Quando o parecer decide: a força silenciosa da auctoritas no Direito Tributário

Marcelo Magalhaes Peixoto

(Como pareceres jurídicos e laudos contábeis fiscais, fundamentados em saber especializado, moldam decisões, orientam condutas e influenciam até mesmo quem detém a potestas.)

(Este texto – não é um texto acadêmico no sentido estrito – é fruto de reflexões provocadas pelas aulas do Professor Tercio Sampaio Ferraz Junior, na disciplina “Ordenamento jurídico e sistema”, ministrada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.)

Em suas aulas, ao abordar temas estruturantes do Direito, o Professor explorava com frequência a clássica distinção entre potestas e auctoritas no Direito Romano – conceitos que, embora forjados na Antiguidade, ainda ajudam a compreender o funcionamento das instituições jurídicas contemporâneas. Inspirado por essa distinção, proponho uma reflexão sobre o papel da auctoritas no atual cenário do Direito Tributário, com foco especial na atuação de pareceristas jurídicos e contabilistas forenses. A provocação central é simples: poderá um parecer – bem construído, profundo, interdisciplinar – ter mais força prática do que uma sentença judicial? Em certos contextos, a resposta é “sim”.

1. Auctoritas vs. potestas: da tradição à prática

No Direito Romano, potestas representava o poder formal de decidir, ordenar, impor sanções. Já a auctoritas era algo mais sutil, porém muitas vezes mais influente: ela emergia do saber, da experiência, da tradição e do reconhecimento social. Juristas e senadores não mandavam; eles convenciam. Suas opiniões orientavam imperadores e moldavam as práticas jurídicas mesmo sem força coercitiva.

Essa distinção ecoa ainda hoje, especialmente no campo tributário. Juízes e autoridades fiscais detêm a potestas: podem fiscalizar, autuar, julgar e condenar. Mas a auctoritas “especializada” pertence, muitas vezes, àqueles que produzem conhecimento profundo: advogados tributaristas, professores, pareceristas, contadores forenses.

Entende-se aqui por auctoritas “especializada” aquela que é construída não por investidura formal ou por origem sagrada, como ocorria nas tradições romana ou bíblica, mas sim por acúmulo de saber técnico, reputação profissional, consistência metodológica e reconhecimento institucional. Trata-se de uma autoridade que emana da competência e da legitimidade atribuídas ao discurso qualificado, fundado em conhecimento e análise rigorosa.

São esses profissionais que, com ética, formação sólida e experiência acumulada, constroem argumentos que, embora não vinculantes, podem ser decisivos. 2. Quando a técnica convence mais do que a caneta

Num sistema tributário complexo como o brasileiro, marcado por normas ambíguas, disputas hermenêuticas e intensa litigiosidade, pareceres jurídicos e laudos contábeis bem fundamentados se tornam verdadeiras ferramentas de persuasão institucional. Em muitos casos, é a análise especializada – minuciosa, interdisciplinar, legítima – que convence o magistrado. Não é a toga, mas o conteúdo técnico que define o desfecho.

É por isso que, na prática, um parecer pode, sim, “valer mais” que uma sentença – não em termos formais, mas em termos de resultado. Empresas pautam suas condutas por pareceres. Juízes os citam como fundamentos de suas decisões. Procuradores os respeitam. Autoridades fiscais os temem ou os acolhem. E tudo isso sem que o parecerista tenha qualquer poder legal para obrigar. Ele apenas persuade. Mas persuade com conhecimento qualificado – e isso, hoje, vale ouro.

3. A construção da auctoritas “especializada”

Essa forma contemporânea de auctoritas não surge do nada. Ela é construída ao longo de anos, por meio de dedicação constante. Exige estudo profundo, atualização permanente, atuação acadêmica, produção intelectual, ética profissional e, sobretudo, coerência. Mestrado, doutorado, docência, publicação de livros e artigos, inserção em debates qualificados e rigor científico são alguns dos pilares que sustentam essa auctoritas “especializada”. Trata-se de um capital simbólico que não pode ser improvisado. E, justamente por isso, seu valor é reconhecido – pelos colegas, pelas empresas, pelas instituições e até pelo Poder Judiciário.

4. A interdisciplinaridade como força

Em pareceres e laudos tributários, a união entre o conhecimento jurídico e a análise contábil-fiscal é fundamental. O contabilista forense e o advogado tributarista, quando atuam juntos, somam expertises e ampliam a profundidade da análise. A interpretação normativa se conjuga com a realidade empresarial. O Direito se encontra com os números. E desse encontro nasce uma força que pode – e muitas vezes efetivamente consegue – influenciar até mesmo quem tem a última palavra.

Na maioria dos casos, quem detém essa última palavra é o juiz, que, diante da complexidade técnica dos litígios tributários, nomeia um perito contábil de sua confiança.

Esse perito, por sua vez, exerce um papel central na validação das premissas técnicas do processo: com base em sua formação e análise especializada, ele frequentemente confirma – ou problematiza – os fundamentos apresentados em laudos contábeis fiscais previamente elaborados por contabilistas de alguma parte. Assim, a construção técnica não apenas orienta o julgador, como frequentemente é corroborada pela própria assistência pericial oficial, consolidando ainda mais sua força persuasiva.

5. Conclusão: A palavra técnica também decide

A auctoritas “especializada” é um elemento estruturante do ecossistema tributário. Embora não detenha o poder de julgar, ela molda interpretações, direciona condutas, convence autoridades e embasa decisões. Em um país no qual a insegurança jurídica é regra, a clareza técnica torna-se uma forma de poder – discreto, mas real.

Diante disso, o desafio contemporâneo é reconhecer, cultivar e valorizar essa forma de auctoritas – tanto no meio jurídico quanto no contábil. Pois, no fim das contas, uma boa palavra técnica pode pesar mais do que um despacho judicial. E, quando bem utilizada, ela não apenas aponta caminhos: ela transforma a incerteza em direção e a dúvida em decisão.

Marcelo Magalhaes Peixoto

Especialista em Recuperação de Tributos na Tax Accounting | Presidente Fundador da APET

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