Qualificação de resgate e amortização de fundos no tratado de dupla tributação Brasil-Espanha

Jorge Ricardo da Silva Júnior, Izadora Coutinho

Este artigo possui o escopo de analisar o entendimento manifestado pela Receita Federal na Solução de Consulta nº 199/2024 [1], publicada em 3 de julho de 2024, que tratou da qualificação dos rendimentos decorrentes do resgate e amortização de cotas de fundos de investimento multimercado no tratado para evitar a dupla tributação entre Brasil e Espanha.

Na primeira parte, será apresentado um breve resumo dos fatos e da consulta. E na segunda parte, será analisado o “mérito” da solução de consulta, com a avaliação do posicionamento manifestado pela Receita.

A consulta
A consulta foi realizada por uma administradora de fundos de investimento multimercado (FIM’s), que, por ser administradora, figurava como responsável pelo recolhimento do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre os rendimentos decorrentes dos eventos de amortização e resgate de cotas dos fundos.

A dúvida da consulente dizia respeito à retenção de IRRF nos casos em que o cotista é uma instituição financeira residente e domiciliada na Espanha (Banco Espanhol), que não possui nenhuma filial no Brasil.

A consulente destacou que, ao contrário de outros tratados, o ADT com a Espanha não qualifica esses rendimentos como dividendos (artigo 10), justificando assim a aplicação do artigo 7, com base no argumento de que a aplicação de recursos em fundos de investimento integra a atividade-fim do Banco Espanhol.

O artigo 7º, deve-se relembrar, trata dos lucros das empresas e é um artigo residual, que se aplica somente quando os lucros não compreenderem elementos de rendimentos tratados nas regras alocativas distribuídas em outros artigos (tais como ganho de capital (artigo 13), royalties (artigo 12), juros (artigo 11), dividendos (artigo 10) etc. O artigo 7º permite apenas a tributação pelo país de residência, de forma que, no caso, não permitiria a tributação pelo Brasil, apenas na Espanha, local da residência do banco cotista.

Spacca
Como dito, o racional da consulente baseava-se no fato de que a aplicação de recursos em fundos de investimentos integrava as atividades-fim do Banco Espanhol, o que reforçaria a tese de que a qualificação no artigo 7.

No entanto, a Receita Federal não acolheu o entendimento do contribuinte pela aplicação do artigo 7º. Sob a fundamentação a seguir delineada.

A resposta
A resposta da consulta partiu da correta diferenciação dos eventos de resgate e amortização de cotas dos fundos. No resgate, partindo-se do entendimento consubstanciado nos incisos XVIII, IXX e XX, do artigo 3º da Resolução CVM nº 175, de 2022[2], há a conversão das cotas em dinheiro para pagamento ao cotista. Assim, o cotista tem uma diminuição do número de suas cotas, já que as cotas resgatadas são convertidas em dinheiro e pagas a este.

Já na amortização, que possui definição expressa no inciso III do artigo 3º da mencionada resolução, não há diminuição do número de cotas, mas apenas uma redução do valor nominal de cada cota, mediante o pagamento uniforme realizado a todos os cotistas de determinada classe ou subclasse.

Cumpre ressaltar que os rendimentos das carteiras de FIM’s são isentos de imposto de renda com base no artigo 68, I, da Lei nº 8.981/1995, concentrando a tributação no cotista, seja no resgate, amortização ou pelo “come-cotas”. A partir de 2024, os fundos fechados também estão sujeitos ao come-cotas (Lei nº 14.754/2023).

Para os cotistas, a tributação segue o artigo 5º da Lei nº 9.779/1999, com retenção na fonte (IRRF) e aplicação da tabela regressiva (22,5% a 15%, Lei nº 11.033/2004). Para não-residentes, as regras gerais são semelhantes às dos residentes (artigo 78, III, da Lei nº 8.981/1995 e artigo 85, I, da IN RFB 1.585/2015). As alíquotas podem variar conforme o tipo de fundo, composição da carteira e jurisdição do beneficiário.

Partindo dessa distinção é que a Receita Federal do Brasil passou a analisar a qualificação desses rendimentos no âmbito do ADT Brasil-Espanha.

Como referido, a consulente defendeu que os rendimentos de resgate e amortização sejam enquadrados como lucros empresariais (artigo 7º do ADT Brasil-Espanha[3]). Contudo, o artigo 7 (5) do tratado determina que essa qualificação é subsidiária, sendo necessário, primeiro, avaliar a aplicação de outras normas distributivas específicas, como as de dividendos (artigo 10), juros (artigo 11) e ganhos de capital (artigo 13).

Qualificação no resgate de cotas
Em primeiro lugar, com relação ao evento de resgate de cotas, entendeu a Receita que estes seriam qualificados no artigo 13, que trata de ganhos de capital.

Reprodução
A Receita entendeu que o resgate de cotas de fundos de investimento se enquadra no §3º do artigo 13 do ADT, considerado uma “cláusula guarda-chuva” que abrange casos de alienação não tratados nos dois primeiros parágrafos. Este dispositivo permite a tributação dos ganhos em ambos os estados contratantes “os ganhos provenientes da alienação de quaisquer bens ou direitos diferentes dos mencionados nos §§ 1º e 2º são tributáveis em ambos os Estados Contratantes”. No entanto, a Receita reconheceu que o termo “alienação” não está definido no tratado e, para sustentar sua posição, baseou-se nos comentários à Convenção Modelo da OCDE de 2017 (CM-OCDE).

Os referidos comentários, ao tratarem do termo alienação, oferecem uma interpretação ampla, incluindo transações como da venda ou troca de propriedade, aos ganhos decorrentes da alienação parcial, da expropriação, da transferência de um bem para uma companhia em troca de ações, da venda de um direito, de uma doação e até da transferência causa mortis. Essa definição vai além do conceito de alienação do direito privado, abrangendo qualquer transação que implique a transferência irrestrita de um ativo.

Ainda nos comentários, o resgate de ações pode ser classificado como “alienação” para fins da convenção, enquadrando-se no artigo 13 (ganhos de capital), excerto quando a legislação doméstica qualifica parte do lucro distribuído como dividendos. Nesse caso, pode-se aplicar o artigo 10 (dividendos). A classificação do rendimento depende da legislação do Estado de residência da entidade pagadora.

Adicionalmente, distribuições que reduzem direitos de participação, como reembolsos de capital, geralmente não são tratadas como dividendos para os fins da Convenção. Assim, a interpretação final sobre a natureza dos rendimentos dependerá da interação entre o tratado e a legislação doméstica aplicável.

A Receita também fundamentou seu posicionamento no §2º do artigo 65 da Lei nº 8.981/95, que define “alienação” para fins de incidência do imposto de renda na fonte como qualquer forma de transmissão de propriedade, incluindo liquidação, resgate, cessão ou repactuação de títulos ou aplicações. Com isso, a legislação doméstica brasileira reconhece o resgate de cotas como uma forma de alienação, reforçando sua argumentação.

Com base nos comentários à convenção modelo da OCDE e na legislação brasileira, a Receita concluiu que o termo “alienação” abrange o resgate de cotas, qualificando esses rendimentos no artigo 13 do ADT Brasil-Espanha, o qual permite a tributação na fonte pelo Brasil. Essa qualificação se justifica pela amplitude do termo “alienação” no artigo 13, que cobre eventos de realização de ativos, como a conversão de cotas em dinheiro no resgate.

Além disso, devido à especificidade do enquadramento no artigo 13, não seria aplicável o artigo 7º, mesmo que a atividade do banco espanhol envolva investimentos financeiros, pois o artigo 7º só seria utilizado de forma subsidiária após a exclusão das regras alocativas específicas do tratado.

Qualificação na amortização
Em segundo lugar, quanto à amortização de cotas, diferentemente do resgate, consiste em um pagamento uniforme realizado ao cotista sem alterar o número de cotas, reduzindo apenas o valor das cotas. Por não haver a conversão de cotas em dinheiro, a Receita entendeu que não parecia viável qualificá-la como “alienação” para fins de aplicação do artigo 13 do ADT Brasil-Espanha. Diante disso, seria necessário examinar outros dispositivos do tratado para identificar a regra distributiva mais adequada para a tributação desse tipo de rendimento.

Nesse contexto, a Receita concluiu que os rendimentos decorrentes da amortização seriam enquadrados no artigo 22 do ADT Brasil-Espanha (correspondente ao artigo 21 da Convenção Modelo da OCDE), que trata de “outros rendimentos”. Esse dispositivo tem caráter residual e só á aplicado quando o rendimento não se enquadra em nenhuma das demais regras distributivas do tratado.

Para justificar essa classificação, a Receita demonstrou a impossibilidade de enquadrar os rendimentos em outras normas específicas, como as referentes a dividendos, juros ou ganhos de capital. Apenas após essa exclusão, foi possível recorrer ao artigo 22 como a norma aplicável. Portanto, uma vez descartada a possibilidade de enquadrar os rendimentos da amortização nos artigos 7, 10 11 ou 13 do ADT Brasil-Espanha, conclui-se que eles devem ser qualificados no artigo 22, e assim, tais rendimentos podem ser tributados em ambos os estados contratantes, garantindo ao Brasil o direito de tributar na fonte.

Inicialmente, foi descartada a aplicação do artigo 13 (ganho de capital), com base no argumento de que a amortização não envolve a conversão das cotas em dinheiro, característica essencial para equipará-la a uma alienação. Assim, a qualificação como “ganho de capital” foi considerada inaplicável nesse caso.

Em relação ao artigo 10 (dividendos), a Receita destacou que sua aplicação exige que os dividendos sejam pagos por uma “sociedade”, definida pelo artigo 3 (1) do tratado como “qualquer pessoa jurídica ou qualquer entidade que, para fins tributários seja considerada como pessoa jurídica”.

Na legislação doméstica brasileira, os fundos de investimento não possuem personalidade jurídica e, em regra, não considerados “pessoas jurídicas” para fins de tributação pelo imposto sobre a renda. Por essa razão, eles não s enquadram no conceito de “sociedade” previsto no artigo 3(1) do ADT Brasil-Espanha. Assim, a aplicação do artigo 10 (dividendos) foi descartada para a qualificação dos rendimentos de amortização.

Em relação ao artigo 11 (juros), a Receita argumentou que, embora os investimentos do fundo possam aplicar em títulos de renda fixa, os rendimentos de amortização não podem ser qualificados como juros. Isso ocorre devido à neutralidade parcial dos fundos, que, ao não serem entidades transparentes, alteram a natureza jurídica do rendimento para o cotista, desvinculando-a da origem do investimento, ou seja, para o cotista a natureza do rendimento não corresponde a mesma natureza do investimento do fundo. Além disso, pela legislação tributária brasileira, os rendimentos de amortização de cotas não são considerados equivalentes a rendimentos de importância emprestada, reforçando a inaplicabilidade do artigo 11 nesse caso.

Já em relação ao artigo 7º (lucros das empresas), a Receita despendeu esforço argumentativo maior, com uma argumentação mais detalhada para descartar a aplicação do dispositivo às amortizações de cotas de fundos de investimento. Baseou-se na definição de “empresa” do artigo 3 (1) da CM-OCDE, que corresponde ao “desempenho de qualquer negócio” e afirmou que, no ordenamento brasileiro, o termo “empresa” está ligado a uma atividade que organiza fatores de produção visando ao lucro.

Assim, a ideia de “lucros das empresas” definida no artigo 7º pressupõe lucro decorrente de uma atividade desenvolvida pela empresa. Nesse contexto, a Receita concluiu que os lucros das empresas devem derivar de uma atividade empresarial, como produção de bens ou prestação de serviços. Com esse entendimento, a mera aquisição de um ativo, como cotas de investimento, e os rendimentos decorrentes dessa operação, não seriam suficientes para caracterizar uma atividade empresarial que permita a aplicação do artigo 7º. Assim, a Receita descartou o artigo 7 e recorreu ao artigo 22 (outros rendimentos), que é uma norma residual aplicada a rendimentos não contemplados por outros artigos do tratado.

No entanto, essa conclusão é questionável. O artigo 7º possui um escopo amplamente reconhecido, abrangendo rendimentos gerados na condução de atividades empresariais, desde que não estejam contemplados em outras regras específicas. Os comentários da OCDE reforçam que o temo “lucros das empresas” tem significado abrangente, que inclui toda a “renda gerada na condução de uma empresa”,[4] agindo como um dispositivo guarda-chuva [5] que atribui competência tributária exclusiva ao estado da residência. Além disso, doutrinadores como Kees Van Raad [6] confirmam o alcance universal desse artigo.

Conclusões
Na situação em exame, o fato de o não residente ser uma instituição financeira, cujo objeto social inclui investimentos e aplicações financeiras, poderia justificar a aplicação do artigo 7º. Nesse cenário, os rendimentos da amortização de cotas poderiam ser considerados como resultantes da atividade empresarial do banco espanhol.

Assim, embora a qualificação do resgate de cotas no artigo 13 do tratado possa ser considerada adequada, a qualificação da amortização de cotas no artigo 22 gera controvérsias. No caso analisado, é possível argumentar que os rendimentos da amortização poderiam ser interpretados como decorrentes da atividade empresarial do banco espanhol. Nesse caso, seria aplicável o artigo 7º, que atribui ao Estado da residência (Espanha) a competência exclusiva para tributar tais rendimentos, impedindo a tributação pelo Brasil.

[1] BRASIL. Receita Federal do Brasil. Solução de Consulta COSIT nº 199 de 2024 Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=139133. Acesso em: 19 de setembro de 2024.

[2] BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Resolução CVM nº 175, de 23 de dezembro de 2022. Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/resolucoes/resol175.html. Acesso em: 20 de setembro de 2024.

[3] BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 76.975, de 7 de janeiro de 1976. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1970-1979/D76975.htm. Acesso em: 03 de outubro de 2024.

[4] OECD (2017). Model Tax Convention on Income and on Capital: Condensed Version. OECD, 2017. P. 193

[5] BIANCO, João Francisco e SANTOS, Ramon Tomazela. A mudança de paradigma: o artigo 7º dos acordos de bitributação e a superação da dicotomia fonte versus residência. In: ROCHA, Sergio André; TORRES, Heleno (Coords.). Direito tributário internacional: homenagem ao professor Alberto Xavier. São Paulo: Quartier Latin, 2016. p. 323.

[6] VAN RAAD, Kees. Cinco regras fundamentais para a aplicação de tratados para evitar a dupla tributação. Revista de direito tributário internacional. nº 1. São Paulo, Quartier Latin, 2005. p. 204

Jorge Ricardo da Silva Júnior, Izadora Coutinho

Jorge Ricardo da Silva Júnior
é advogado tributarista, sócio de Charneski Advogados, pós-graduando em Direito Tributário no IBDT e associado do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF).

Izadora Coutinho
é advogada tributarista, mestranda em Direito Internacional e Direito Comparado da Universidade de São Paulo (FDUSP), com período de pesquisa no International Bureau of Fiscal Documentation (IBFD), em Amsterdam, como pesquisadora visitante por meio do IBFD Student Travel Grant Award, pesquisadora com vínculo institucional do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), especializada em Direito Tributário Internacional pelo IBDT e graduada em Direito e em Relações Internacionais.

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