Refletir a inflação nas relações jurídicas

Edison Fernandes

Em 2021, a inflação de dois dígitos chamou a atenção para os seus efeitos nas demonstrações contábeis e, por consequência, nos direitos fundamentados nas informações financeiras das sociedades empresárias, como, por exemplo, os dividendos e os tributos sobre o lucro. Durante o ano de 2022, a inflação esteve durante alguns meses no patamar de dois dígitos e, conquanto pareça apontar para uma desaceleração, ao que tudo indica, ainda ficará acima da meta do Banco Central. Com isso, os seus efeitos no patrimônio das pessoas jurídicas, demonstrado na escrituração contábil, continua preocupando.

De um lado, a Lei do Plano Real (Lei nº 9.069, de 1995) estabelece as bases para a correção monetária dos contratos; mas este não é o foco deste artigo. De outro lado, a lei que extinguiu a correção monetária do balanço (Lei nº 9.249, de 1995) estabelece expressamente que “[f]ica vedada a utilização de qualquer sistema de correção monetária de demonstrações financeiras, inclusive para fins societários”. Nesse sentido, para os efeitos previstos e assegurados pela lei, não é possível adotar qualquer cálculo de correção monetária de balanço, o que implica desconsiderar a inflação, como apontado anteriormente, no cálculo dos dividendos e na apuração dos tributos sobre o lucro. No entanto, por meio de acordos privados entre as partes, é possível minimizar o impacto da inflação nos direitos e nas obrigações que têm como suporte as demonstrações contábeis.

Um exemplo: no caso dos dividendos, havendo acordo entre os sócios da sociedade empresária, eventual “lucro inflacionário” pode ser excluído da distribuição de dividendos, sendo constituída uma reserva estatutária (ou contratual) de lucros para tanto. Outro exemplo: as metas de faturamento e lucratividade e até de EBITDA, para fins de determinação dos bônus dos administradores também podem ser estabelecidas com o expurgo dos efeitos inflacionários. Em ambos os casos, trata-se de acordos entre as partes, cujos termos não estão vedados em lei.

Na gestão das empresas e, portanto, na contabilidade gerencial, a inflação já é considerada, seja na formação de preço, na negociação salarial, dentre outros elementos. A vedação legal para aplicação de correção monetária na contabilidade societária não impede que a estratégia empresarial frente à inflação seja adotada nas demais relações jurídicas, por vezes, aparentemente distantes da contabilidade gerencial.

Edison Fernandes

Doutor em Direito pela PUC-SP, professor doutor da FEA-USP e da FGV Direito SP, titular da Academia Paulista de Letras Jurídicas

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