melhorando, em tese, seu fluxo de caixa (artigo 138, § 2º, I, “a”), o qual será encerrado caso “o fornecimento do insumo agropecuário e aquícola, ou do produto deles resultante: a) não esteja alcançado pelo diferimento; ou b) seja isento, não tributado, inclusive em razão de suspensão do pagamento, ou sujeito à alíquota zero”, ou “a operação seja realizada sem emissão do documento fiscal”, de tal sorte que os tributos serão recolhidos pelo “contribuinte que promover a operação que encerrar a fase do diferimento, ainda que não tributada” (artigo 138, § 6º).

3. Considerações finais
Sem pretender esgotar a análise das mudanças decorrentes da reforma tributária e a criação do IBS/CBS para o produtor rural, neste breve texto resta claro que teremos alterações relevantes que exigirão um maior conhecimento técnico de gestão, controles, assessoriais, seja contribuinte ou não.

[1] – Art. 155, II, § 2º, I e II, CF. Vale lembrar, ainda, do disposto no art. 20, LC 87/96: “§ 6º Operações tributadas, posteriores a saídas de que trata o § 3º, dão ao estabelecimento que as praticar direito a creditar-se do imposto cobrado nas operações anteriores às isentas ou não tributadas sempre que a saída isenta ou não tributada seja relativa a: I – produtos agropecuários;”.

[2] – V. IN 2.121/22.

[3] – Embora não recolha tributos nestas operações, não significa que, efetivamente, não suporta a carga fiscal do sistema tributário, na medida em que existem resíduos que advém de toda a cadeia produtiva.

[4] – Art. 26, VI; art. 164, LC 214/25.

[5] Art. 168, LC 214/2025.

[6] Art. 165, LC 214/2025.

[7] “Art. 137: § 1º Considera-se in natura o produto tal como se encontra na natureza, que não tenha sido submetido a nenhum processo de industrialização nem seja acondicionado em embalagem de apresentação, não perdendo essa condição o que apenas tiver sido submetido: I – a secagem, limpeza, debulha de grãos ou descaroçamento; e II – a congelamento, resfriamento ou simples acondicionamento, quando esses procedimentos se destinem apenas ao transporte, ao armazenamento ou à exposição para venda.”

[8] – “Art. 125. Ficam reduzidas a zero as alíquotas do IBS e da CBS incidentes sobre as vendas de produtos destinados à alimentação humana relacionados no Anexo I desta Lei Complementar, com a especificação das respectivas classificações da NCM/SH, que compõem a Cesta Básica Nacional de Alimentos, criada nos termos do art. 8º da Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023. Parágrafo único. Aplica-se o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 126 desta Lei Complementar às reduções de alíquotas de que trata o caput deste artigo.”

[9] – “Art. 148. Ficam reduzidas a zero as alíquotas do IBS e da CBS incidentes sobre o fornecimento dos produtos hortícolas, frutas e ovos relacionados no Anexo XV desta Lei Complementar, com a especificação das respectivas classificações da NCM/SH. Parágrafo único. Os produtos mencionados no caput deste artigo, observadas as regras de classificação da NCM/SH, podem apresentar-se inteiros, cortados em fatias ou em pedaços, ralados, torneados, descascados, desfolhados, lavados, higienizados, embalados, frescos, resfriados ou congelados, mesmo que misturados”.

[10] Art. 156-A, § 1º, VIII, CF: “VIII – será não cumulativo, compensando-se o imposto devido pelo contribuinte com o montante cobrado sobre todas as operações nas quais seja adquirente de bem material ou imaterial, inclusive direito, ou de serviço, excetuadas exclusivamente as consideradas de uso ou consumo pessoal especificadas em lei complementar e as hipóteses previstas nesta Constituição;”.

[11] – Importante atentar aos fornecedores do Simples Nacional, não contribuintes, bem como hipóteses de alíquota zero, suspensão, isenção, entre outros.

[12] – Arts. 39 e 40, LC 214/25.

Fábio Pallaretti Calcini

é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), professor da FGV Direito SP e Ibet, sócio tributarista Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

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