Reforma dos julgados administrativos no Estado de São Paulo – Conteúdo, alcance e eficácia

Luiz Fernando Mussolini Júnior

1 – O anterior regramento sobre o processo administrativo tributário do Estado de São Paulo, consubstanciado na Lei nº 10.941/2001, determinava:

TÍTULO VII
Da Reforma dos Julgados Administrativos
Artigo 63 – Cabe reforma da decisão contrária à Fazenda Pública do Estado, proferida em Câmaras Reunidas por, no mínimo, 2/3 (dois terços) do total de votos dos juízes presentes à sessão, cuja interpretação da legislação tributária divirja da adotada pela jurisprudência firmada nos tribunais judiciários.
§ 1º – Por decisão contrária à Fazenda Pública do Estado entende-se aquela em que o débito fiscal, fixado como devido na decisão reformanda, seja cancelado, reduzido ou relevado, considerados, para esse fim, os valores correspondentes a imposto, multa, atualização monetária e juros de mora.
§ 2º – Extingue-se a possibilidade de propor a reforma decorridos 2 (dois) anos da data em que proferida a decisão, ou com a inscrição na dívida ativa de crédito tributário dela decorrente.
Artigo 64 – Incumbe ao Diretor da Representação Fiscal propor a reforma referida no artigo anterior.
Artigo 65 – O pedido de reforma será feito mediante representação fundamentada dirigida ao Presidente do Tribunal de Impostos e Taxas, que determinará a intimação do autuado para que responda no prazo de 30 (trinta) dias.
Parágrafo único – Findo esse prazo, com ou sem apresentação de resposta, o processo será distribuído a juiz designado relator, que terá 30 (trinta) dias para encaminhá-lo para decisão, pelas Câmaras Reunidas.

2 – O atual ordenamento, inaugurado com a vigência da Lei nº 13.457/2009, dispõe:

Seção IV
Da Reforma dos Julgados Administrativos
Artigo 50 – Cabe reforma da decisão contrária à Fazenda Pública do Estado, da qual não caiba a interposição de recurso, quando a decisão reformanda:
I – afastar a aplicação da lei por inconstitucionalidade, observado o disposto no artigo 28 desta lei;
II – adotar interpretação da legislação tributária divergente da adotada pela jurisprudência firmada nos tribunais judiciários.
Artigo 51 – A apresentação do pedido de reforma, no prazo de 60 (sessenta) dias, cabe à Diretoria da Representação Fiscal, mediante petição fundamentada dirigida ao Presidente do Tribunal de Impostos e Taxas, o qual exercerá o juízo de admissibilidade.
§ 1º – Admitido o pedido de reforma, será intimada a parte contrária para que responda no prazo de 30 (trinta) dias.
§ 2º – Findo esse prazo, com ou sem apresentação de resposta, o processo será distribuído a juiz designado relator, que terá 30 (trinta) dias para encaminhá-lo à Câmara Superior para decisão.
§ 3º – O pedido de reforma poderá ser apresentado por meio eletrônico, conforme dispuser o regulamento.

3 – A primeira consideração que se impõe é sobre a evidente diferenciação do âmbito do chamado "Pedido de Reforma de Julgado", em um e outro cenário normativo.

4 – No regime anterior seu cabimento estava restrito a se buscar a reforma das decisões contrárias à Fazenda Pública que tivessem sido prolatadas pelas então existentes Câmaras Reunidas do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo, compostas por 48 (quarenta e oito) juízes, com quorum de instalação de trabalhos de 36 (trinta e seis) julgadores, decisões essas que, para ensejar o "Pedido de Reforma de Julgado", deveriam, cumulativamente, (i) ter sido tomadas, quando menos, pelo número mínimo de 24 (vinte e quatro) a 36 (trinta e seis) dos integrantes do Órgão, dependendo da quantidade dos membros presentes à sessão deliberativa, e (ii) consubstanciar interpretação da legislação tributária, em seu sentido mais lato, que fosse divergente daquela adotada pela jurisprudência firmada nos tribunais judiciários.

Cabe recordar que durante o império da Lei nº 10.941/2001, prevaleceu, no seio do TIT, firme orientação, cristalizada na Questão de Ordem nº 009, apreciada e aprovada pelo Plenário da Corte em sessão de 30/05/1995, com a seguinte dicção:

"O Egrégio Tribunal de Impostos e Taxas por qualquer de suas Câmaras é competente para deixar de aplicar lei inconstitucional ou decreto ilegal em casos concretos".

Só exemplificando, temos que as antigas Câmaras Reunidas do Tribunal editaram Súmulas de jurisprudência envolvendo a incompatibilidade de regras da legislação paulista com ditames constitucionais e da legislação complementar, como segue:

   
005/2003 "Na compra de mercadoria proveniente de outra Unidade da Federação, por contribuinte paulista, cuja revenda seja efetuada no Estado de São Paulo, em operação contemplada com redução de base de cálculo, é legítimo o aproveitamento integral do crédito referente à compra." (Cancelada)
007/2005 "Até a vigência da Emenda Constitucional nº 33/2001, não incide o ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto."

5 – Já no regime atual, o quadro é distinto. Vejamos.

Verifica-se, de pronto, que é mais largo o espectro das decisões atacáveis pelo "Pedido de Reforma de Julgado".

O pressuposto primeiro é que sejam contrárias à Fazenda Pública e que sejam sistemicamente irrecorríveis.

Nesse conjunto de julgados está incluída, pela condição de irrecorribilidade, a decisão do Delegado Tributário de Julgamento que, na apreciação de recurso ex officio em processo cujo débito fiscal exigido não seja superior a 5.000 (cinco mil) UFESPs, negar-lhe provimento. É uma decisão impassível de recurso.

Outra situação imaginável é aquela da decisão de uma das Câmaras Julgadoras do TIT, contrária à FESP, que represente o leading case sobre matéria de direito em relação à qual não tenha ainda ocorrido nenhum outro julgamento que sirva como paradigma para que a Fazenda Pública possa intentar Recurso Especial dirigido à Câmara Superior do Tribunal, buscando a sua reforma pela via da uniformização jurisprudencial. Este também é julgado não passível de recurso.

A esses casos somam-se todas as decisões da Câmara Superior contrárias à Fazenda do Estado, qualquer que tenha sido o resultado numérico do julgamento, que será tomado pela maioria de votos dos juízes presentes, com um quorum mínimo de 12 (doze) julgadores e com a composição plena sendo de 16 (dezesseis) juízes.

Serão todas essas decisões consideradas como terminativas do processo administrativo tributário, escoado o prazo de 30 (trinta) dias de sua intimação, lapso em que poderão ser objeto de pleito de retificação se eventualmente maculadas por erro de fato.

6 – Ao pressuposto da definitividade das decisões devem ser adicionadas uma ou outra das condições postas nos incisos I e II do artigo 50 da Lei nº 13.457/2009.

Em outras palavras, para que se possa cogitar do "Pedido de Reforma de Julgado" deverão existir decisões terminativas que:

(i) tenham afastado a aplicação de lei ao argumento de sua inconstitucionalidade, salvo se o vício tenha sido proclamado em ADI, ou, no controle incidental, desde que tenha o Senado Federal suspenso a execução do ato normativo, ou

(ii) tenham assumido interpretação da legislação tributária contrária àquela adotada pela jurisprudência firmada nos tribunais judiciários.

7 – A primeira das condições de cabimento do "Pedido de Reforma de Julgado" traduz implicação necessária do próprio subsistema do novo processo administrativo tributário paulista.

Com efeito, a Lei nº 13.457/2009, no caput do seu artigo 28, veda a não aplicação da lei ao pretexto da sua inconstitucionalidade, com as ressalvas ditadas nos incisos I e II desse dispositivo.

Temos restrições à sua dimensão, focando, em particular, as situações, que não são incomuns, em que a Magna Corte decide, incidenter tantum e irrecorrivelmente, pela invalidade de uma norma da legislação infraconstitucional, e, não obstante, permeia largo tempo até que seja expelida do sistema por ato do Poder Legislativo. Indaga-se: qual o destino dos créditos tributários que nelas tenham lastro? A resposta é tautológica e a sociedade é que pagará o preço da sucumbência.

Todavia, a realidade é que se cuida de norma válida e eficaz, que tem produzido seus regulares efeitos, não se registrando, até então, nenhum "Pedido de Reforma de Julgado" com essa motivação.

8 – De outro lado, a segunda das condições de pertinência do "Pedido de Reforma de Julgado" há de ter sua significação alcançada em exame mais analítico.

Inicialmente é de se indagar qual a extensão do conjunto de normas da "legislação tributária", cuja interpretação adotada em julgamento administrativo, possa, quando contrária àquela assumida pelos tribunais judiciários, dar azo ao "Pedido de Reforma de Julgado".

Considerando a impossibilidade de se debater a constitucionalidade de norma legal dentro do processo administrativo tributário, entendemos que seja o somatório de todas as disposições da legislação complementar sobre os tributos estaduais e das próprias regras da legislação ordinária que tenham o mesmo objeto.

9 – Pergunta-se, a seguir, sobre como se deve compreender a expressão "tribunais judiciários", ou seja, quais órgãos cuja jurisprudência, se contrariada pela interpretação conferida à legislação tributária pelos julgadores administrativos, pode dar respaldo ao "Pedido de Reforma de Julgado".

Nesse ponto, somos de opinião que somente quando se tratar de confronto interpretativo com a linha jurisprudencial do Egrégio Superior Tribunal de Justiça é que se poderá cogitar de tal remédio processual.

Com efeito, é possível imaginar que, no âmbito do julgamento administrativo, adote-se postura decisória sobre certa questão de direito, derivada da aplicação in concreto da legislação complementar ou da legislação ordinária paulista, que seja dissonante de julgados do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo sobre a mesma matéria, cuidando-se, entretanto, de situação ainda não pacificada no STJ.

Essa hipótese, para nós, não é suficiente a dar arrimo a "Pedido de Reforma de Julgado".

Sob nossa ótica, por jurisprudência firmada no Superior Tribunal de Justiça, que viabiliza a interposição do "Pedido de Reforma de Julgado", estará a decisão da Corte Federal tomada nos termos do artigo 543-C, § 6º, do Código de Processo Civil, ressaltando que, como é consabido, não se reveste de efeito vinculante.

10 – Impossível deixar em branco a substancial modificação introduzida pela nova legislação em relação ao prazo decadencial para a proposta do "Pedido de Reforma de Julgado" que, anteriormente era de 2 (dois) anos data da prolação do julgado reformando, sendo certo que essa possibilidade se extinguia, por óbvio, com a inscrição do respectivo débito em dívida ativa (artigo 63, § 2º, da Lei nº 10.941/2001).

Hoje, sob a égide da Lei nº 13.457/2009 (caput do artigo 50), o prazo para interposição do "Pedido de Reforma de Julgado" é de 60 (sessenta) dias contados da ciência da decisão que se pretende objurgar.

Essa providência vem claramente restringir o espectro da insegurança jurídica que assoma a todos os sujeitos passivos que são vencedores, parcial ou integralmente, dentro do processo administrativo tributário paulista.

11 – Quanto à utilização prática do "Pedido de Reforma de Julgado" é de se ponderar que encontra limite dentro da própria estrutura em que está arquitetado o sistema processual.

Tratando-se de apelo que, por definição, envolve matéria puramente de direito, cujo deslinde quase que necessariamente é submetido ao crivo da Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas, órgão de composição paritária, são muito raras as situações objetivas que possam ser por ele atacadas.

Tanto isso é verdadeiro que até então somente as questões relativas à contagem do prazo decadencial para a constituição do crédito tributário do ICMS, mais precisamente quando o sujeito passivo se apropria de parcelas do imposto dadas como indevidas pela fiscalização, ou quando procede com dolo, fraude ou simulação – tem sido suscitada em "Pedido de Reforma de Julgado" pela Fazenda Pública, que busca a aplicação, para o caso, da regra do artigo 173, I, do CTN, ao invés da norma do artigo 150, § 4º, do Codex, ao argumento de que já existiria jurisprudência firmada no STJ em sentido contrário à postura antes assumida pela Câmara Superior do TIT. Os pleitos têm sido conhecidos e providos por larga maioria de votos, restabelecendo os créditos tributários total ou parcialmente extintos pelo Plenário.

12 – Pessoalmente temos posição favorável à possibilidade de reforma de julgados nas hipóteses legais, isto porque é pública nossa idéia acerca da inviabilidade da revisão pelo Poder Judiciário, por iniciativa da Fazenda Pública, das decisões terminativas do processo administrativo tributário contrárias ao Erário.

De se acentuar, nesse contexto, que o projeto da Lei nº 13.457/2009, enviado pelo Senhor Secretário dos Negócios da Fazenda ao Senhor Governador do Estado e, por este, à Assembléia Legislativa, previa, cabalmente, a impossibilidade de a Fazenda Paulista, vencida no debate administrativo, vir a contestar judicialmente a decisão final do feito desenvolvido em seu próprio seio. É o que constou das letras preambulares do Ofício GS/CAT nº 489/2007, com dicção no sentido de que na elaboração do projeto foi considerada, entre outras variáveis, a necessidade de reforço dos mecanismos de proteção dos interesses fazendários, na medida em que, sucumbente na esfera administrativa, a Fazenda não poderá recorrer ao Poder Judiciário.

Minimizada a insegurança jurídica gerada pela sua potencial interposição pelo Fisco, isto pela correta redução do prazo para o seu manejo, acreditamos que é remédio hábil para a proteção do interesse público.

Luiz Fernando Mussolini Júnior

Advogado e Contabilista. Juiz da Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo. Professor de Direito Tributário no UNIFECAP e nos cursos de Pós-Graduação do INSPER, da GV LAW, do IBET, da EPD e do UniTOLEDO.

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