Reforma tributária, mas não para deixar tudo como está!

Raul Haidar

Quando se fala em reforma presumimos que as mudanças sejam relevantes e tragam benefícios reais, que melhorem de fato as coisas que se pretende transformar e tornar mais úteis. Em uma de nossas colunas sobre esse assunto, ao qual temos a obrigação de voltar por conta da insistência de repetições que dão em nada por parte dos nossos governos, já usamos um exemplo óbvio:

“Reforma tributária é como a reforma de uma casa. Não podemos apenas trocar a pia da cozinha ou os vidros de uma janela, se todo o prédio está deteriorado, com paredes rachadas, telhas quebradas e pintura descascada.”

Pois neste final de outubro noticiou-se que a Câmara dos Deputados deve discutir mais uma vez uma possível reforma tributária para o país. O deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) assumiu a relatoria do projeto, que deve tratar de ampliação das alíquotas do Imposto de Renda, da regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas e de uma ampla revisão do ICMS.

Parece-nos realmente necessária a alteração da tabela do Imposto de Renda das pessoas físicas, no interesse de uma tributação mais justa e em conformidade com a capacidade contributiva do sujeito passivo. A tabela atual incide a partir de R$ 1.903,98, com o rendimento líquido isento até esse limite. A partir desse valor aplicam-se apenas 3 alíquotas: de 7,5% e depois 22,5% e finalmente a máxima de 27,5%, aplicadas de forma progressiva.

Na lei 4.862/1965 a progressividade era mais ampla, iniciando em 3% logo acima do limite de isenção e atingindo o máximo de 50%, num total de 12 alíquotas aplicadas progressivamente. Uma tabela com tais características por certo aproxima o tributo de uma incidência mais justa.

Outra questão que deve ser revista, a bem da Justiça Tributária, é a da atualização dos valores originais dos bens do patrimônio do contribuinte, a permitir que a incidência do imposto sobre ganho de capital seja calculada sobre valores corrigidos monetariamente.

Tributação sobre ganho obtido apenas calculando-se a diferença entre o valor original e o da venda do bem, implica em confisco, na medida em que mera atualização monetária serve somente para corrigir os efeitos inflacionários.

Esses efeitos são reconhecidos na cobrança de tributos após seu vencimento e nos casos de parcelamentos. Não pode um governo sério pretender que essa atualização só deva ser autorizada em prejuízo do cidadão.

Tal comportamento contraria a norma de Justiça como um dos “valores supremos” contidos no preâmbulo da Constituição. Portanto, uma reforma séria deve adaptar a tabela do IRPF à realidade econômica e afastar o efeito confiscatório que ocorre na forma de apuração do ganho de capital.

No que se refere às pessoas jurídicas, já está na hora de rever a limitação de abatimento dos prejuízos fiscais a 30% nos casos de apuração pelo lucro real. Tal situação prejudica as empresas nos momentos mais delicados de sua existência, quando tentam vencer as dificuldades sazonais em alguns ramos de atividade.

Não é justo que a empresa ao enfrentar prejuízo operacional em determinado exercício não possa compensá-lo integralmente com o resultado positivo no período subsequente. A implantação do IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas) deve ser feita, colocando-se em vigor o texto constitucional.

Em nossa coluna de 27 de abril de 2015 (Criar tributo sobre grandes fortunas ou sobre herança, eis a questão) manifestamos nossa opinião nesse sentido. Há mais de dois anos já se discutia o assunto no Congresso, inclusive com proposta de valores e alíquotas. Desse estudo, tomo a liberdade de destacar um pequeno trecho:

“Afirmar que é vago ou incerto o conceito de “grandes fortunas” é um grave equívoco cometido pelos críticos da regulamentação. A fixação de valores na legislação, seja para definir tal conceito, seja para estabelecer o limite de isenção do imposto da pessoa física ou qualquer outro, cabe ao legislador.”

A grande ideia, nessa proposta, é a mudança do ICMS. Ora. Não é razoável a existência de dois impostos indiretos sobre o consumo, num sistema de “não cumulatividade” que não funciona de forma justa, posto que fraudado ora com incentivos fiscais de origem e finalidade questionáveis, ora com fantasioso sistema de substituição tributária que dá origem a injustiças ou guerras fiscais.

Como já proposto em artigo nosso publicado na “Gazeta Mercantil” em 15 setembro de 1970 (é isso mesmo!) esses dois impostos devem se fundir num só, mas de competência estadual. O sistema atual, que faz com que a União tenha quase 60% da carga tributária em seu poder, transforma governadores em pedintes junto ao governo federal, enquanto os municípios também vivem sempre esmolando junto aos governadores.

Isso não é republicano (palavra na moda atualmente), mas quase um império de reizinho temporário, que pode quase tudo. Ou fazemos uma reforma tributária para valer, ou isso será mais uma farsa. O país não merece mais farsas e os brasileiros já sabem como identificá-las e punir os farsantes.

Raul Haidar

Jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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