Receita surpreende com tributação na redução de capital de empresa no exterior
José Henrique Longo, Luiz Henrique Veronezi
A Receita Federal tem enviado comunicado para regularização aos contribuintes que promoveram redução de capital de suas participações societárias no exterior (offshore), recomendando que se realize a retificação da sua Declaração de Ajuste Anual (DIRPF) com recolhimento de imposto de renda sob a forma de carnê-leão (alíquota máxima de 27,5%) com os devidos acréscimos legais.
Receita Federal – Fachada – Brasília – Agência Brasil – Ministério da Fazenda – Superintendência –
O entendimento da Receita Federal, baseado na Solução de Consulta nº 678/2017, está na contramão da prática dos contribuintes, estes baseados em legislação e doutrina de que tal operação é sujeita à apuração de ganho de capital com alíquotas de 15% a 22,5%.
Nas situações de retirada de recursos da companhia no exterior, são basicamente duas as hipóteses à disposição dos acionistas: a distribuição de dividendos e a redução de capital. Os dividendos distribuídos até 2023 eram considerados rendimento ordinário e tributados pela sistemática do carnê-leão (alíquota máxima de 27,5%).
Por outro lado, a redução de capital implica de um lado no recebimento de ativos e, de outro lado, na baixa do custo proporcional da participação societária, sendo que a diferença positiva, denominada ganho de capital, se sujeita à tributação prevista no artigo 21 da Lei 8.981/95, com alíquotas progressivas de 15% a 22,5%.
A referida solução de consulta e o comunicado para regularização emitido pela Receita têm como fundamento o equivocado entendimento de que a redução de capital não é uma forma de alienação e, portanto, não está sujeita à apuração de ganho de capital. O resultado da devolução de capital, calculado do mesmo modo tal qual o ganho de capital, corresponderia a um rendimento ordinário e, assim, sujeito ao carnê-leão.
A despeito de o caso da solução de consulta corresponder à situação dos casos objeto do comunicado para regularização, a Receita Federal equipara a dissolução da pessoa jurídica no exterior em que ocorre a devolução de todos os ativos e passivos ao acionista, com extinção das contas de capital social e reserva de lucros, à parcial redução de capital social mediante devolução de alguns ativos ao acionista. São situações distintas, pois, no caso da solução de consulta, o acionista recebeu ativos que correspondem parte ao capital social e parte à reserva de lucros, os quais têm tratamento distinto como se viu acima.
A justificativa no comunicado para regularização é que, na diferença, a maior entre o valor da devolução de capital em dinheiro e o valor constante na declaração pode estar incluído o lucro da sociedade. Essa premissa da Receita não é verdadeira. Com efeito, o lucro da sociedade está segregado em outra conta contábil denominada reserva de lucro, ou lucros acumulados (retained earnings), sendo que a operação de redução de capital é objeto de documento societário específico com reflexo tão somente na conta contábil do capital social.
Como reforço de seu argumento, a Receita alega que a redução de capital não representa uma alienação. Isso também não está correto, pois alienação compreende qualquer operação de transferência de patrimônio a outrem, incluindo situações de aumento de capital, doação, venda, entre outras. Assim, é forçoso concluir que ocorre alienação na operação de redução de capital, pois o acionista transfere parte de suas ações à própria companhia e recebe outro ativo em troca, geralmente ativos financeiros.
Como era antes do comunicado
Spacca
Há dispositivos legais anteriores e posteriores aos anos relativos ao comunicado para regularização que confirmam que a redução de capital é alienação e deve estar sujeita à apuração do ganho de capital.
A Portaria do Ministério da Fazenda 550/94 já estabelecia, em hipótese de residente no exterior, a apuração como ganho de capital correspondente à diferença positiva entre o valor da alienação, redução de capital ou liquidação e o custo da aquisição da participação societária.
E a Lei 14.754/23, que alterou a tributação de aplicações financeiras e de entidades controladas no exterior a partir de 1/1/2024, determina que “os ganhos de capital na alienação, na baixa ou na liquidação de bens e direitos localizados no exterior que não constituam aplicações financeiras no exterior permanecem sujeitos às regras específicas de tributação previstas no artigo 21 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995“.
Ora, se as situações de alienação, baixa ou liquidação de participações societárias permanecem tributadas como ganho de capital, quer dizer que antes da referida lei a alienação também se submetia à norma do ganho de capital.
E para não deixar margem de dúvida, a Lei 14.754 frisa nos parágrafos do artigo 7º que o ganho de capital corresponderá à diferença positiva entre o valor percebido em moeda nacional e o custo de aquisição médio da entidade no exterior por cota ou ação alienada, baixada ou liquidada, em moeda nacional, e que essa regra sequer pode ser afastada na situação em que houver redução de capital sem cancelamento de ações, devendo ser utilizado o custo de aquisição médio calculado levando em consideração a proporção que o valor da devolução de capital representará do capital total aplicado na entidade.
Não bastasse esse entendimento sem base legal, a Receita vai mais longe e afirma no comunicado para regularização que o contribuinte que constituiu o capital social da sua companhia com rendimentos originariamente em moeda estrangeira não pode se valer do previsto nos parágrafos do artigo 24 da MP nº 2.158-35/2001 que lhe garantia até 2023 o cálculo do ganho de capital em dólares, ou seja, sem interferência da variação cambial. Assim, a Receita Federal pretende exigir desses contribuintes tributação pelo carnê-leão da variação cambial entre o dólar e o real.
Ao final, o comunicado alerta que, se o contribuinte não “regularizar” sua situação em até 60 dias, será lavrado auto de infração para exigência do imposto de renda com acréscimo de multa de ofício (75%) e juros Selic.
E há ainda o risco de a Receita exigir o valor integral do imposto de renda calculado sob a forma de carnê-leão (27,5%), sem descontar o que o contribuinte tiver recolhido como ganho de capital (15% a 22,5%), pois possuem códigos de receita distintos.
Caso a Receita insista em seu erro de interpretação e proceda como consta dos comunicados para regularização, certamente os contribuintes impugnarão com fortes argumentos para derrubar essa absurda cobrança.
José Henrique Longo, Luiz Henrique Veronezi
José Henrique Longo
é sócio do escritório Pompeu e Longo Advogados
Luiz Henrique Veronezi
é sócio de tributário do escritório PLKC.