Por um imposto sobre o consumo

Luís Eduardo Schoueri

Por Luís Eduardo Schoueri

A discussão da reforma tributária no âmbito da tributação do consumo evoluiu. É majoritária a ideia de sua unificação no âmbito nacional. Entretanto, não se teve a coragem de criar um efetivo imposto sobre o consumo, preferindo-se um imposto sobre bens e serviços (IBS). A diferença não é apenas no nome, mas implica a própria configuração do imposto.

Com efeito, o IBS seria um tributo não cumulativo, incidindo sobre cada operação concernente a bens e serviços. Mantém-se toda a discussão sobre o que seriam “operações”, além da dúvida sobre os conceitos de “bens” e “serviços”. Muitos buscarão identificar tais expressões com conceitos de direito privado, afastando diversas situações, como a locação de bens móveis ou imóveis, da incidência. Só isso seria suficiente para fazer referência a um “imposto sobre o consumo”, pura e simplesmente.

Não se teve a coragem de criar um efetivo imposto sobre o consumo, preferindo-se um sobre bens e serviços
Mas a mudança vai além. Sendo um imposto sobre o consumo, o contribuinte é o consumidor, não o vendedor. Este reveste-se a qualidade de sujeito passivo como substituto da obrigação do primeiro. Sendo um tributo cobrado em etapas, todos os vendedores não passam de substitutos do consumidor, único contribuinte. Já conhecemos há muito a substituição tributária para frente. Diversamente desta, entretanto, não se tem um único recolhimento a partir da presunção de valor da operação final, mas diversas antecipações, na medida da agregação do valor. Ou seja, várias substituições para um único fato gerador presumido ao final. O imposto é não cumulativo, de modo que a cada etapa se recolhe sobre o que se agregou de valor, mas sempre com natureza de antecipação do fato do consumo.

Na Europa, o IVA tem no vendedor mero sujeito passivo. Por isso é que o turista obtém a restituição do imposto, quando deixa o país: se ele é contribuinte, então não está sujeito a tributação se o consumo se dá fora do território europeu. Não se cogita restituir imposto ao vendedor (sujeito passivo), mas ao contribuinte.

A identificação do consumidor na própria nota, hoje comum, assegura a possibilidade de sua restituição, se indevida a tributação.

Ao eleger o consumidor como contribuinte, afasta-se também o paradoxo hoje existente para entidades imunes. Na sistemática presente, elas não pagam impostos quando compram bens do exterior; se compram os mesmos bens no mercado interno, há a tributação, já que o vendedor não é imune. Se o consumidor passa a ser o contribuinte, então a entidade imune terá direito a restituição do imposto que foi antecipado, igualando-se à situação do importador. Reconheça-se, por outro lado, que se a entidade imune vende bens, não há razão para afastar a tributação, já que o consumidor é que é o contribuinte. Aliás, mesmo hoje não se cogita imunidade quando a entidade imune retém o Imposto de Renda sobre salários de seus empregados. O raciocínio é idêntico: a imunidade se aplica apenas ao contribuinte.

Resolve-se também grave distorção federativa: compras governamentais são grande motor da economia. Os municípios são, hoje, onerados pelo ICMS quando compram bens para seu uso. É uma transferência não prevista de recursos entre os entes federativos. O mesmo se dá para compras federais ou estaduais, também oneradas por tributos de outros. Com a definição do consumidor como contribuinte, já não mais ocorrem tais onerações.

Ainda desaparecem discussões sobre alíquotas maiores ou menores para um ou outro setor econômico: não é o setor que deve ser onerado, mas o consumidor; daí que a capacidade contributiva considerada está na renda que este emprega no ato do consumo. Não faz sentido, afinal, que a renda empregada em viagens esteja sujeita a menor tributação que aquela gasta com os móveis da casa: num e noutro caso, o que importa é haver consumo. Esse conceito, aliás, coincide com a ideia de se poder restituir o imposto ao consumidor de baixa renda – independentemente da natureza do seu gasto.

Descartam-se também discussões intermináveis sobre a não cumulatividade. Hoje, uma isenção no meio da cadeia produtiva implica maior oneração final do produto, já que se cancelam os créditos das etapas anteriores e o tributo é exigido como se nada houvesse sido pago anteriormente. No imposto sobre o consumo, eventual isenção implica imediata restituição do que fora pago anteriormente, pois o Fisco nada pode receber sobre aquele consumo. Do mesmo modo, não mais se discute a possibilidade de crédito (financeiro) integral, dado que todo o tributo recolhido em etapas anteriores deve ser considerado, descabendo oneração de qualquer elo da cadeia.

Por fim, se o fornecedor não receber o preço, não precisa recolher o imposto, já que não lhe cabe suportar o tributo por meios próprios, a não ser que tenha concorrido para o atraso. Ao mesmo tempo, se o fornecedor recebeu o preço e não recolheu o tributo, não se fala em inadimplência, mas vera apropriação indébita, com suas consequências penais (como vale hoje para o IPI). Parece solução melhor que a apresentada nas propostas em circulação, que condicionam o crédito ao efetivo recolhimento. Afinal, o risco criminal parece suficiente para desestimular o não recolhimento do tributo cobrado.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Artigo Publicado originalmente no Valor Econômico

Luís Eduardo Schoueri

Professor titular de Direito Tributário da Faculdade de Direito da USP, vice-presidente do IBDT e da ABDF e sócio de Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich e Schoueri Advogados

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