Redução tributária a profissionais liberais
Gustavo Brigagão
Na virada de ano, vimos aprovada no Congresso Nacional a reforma tributária que imporá aos brasileiros o mais alto Imposto sobre Valor Agregado (IVA) do planeta, com especial agravamento de carga tributária para o setor de serviços. Destacam-se, nesse setor, os serviços prestados pelos profissionais liberais, cujo aumento nominal de alíquotas a que passariam estar sujeitos – se considerado o modelo de tributação orginalmente proposto na PEC nº 45/19 – poderia chegar ao espantoso percentual de 700%.
A despeito desse provável cenário, que lhes atingiria frontalmente, as instituições representantes das profissões regulamentadas concentravam-se, na primeira rodada de votações na Câmara dos Deputados, tão somente na discussão de questões que diziam respeito a valores fundamentais ao sucesso do novo regime de tributação proposto, tais como simplificação, transparência, não cumulatividade ampla e irrestrita, tributação no destino, entre tantas outras. Não pleiteavam para si qualquer regime tributação que lhes fosse próprio.
Isso porque, nessa fase inicial, sob o mantra de que “se todos pagam, todos pagam menos”, apregoava-se que, no novo regime, a isonomia tributária seria intocável e que não seriam admitidas quaisquer exceções às regras de tributação propostas.
Não foi, contudo, o que ocorreu, quando, da açodada e, sob diversos aspectos, questionável forma como se deu a primeira rodada de votações da PEC naquela casa legislativa. Naquela oportunidade, no apagar das luzes, a promessa inicial de isonomia tributária foi completamente posta de lado, e regimes diferenciados, específicos e de alíquota reduzida foram criados em profusão, muitos deles sem qualquer fundamento.
Foi dessa não observância da isonomia prometida que surgiu o empenho dos profissionais liberais (engenheiros, médicos, dentistas, arquitetos, contadores, advogados etc) a lutarem pela adoção de um regime tributário que atendesse às suas especificidades.
Formou-se, então, um grupo de 44 instituições representativas de profissões regulamentadas que demonstraram ao Senado e, posteriormente, à Câmara que, se era para haver uma exceção que fosse, a dos profissionais liberais teria de ser a primeira, pois, há 55 anos, esse setor é contemplado com regime específico de tributação que, por atender às suas especificidades, foi, por diversas vezes e durante todo esse período, validado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo próprio Congresso Nacional.
Sim, os serviços prestados por profissionais liberais é, desde meados dos anos 60, tributado pelo ISS de forma fixa pelos municípios (e não proporcional sobre ao seu faturamento), e esse regime especial foi posto à prova várias vezes perante nossos tribunais superiores e o próprio Congresso Nacional.
No STF, em pelo menos duas vezes, a constitucionalidade desse tratamento diferenciado foi examinada e, sob quóruns bastante expressivos (11 a 0 e 7 a 1), concluiu-se que ele não configura benefício fiscal, mas mero regime alternativo que atende às especificidades daqueles profissionais, sendo, portanto, constitucional sob todos os aspetos em que fosse analisado.
No Congresso Nacional, esse regime diferenciado foi por várias vezes, desde o início dos anos 2000, posto à prova, quando, no trâmite de projetos de leis complementares reguladoras da incidência do ISS, houve reiteradas propostas da sua revogação, todas elas rejeitadas pelo Legislativo (refiro-me, entre vários outros, aos projetos relativos às leis complementares nº 116/03, nº 157/16 e nº 175/20).
Só para que se tenha ideia da importância que sempre se deu à manutenção desse regime especial para os profissionais liberais, todos – repito, todos – os artigos do Decreto-Lei nº 406/68 que tratavam do ISS foram revogados, quando da edição da Lei Complementar nº 116/68, exceto o que o regulava (artigo 9º, parágrafos 1º e 3º).
Por essa razão, não seria justo nem isonômico que, após tantas exceções criadas pela própria Câmara dos Deputados na primeira etapa de votação, esse setor de serviços, tão essencial ao país, deixasse de também ser tributado de acordo com as características que lhe são próprias.
Os parlamentares perceberam a injustiça cometida, mas, diversamente do regime especial que lhes havia sido pleiteado por aquelas instituições (nos termos da emenda apresentada pelo senador Ângelo Coronel), acharam por bem conceder-lhes uma redução de 30% das novas alíquotas do IBS/CBS.
A previsão dessa alíquota diferenciada não trouxe qualquer redução de carga tributária aos profissionais liberais quando comparada com a que eles suportam atualmente. Pelo contrário, eles passarão a ser submetidos a carga muito mais elevada, o que contraria a alegação sempre feita de que a reforma tributária se resumiria a simplificar a relação fisco/contribuinte, e jamais propiciar aumento de tributos.
O justo seria que essa redução tivesse sido de 60%, e não 30%, tendo em vista que se equivalem, em essencialidade, os serviços profissionais e as atividades elegíveis a essa redução maior (por exemplo, produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais e atividades desportivas).
A advocacia, por exemplo, tem a sua essencialidade reconhecida no artigo 133 da Constituição Federal, segundo o qual “o advogado é indispensável à administração da justiça”.
Não há sentido em tributar-se atividades igualmente essenciais de forma diversa. A redução justa e adequada seria de 60%. Essa é uma anomalia que terá de ser corrigida em futuro próximo, seja pelo próprio Poder Legislativo, seja pelo Judiciário.
Gustavo Brigagão
Sócio do Brigagão, Duque Estrada Advogados e presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa)