Reforma tributária, Medida Provisória 1.227 e o fundo do poço

Alexandre Alkmim Teixeira

Tributário
Semana passada o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco, devolveu parte da Medida Provisória nº 1.227/2024, que buscava restringir as formas de aproveitamento dos créditos de PIS e de Cofins.

Reprodução
Em breve resumo, ele justificou que a MP “traz imediato e abrupto ônus a importantes setores da economia (…) em violação ao princípio da não-surpresa e seu corolário constitucional da noventena”; além disso, a restrição ao “direito do creditamento e ressarcimento do saldo credor da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins (…) atenta contra o princípio da não-cumulatividade”.

De fato, a falta de oportunidade de referida medida provisória é burlesca.

Isso porque, se de um lado a medida provisória atenta contra entendimento meridiano já solidificado no sistema tributário brasileiro quanto ao respeito à reserva nonagesimal, de outro caminha na contramão da técnica de não-cumulatividade dos tributos no formato IVA, desafiando diretamente a própria eficiência da reforma tributária em discussão no Parlamento por meio do PLP nº 68/2024.

Noventena
Quanto à observância da reserva nonagesimal, os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal são reiterados:

(1) Tema de Repercussão Geral nº 1.247 (abril de 2023): A noventena deve ser observada na majoração, ainda que indireta, das contribuições;

(2) ADI 7.181 (junho de 2022): Por meio de liminar, postergou a restrição no aproveitamento de crédito desses mesmos tributos para depois de 90 dias; e

(3) Tema de Repercussão Geral nº 278 (março de 2014): Reafirmou a necessidade de observância do prazo de noventa dias no aumento do PIS e da Cofins.

Nesse contexto, pretender a edição de medida provisória para restrição nos créditos de PIS e de Cofins com efeito imediato, sem observar a reserva nonagesimal, é pura falta de bom senso e uma tentativa colegial de tentar driblar o disposto no § 6º do artigo 195 da Carta Constitucional.

Não-cumulatividade
Mas a problemática que trago à discussão neste momento refere-se a ponto mais sensível: o respeito à não-cumulatividade. A se tomar a postura pretendida pela MP nº 1.227/2024, a sistemática de creditamento prevista na reforma tributária poderá ser um verdadeiro desastre.

Spacca
Os assuntos são correlatos e merecem a maior atenção.

De pronto, necessário pontuar que o Brasil não possui um IVA, possui cinco tributos no formato IVA: Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Operações de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e as contribuições para o PIS e para a Cofins, ao lado do regime cumulativo do ISSQN; são todos tributos que pretensamente deveriam observar essa mesma lógica.

Especificamente quanto ao PIS e à Cofins, sua não-cumulatividade possui previsão constitucional no § 12 do artigo 195 e, apesar da autonomia legislativa na fixação da extensão de tal não-cumulatividade (conforme Tema de Repercussão Geral nº 756), deve ser observada “a matriz constitucional das citadas exações, mormente o núcleo de sua materialidade, e os princípios da razoabilidade, da isonomia, da livre concorrência e da proteção da confiança”.

A Medida Provisória nº 1.227/2024 pretendeu atentar diretamente contra a essência dos tributos de formato IVA, ao impedir a fruição da não-cumulatividade do PIS e da Cofins. Veja-se: desde a celebração do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt), em 1947, a tributação no formato IVA passou a se dar na lógica de exoneração das exportações e tributação nas importações.

Assim é que, quando da exportação de bens e serviços, o Estado deve exonerar o IVA de referidas operações, ao passo que, quando das importações, deve aplicar o mesmo IVA incidente sobre as operações do mercado interno (cláusula do tratamento nacional).

Assim é que as empresas exportadoras no Brasil, ao promoverem a remessa de mercadorias ao exterior, têm direito ao ressarcimento do PIS e da Cofins decorrente de referidas exportações. Tal direito não é um benefício fiscal ou um incentivo governamental à atividade econômica. É um direito que decorre da própria sistemática de não-cumulatividade aplicável a referidos tributos.

A se manter a pretensão da MP nº 1.227/2024, as empresas exportadoras passariam a acumular créditos reiterados e recorrentes nas operações que realizassem, sem ter como aproveitar referidos créditos, até que a Receita Federal resolvesse processar os pedidos de restituição, a ser feito em tempo e modo indefinidos. Ou seja, a medida em questão, de natureza puramente arrecadatória (tanto que apelidada pelo próprio governo de Medida do Reequilíbrio Fiscal), transformaria bilhões de reais da economia privada em créditos restituíveis perante o Fisco central, sem prazo de devolução — quase como um empréstimo compulsório enviesado.

Split payment
Para além de sua flagrante inconstitucionalidade, o contexto da reforma tributária não poderia ser menos oportuno para referida discussão, em detrimento da própria reforma.

Isso porque o PLP nº 68/2024, que unifica os tributos de formato IVA no Brasil em torno da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), pretende modificar drasticamente a forma de apuração e creditamento de referidos tributos para fins de aplicação da não-cumulatividade.

No formato proposto, será adotado como regra na apuração do IBS/CBS o chamado split payment, ou pagamento segregado, de forma que o recolhimento dos tributos devidos na operação será feito por ocasião da sua liquidação financeira; sendo que eventuais valores recolhidos a maior em favor da Receita Federal ou do Comitê Gestor serão passíveis de restituição.

É necessária a compreensão de tal sistemática de apuração e pagamento do IBS/CBS, partindo de dois pressupostos: 1º) a tributação será apurada por fora, na sistemática plus tax e 2º) a apuração de crédito da etapa antecedente da cadeia de produção e circulação de bens e serviços será condicionada ao pagamento do IBS/CBS (abandonando-se a sistemática atual em que o crédito está vinculado à operação, independentemente do pagamento). Ainda, necessário observar que a operação dependerá da integração com um sistema eletrônico Fisco-Banco e Fisco-Contribuinte para seu funcionamento.

Explico: Suponha-se que um contribuinte possua créditos acumulados de IBS/CBS de R$ 3 mil. Se esse contribuinte realiza uma venda no valor de R$ 10 mil, (e supondo-se uma alíquota de 27%) o IBS/CBS devido na operação será de R$ 2.700 e o preço final da venda a ser pago pelo adquirente será de R$ 12.700.

Quando da liquidação financeira, o vendedor irá receber R$ 12.700, sendo que o valor do IBS/CBS será compensado com os créditos acumulados que o contribuinte/vendedor detiver, pelo que seu saldo de créditos será reduzido de R$ 3 mil para R$ 300 (pagamento por compensação).

Se na operação subsequente, a venda for feita pelo mesmo valor de R$ 10 mil, o valor do IBS/CBS será de R$ 2.700, sendo o valor a ser pago pelo adquirente de R$ 12.700. No entanto, o contribuinte não possuirá a totalidade dos créditos necessários para liquidação do tributo.

Assim, a instituição financeira deverá processar o split payment: entregará ao vendedor R$ 10.300, deduzirá R$ 300 do saldo de crédito acumulado e entregará ao Comitê Gestor/Receita Federal, a quantia de R$ 2.400 (pagamento por compensação — R$ 300 — e split payment — R$ 2.400).

Se a operação subsequente for feita pelos mesmos valores, e na ausência de qualquer crédito pelo contribuinte, a instituição financeira deverá entregar R$ 10 mil ao vendedor e R$ 2.700 ao Comitê Gestor/Receita Federal (split payment).

Se a operação for processada fora do sistema financeiro, o adquirente poderá (por opção, mas como condição para apropriar os créditos da operação) assumir a responsabilidade de fazer o split payment: por meio de consulta ao sistema da Receita Federal/Comitê Gestor, poderá segregar os valores e realizar o pagamento do líquido ao vendedor e pagamento do IBS/CBS ao Comitê Gestor/Receita Federal.

E, apenas na ausência de quaisquer dessas modalidades, é que o próprio contribuinte deverá apurar e recolher diretamente o IBS/CBS que entender devido.

Por fim, no caso de acumulação de créditos pelos contribuintes, tais créditos deverão ser objeto de pedidos de restituição, a serem processados no âmbito da Receita Federal e do Comitê Gestor.

Neutralidade
Veja-se: a essência de constitucionalidade de referido sistema, na esteira das críticas que temos apresentado desde 2022 ao split payment [1], reside na capacidade de o Fisco processar a restituição dos valores eventualmente recolhidos a maior, em tempo e forma hábeis a garantir um mínimo de neutralidade da tributação no setor privado. Tanto assim que a União Europeia abandonou a ideia do split payment ao se confrontar com o impacto econômico que a medida poderia produzir no fluxo de caixa das empresas.

É de se reconhecer que a alínea ‘b’ do inciso II do § 11 do artigo 51 [2] (para o split payment financeiro), a alínea ‘b’ do incido II do § 3º do artigo 52 [3] (para o split payment do adquirente), ambos do PLP nº 68/2024, preveem a devolução dos valores eventualmente recolhidos a maior no prazo de três dias úteis.

Mas, diante da postura adotada por meio da MP nº 1.227/2024, é de se confiar que referidos créditos serão, de fato, devolvidos pelo Comitê Gestor/Receita Federal?

A desconfiança se põe com mais razão ainda quanto ao processamento do pedido de restituição referente aos demais créditos acumulados de IBS/CBS, como aqueles decorrentes de exportação. Para esses, o prazo de análise do pedido de ressarcimento será de 270 dias contados a partir do fim do mês de apuração, com prazo adicional de 15 dias uteis para pagamento; mas que poderá ser suspenso em caso de fiscalização. Serão tais prazos, de fato, cumpridos; ou o Fisco continuará a se utilizar do argumento ad aerarium para se furtar a suas obrigações?

Conclusão
A implementação do Split Payment, em sendo concretizada a partir de um sistema eletrônico eficiente, poderá revolucionar a apuração dos tributos de formato IVA no mundo. No entanto, a sua constitucionalidade depende da efetiva e eficaz restituição dos créditos de referidos tributos aos contribuintes — o que parece não ser a tônica do Fisco brasileiro.

Não-cumulatividade, em tributos de formato IVA, merece uma postura fiscal e aplicação sérias e responsáveis, comprometidas com os ditames constitucionais e divorciadas de práticas exclusivamente arrecadatórias, por interferir em toda a cadeia de produção nacional de riquezas. E o descuido quanto à não-cumulatividade poderá provocar efeitos nefastos, conduzindo a economia nacional ao fundo do poço. Se é que já não estamos lá…

[1] Teixeira, Alexandre Alkmim. (2022). To Split or not to Split: o Split Payment como Mecanismo de Recolhimento de IVA e seus Potenciais Impactos no Brasil. Revista Direito Tributário Atual, (50), 27–46. Recuperado de https://revista.ibdt.org.br/index.php/RDTA/article/view/2139.

[2] Art. 51. Os prestadores de serviços de pagamento participantes dos arranjos de que trata o art. 50 deverão segregar e recolher aos cofres públicos, no momento da liquidação financeira da transação de pagamento, os valores do IBS e da CBS indicados nos termos deste artigo e do regulamento (split payment). (…)

§11. O valor recolhido na forma deste artigo: (…)

II – quando excedente ao valor utilizado nos termos do inciso I: (…)

b) caso não haja operações pendentes de pagamento, nos termos da alínea “a”, na data do recolhimento, será transferido ao sujeito passivo em até 3 (três) dias úteis.

[3] Art. 52. Adquirente de bens ou serviços poderá pagar o IBS e a CBS

incidentes sobre a operação caso o pagamento ao fornecedor seja efetuado mediante a utilização de instrumento de pagamento que não permita a separação e recolhimento nos termos do art. 51. (…)

§3º O valor recolhido na forma deste artigo: (…)

II – quando excedente ao valor utilizado nos termos do inciso I: (…)

b) caso não haja operações pendentes de pagamento, nos termos da alínea “a”, na data do recolhimento, será transferido ao sujeito passivo em até 3 (três) dias úteis.

Alexandre Alkmim Teixeira

professor de Direito Tributário na UFMG, doutor em Direito Tributário pela USP, mestre em Direito Tributário pela UFMG, pós-doutor pela Universidade de Santiago de Compostela e advogado.

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