Reflexões sobre a EIRELI (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada) da Lei nº 12.441/11

Heron Charneski

A Lei nº 12.441, de 11/07/2011, alterou o Código Civil (Lei nº 10.406, de 10/01/2002), para permitir, a partir de sua entrada em vigor(01), a constituição de empresa individual de responsabilidade limitada (“EIRELI”) por uma única pessoa titular da totalidade do capital social. Cogitada como um instrumento útil à autonomia patrimonial de negócios até então operados na figura do empresário individual, a EIRELI provoca, nas entrelinhas de sua conformação legal, algumas reflexões interessantes.

Primeiramente, cabe uma ponderação quanto à natureza da EIRELI. Afinal, estaríamos diante de um novo empresário individual com responsabilidade limitada? Ou quem sabe de uma sociedade limitada unipessoal, à semelhança da subsidiária integral prevista na Lei das Sociedades por Ações (Lei n° 6.404, de 17/12/1976) (2)?

Uma certeza já temos na largada. O art. 1° da Lei nº 12.441/11 é mandatório: as empresas individuais de responsabilidade limitada são pessoas jurídicas de direito privado (art. 44, VI, do Código Civil).

Na sequencia, notamos que o art. 2° da Lei n° 12.441/11 cuidou da figura mediante a inserção do art. 980-A ao Código Civil, sob o Título I-A, denominado “Da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada”, ou seja, entre o Título I (“Do Empresário”) e o Título II (“Da Sociedade”). Mais adiante, ao dar nova redação ao parágrafo único do art. 1.033 do Código Civil, a Lei n° 12.441/11 sedimenta a distinção: segundo o novo comando, se a uma sociedade ocorrer a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, o sócio remanescente poderá requerer a transformação da sociedade para empresário individual “ou” para empresa individual de responsabilidade limitada.

Verificamos, portanto, que a EIRELI não é uma coisa (empresário individual), nem outra (sociedade limitada unipessoal). Trata-se, efetivamente, por força da norma em comento, de pessoa jurídica de direito privado com características próprias, as quais, depreendidas do próprio texto legal, amplificam as oportunidades de sua utilização e despertam a atenção para vários temas inerentes à sua aplicação.

Há a exigência de um capital mínimo para a EIRELI, o qual não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no país, de acordo com o novel art. 980-A do Código Civil. Afora regulamentações específicas (por exemplo, as normas prudenciais das instituições financeiras; as atividades reguladas; e outras), a EIRELI passa a ser a única pessoa jurídica de direito privado no Brasil para a qual a lei exige um capital mínimo. E não se trata de um valor irrisório, devido à disparidade de tetos do salário-mínimo vigentes entre as unidades da Federação. Tal exigência, se por um lado busca proteger o credor da EIRELI, diante da função de resguardo do capital social e da limitação da responsabilidade do seu titular, por outro lado induz a uma utilização da figura para atividades de maior vulto, não necessariamente aquelas do pequeno empresário que se desejaria, de início, beneficiar(03).

Ainda quanto ao capital social, parece-nos ser possível o seu aumento ou a sua redução, uma vez que se aplicam à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas, a teor do § 6° do art. 980-A, do Código Civil, trazido pela Lei n° 12.441/11. Os arts. 1.081 a 1.084 do Código Civil tratam das operações de aumento ou redução de capital na sociedade limitada. No caso do aumento de capital, este pode ser deliberado, desde que integralizadas as quotas e sejam observadas as preferências dos demais sócios para participar do aumento (situação não aplicável à EIRELI, obviamente). Em contrapartida, o capital pode ser reduzido em duas hipóteses: se, depois de integralizado, houver perdas irreparáveis; ou se excessivo em relação ao objeto da sociedade. Tratando-se de EIRELI, no entanto, a redução não poderá tornar o capital inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País, sob pena de violação ao citado art. 980-A, do Código Civil.

Em relação às atividades que poderá desenvolver uma EIRELI, em princípio, tudo aquilo que constitua o conceito de “empresa” se subsumiria potencialmente ao seu objeto, é dizer, qualquer atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços (art. 966, do Código Civil) (04). A isso se adiciona a permissão da própria Lei n° 12.441/11 de atribuir-se à EIRELI constituída para a prestação de serviços de qualquer natureza a “remuneração decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional” (art. 980-A, § 5°, do Código Civil). Sob o conceito de “empresa”, e na ausência de outras restrições, a EIRELI poderia ser uma alternativa para o planejamento da sucessão; para a atividade de participação em outras sociedades (holding); e para cônjuges casados no regime da comunhão universal de bens, que desde a entrada em vigor do novo Código Civil não puderam mais formar sociedade de responsabilidade limitada para desenvolver atividade econômica sem a presença de outro sócio (art. 977, do Código Civil).

A nosso juízo, a questão mais interessante atinente à EIRELI diz com a possibilidade de pessoa jurídica ser a sua única titular. Com efeito, o caput do art. 980-A, do Código Civil, na redação da Lei n° 12.441/11, refere a constituição da EIRELI por uma única “pessoa”. Não especifica se se trata de pessoa natural ou jurídica, e, como ambas são reconhecidas como capazes de direitos e obrigações no nosso ordenamento jurídico, não haveria motivo para excluir a possibilidade de titularidade da EIRELI por pessoa jurídica. Afinal, onde a norma de Direito Privado não proibiu ou restringiu, não cabe ao seu aplicador fazê-lo. A amplitude do texto sugere, pois, a possibilidade de pessoa jurídica (que são aquelas definidas no art. 44, do Código Civil, como as sociedades – limitadas, por ações, cooperativas – , as associações, as fundações) ser a única titular do capital social da EIRELI. Ao extremo, a própria EIRELI, como pessoa jurídica, poderia ser titular de outra EIRELI. E como não há, tampouco, qualquer restrição na lei ao fato de a “pessoa” titular da EIRELI ser nacional ou estrangeira, vislumbra-se grande incentivo ao investimento externo, mediante a potencial constituição, sob a forma de empresa individual de responsabilidade limitada, de subsdiária brasileira de pessoa jurídica estrangeira, não mais dependente de um sócio local, o que se exigia nas demais modalidades societárias até então disponíveis. Ressalva apenas a nova lei que a pessoa “natural” que constituir EIRELI somente poderá figurar em uma única empresa nessa modalidade (art. 980-A, § 2º, Código Civil). Quanto a pessoa jurídica, nenhuma restrição no texto legal.

Contudo, a Instrução Normativa n° 117, de 22/11/2011, do Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC), ao aprovar o Manual de Atos de Registro de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, dispôs no seu item 1.2.11 que “não pode ser titular de EIRELI a pessoa jurídica”. A nosso ver, pelas razões expostas, a referida Instrução Normativa inovou de maneira ilegal o conteúdo da Lei n° 12.441/11, que não distinguia entre as pessoas que poderiam titular a EIRELI. De todo modo, enquanto mantida a vigência da Instrução Normativa DNRC n° 117/11, as Juntas Comerciais impedirão o registro de EIRELI tendo como titular pessoa jurídica.

Há ainda na Lei n° 12.441/11 uma permissão para que a EIRELI seja formada a partir de concentração de participações societárias detidas em outra sociedade. Segundo o art. 980-A, §3°, inserido ao Código Civil, “a empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração”. Ao referir-se a concentração de “quotas”, o dispositivo exclui a sociedade anônima da possibilidade de concentração de suas ações em EIRELI. Porém, no caso da S.A., a lei especial já prevê a possibilidade de a companhia ser convertida em subsidiária integral mediante aquisição, por sociedade brasileira, de todas as suas ações, ou por incorporação de todas as ações do capital social ao patrimônio de outra companhia brasileira (arts. 251, § 2°, e 252, Lei n° 6.404/76).

Já em relação ao caminho inverso – a conversão de uma EIRELI já constituída em futura sociedade limitada ou por ações – , parece não haver por que negar, em tese, essa possibilidade, embora a Lei n° 12.441/11 nada tenha expressado a respeito.

Seja como for, a possibilidade de concentração de quotas de outra modalidade societária num único sócio, ainda que imotivada, como previsto no referido art. 980-A, § 3°, do Código Civil, deverá merecer um exame mais atento quanto aos direitos dos demais sócios que não titularão a EIRELI. Por exemplo, a nova legislação não estabelece quóruns específicos ou procedimentos para essa deliberação por parte de sociedades já existentes. Sendo o ato de concentração interpretado como de transformação, a conclusão mais razoável é no sentido de que a operação dependerá do consentimento de todos os sócios atuais, na forma do art. 1.114, do Código Civil. Excepciona-se, naturalmente, a hipótese de ausência de pluralidade de sócios, caso em que o sócio remanescente poderá requerer a transformação da sociedade em EIRELI nos termos do art. 1.033, parágrafo único, do Código, ou a de uma futura alteração do ato constitutivo vir a prever a operação de concentração em EIRELI, inclusive com o modo de avaliação das quotas concentradas em favor de um único sócio.

Finalmente, a pergunta que vem surgindo por aqueles que consideram a formação de uma EIRELI: qual regime tributário se lhe aplica? Há na legislação tributária federal a regra de equiparação das empresas individuais às pessoas jurídicas (05). Contudo, como foi anotado, a própria Lei nº 12.441/11 incluiu a EIRELI na relação de “pessoas jurídicas de direito privado”, distinguindo-a da empresa individual. Não seria o caso de se falar, então, em “equiparação” da EIRELI a pessoa jurídica, mas, efetivamente, de sujeição direta dessa nova figura ao modelo tributário aplicável às pessoas jurídicas. Não é demais lembrar que, segundo o art. 147, I, do Decreto n° 3.000/99 (Regulamento do Imposto de Renda), consideram-se pessoas jurídicas, para efeito de tributação da renda, “as pessoas jurídicas de direito privado domiciliadas no País, sejam quais forem seus fins, nacionalidade ou participantes no capital”. Assim, a tributação da EIRELI deve, em tese, no atual contexto legal (ressalvadas alterações supervenientes), seguir a das demais pessoas jurídicas – neste caso, daquelas com a finalidade de lucro, pois este é essencial à própria noção de empresa.

Notas

(01) A Lei nº 12.441/11 entra em vigor 180 (cento e oitenta) dias após a data de sua publicação (art. 3º).
 
(02) De acordo com o art. 251, da Lei n° 6.404/76 (Lei das S.A.), “a companhia pode ser constituída, mediante escritura pública, tendo como único acionista sociedade brasileira”.

(03) Já foi notada a inconstitucionalidade de a exigência do capital social ser atrelada ao valor do salário mínimo, uma vez que o art. 7°, IV, da Constituição Federal, veda a vinculação do salário mínimo “para qualquer fim”.

(04) O próprio Código excepciona do conceito de empresário “quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa” (art. 966, parágrafo único, Código Civil).
 
(05) Conforme o art. 150, do Decreto n° 3.000, de 26/03/1999 (Regulamento do Imposto de Renda – RIR).

Heron Charneski

Advogado e Contador. LL.M. em Direito Comercial Internacional pela University of California - Davis. Sócio de Charneski Advogados.

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