PER, DCOMP e decadência: a ordem dos fatores altera o resultado?

Carlos Augusto Daniel Neto e André Severo Chaves

O PER (Pedido Eletrônico de Restituição ou Ressarcimento) e a DCOMP (Declaração de Compensação) pertencem àquele conjunto de raras coisas que, de tanto serem referidas conjuntamente (na expressão “PER/DCOMP”), atingem um timbre de “unidade”, tal qual “o PIS/Cofins” (apesar de serem dois tributos com fundamentos de validade distintos) e “a Sandy & Júnior” (apesar da dupla já ter se separado há mais de 15 anos).

O “Programa PER/DCOMP” é um sistema criado pela RFB que permite preencher, validar e gravar o PER ou a DCOMP, para serem transmitidos ao Fisco. Por conta disso, de maneira metonímica, usa-se o nome do programa para referir tanto ao PER quanto à DCOMP, indiscriminadamente — na prática, costuma-se falar que “Fulano transmitiu o PER/DCOMP”. Essa confusão, conquanto habitual, pode conduzir a problemas técnicos, pois, apesar da proximidade, eles não são irmãos gêmeos, possuindo regimes jurídicos próprios.

A restituição (veiculada pelo PER) é o mecanismo de constituição do direito creditório dos contribuintes em face da União, regulamentada conforme os artigos 165 a 169 do CTN. Em regra, é o remédio para o pagamento indevido ou a maior efetuado pelo sujeito passivo, contudo, também é utilizado para a ressarcimento de alguns créditos, como o decorrente de saldo negativo.

Por outro lado, a compensação (veiculada pela DCOMP), meio de extinção do crédito tributário, tem regulamentação mais tímida, com o artigo 170 do CTN, delegando a cada ente definir as condições para a compensação de créditos tributários.

Nesse sentido, o STJ já reconheceu que a compensação, por envolver indisponibilidade dos bens públicos, “carece de lei autorizativa que, legitimamente, pode condicioná-la, sendo certo que é facultado ao contribuinte submeter-se às regras impostas pelo legislador ordinário para fazer jus à compensação ou, então, pleitear a repetição do indébito tributário, que não observa qualquer condicionamento, salvo o recebimento por precatório” [1].

No âmbito federal, isso coube ao artigo 74 da Lei nº 9.430/96, que autoriza que o sujeito passivo compense tributos federais com débitos próprios (também relativos a tributos federais) passíveis de restituição ou de ressarcimento.

Em razão da possibilidade de restituição ser condição para a compensação, tornou-se usual também a afirmativa de que o prazo para compensação seria de cinco anos contados da ocorrência do indébito tributário, mimetizando a contagem do prazo do artigo 168, I, do CTN. Essa afirmação, entretanto, não é inteiramente precisa. E aqui começamos a nos aproximar do problema enfrentado na coluna de hoje.

De fato, junto ao nascimento do direito à restituição (nos marcos do artigo 168, I do CTN), nasce para o contribuinte também o direito de compensar esses créditos, pelo mesmo período de cinco anos. Frise-se que, em nosso entender, esses prazos possuem natureza decadencial, e não se confundem com o prazo prescricional para o exercício do direito de ação relativo à repetição de indébito [2].

Entretanto, é possível que o contribuinte apresente primeiro o PER relativo à integralidade do indébito apurado, e posteriormente passe a compensar esses valores com DCOMPs vinculadas a ele. Essa situação atualmente é regulada pelo art. 67 da IN RFB nº 2.055/21, cujo mesmo teor já era previsto em instruções normativas anteriores. Transcreve-se o referido dispositivo:

“Artigo 67. O sujeito passivo poderá compensar créditos que já tenham sido objeto de pedido de restituição ou de ressarcimento apresentado à RFB desde que, à data da apresentação da declaração de compensação:

I — o pedido não tenha sido indeferido, mesmo que por decisão administrativa não definitiva, proferida pelo Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil; ou

II — no caso de deferimento do pedido, ainda não tenha sido emitida a ordem de pagamento do crédito”.

Nessas hipóteses, caso o PER tenha sido transmitido dentro do prazo, e não tenha ocorrido as situações previstas nos incisos I e II, o parágrafo único deste artigo autoriza a transmissão da DCOMP vinculada mesmo após o prazo de cinco anos contados do nascimento do crédito. Nessa situação, entende-se que a transmissão do PER, pleiteando a restituição da integralidade do indébito, tem o condão de interromper a contagem do prazo decadencial [3], podendo o contribuinte usar esse crédito para compensações posteriores ou aguardar até a emissão da ordem de pagamento do saldo eventualmente remanescente (nesse sentido, v. Acórdãos nº 1801-001.455 [4], 1401-003.293 [5]).

O problema surge nas situações em que o contribuinte, ao invés de inicialmente transmitir o PER, transmite uma DCOMP, que informa o crédito em sua integralidade e indica o débito que pretende compensar, restando um “saldo excedente de créditos” não utilizados antes do prazo de cinco anos.

Partindo dessa premissa fática, há diversas DCOMPs transmitidas após o prazo de cinco anos e que não são homologadas, cuja discussão chega ao CARF para definir se a transmissão da DCOMP informando a totalidade do crédito (superior ao débito compensado) teria o mesmo efeito do PER, interrompendo a decadência, e permitindo a transmissão de DCOMPs vinculadas posteriores aos cinco anos.

Rigorosamente, o cerne da discussão diz respeito à extensão da eficácia constitutiva do direito creditório das DCOMPs: se abrangeria a sua totalidade declarada (tal qual o PER), ou apenas a parcela suficiente à extinção do débito compensado.

O tema foi abordado nos Acórdãos nº 1101-00.672 [6] e 1101-001.127[7], com a profundidade habitual da relatora, onde se consignou que a DCOMP não veicula pedido de restituição do indébito total, mas apenas da parcela utilizada na compensação. Para corroborar essa afirmação, invoca o artigo 74, §1º, da Lei nº 9.430/96, que dispõe que a compensação será efetuada com a entrega da “declaração na qual constarão informações relativas aos créditos utilizados e aos respectivos débitos compensados”. Segundo a relatora, essa interpretação estaria corroborada pelo artigo 27 da IN 460/04, norma atualmente prevista no artigo 68 da IN 2.055/21, que dispõe, verbis.

“Artigo 68. O crédito do sujeito passivo para com a Fazenda Nacional que exceder o total dos débitos por ele compensados mediante a entrega da declaração de compensação será restituído ou ressarcido pela RFB somente se requerido, pelo sujeito passivo, mediante:

I – pedido de restituição, formalizado no prazo previsto no artigo 168 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional (CTN);”

Ela pondera, ainda, que a possibilidade de restituição da diferença, de ofício, foi prevista na IN SRF nº 210/2002, em seu artigo 3º, mas que a regra foi abandonada para adaptar a sistemática à lógica estabelecida pelo artigo 74, §1º, da Lei nº 9.430/96. Além disso, observa que considerar que a DCOMP constituiria integralmente o crédito lá declarado poderia atrair pesadas multas de compensação não homologada (na sua redação original, com o valor do crédito como base de cálculo — artigo 62 da Lei nº 12.249/2010).

Nessa linha, os Acórdãos nº 1402-003.141 [8] e 1402-004.050 [9] também sustentam que a transmissão da DCOMP não garante o direito de utilizar os créditos remanescentes após os 5 anos, não tendo os mesmos efeitos do PER. Na mesma linha, os Acórdãos nº 1302-005.850 [10] e 3003-001.327 [11] ratificam a necessidade de, após a transmissão da DCOMP com saldo excedente, transmitir o PER dentro do quinquênio legal para preservar esse crédito.

Em sentido contrário, o Acórdão nº 1802-001.575 [12], analisou a seguinte situação: transmitiu-se no prazo legal DCOMP que inicialmente não foi homologada pela autoridade fiscal; após a decisão administrativa final, reconhecendo o crédito e homologando a compensação, o contribuinte transmitiu nova DCOMP, aproveitando o saldo remanescente, já após o prazo de 5 anos. O colegiado entendeu que pelo fato da primeira DCOMP não ter sido homologada, a decadência dos demais créditos ficaria obstada até o final do processo, com base na “suspensão de exigibilidade” prevista no artigo 74, §11º da Lei 9.430/96. Além disso, alegou que o contribuinte também estaria impedido de aproveitar esse saldo remanescente pela vedação de se transmitir novo pedido de compensação do mesmo crédito. Essa decisão foi reformada pelo Acórdão nº 9303-010-824 [13], por voto de qualidade, cujo voto vencedor adotou as razões de decidir do já mencionado Acórdão nº 1101-00.672.

Situação análoga foi enfrentada no Acórdão nº 1002-002.069 [14], no qual o relator entendeu que independentemente de se tratar de PER ou DCOMP, o prazo decadencial seria encerrado pela transmissão dentro do prazo, pois a autoridade administrativa analisaria “todos os elementos caracterizadores do indébito tributário”, e que todo pedido de compensação traz implícito um pedido de restituição e reconhecimento do crédito.

Por fim, no Acórdão nº 1301-004.046 [15], o redator propõe uma interpretação teleológica e sistemática do artigo 34, §10 da IN RFB nº 900/2008 (o mesmo conteúdo do artigo 67 da IN 2055/21), para analisar a situação da DCOMP transmitida dentro do prazo, sucedida por outras DCOMPs fora do prazo, para aproveitamento do saldo excedente. Após um longo arrazoado, conclui que a DCOMP deveria ter o mesmo efeito do PER, desde que informado o crédito integral, pois essa seria a “teleologia” do referido artigo 34, §10, harmonizado com a sistemática legal.

Analisando os acórdãos acima, parece-nos haver alguns erros de premissa.

Primeiro: o contribuinte não pode compensar novamente o mesmo crédito, mas não há óbice à transmissão, após a DCOMP e dentro do prazo legal, de um PER relativo ao saldo remanescente de crédito, que preservaria o seu direito creditório — entendimento reafirmado recentemente na Solução de Consulta COSIT nº 125/2021.

Segundo, não há fundamento para a discussão administrativa suspender a fluência do prazo decadencial do crédito, pois o artigo 74, §11 se refere à suspensão da exigibilidade dos débitos compensados.

Terceiro: ao transmitir uma DCOMP, a autoridade examina o crédito pleiteado e utilizado para a compensação, mas, na prática, não “atesta” o reconhecimento do remanescente. Por exemplo, caso o contribuinte alegue um crédito de R$ 1 milhão, e o compense com um débito de R$ 100.000, a compensação será homologada mesmo que o crédito verificado pela RFB muito inferior ao alegado pelo contribuinte, desde que suficiente para a compensação do débito declarado.

Quarto, e talvez o ponto que mais chame atenção: nenhuma das decisões acima menciona o teor do artigo 68 da IN 2.055/21 (já previstos nas INs antecessoras), que regulamenta especificamente a situação da DCOMP que gere saldo excedente.

A sua relevância vai além do usual aspecto interpretativo das INs, pois o artigo 74, §14, da Lei nº 9.430/96 delega à Secretaria da Receita Federal disciplinar a compensação, por meio de atos infralegais, e a publicação dessa IN é feita dentro do exercício dessa competência normativa.

Para além das divergências ostensivas apontadas acima, há casos em que a metonímia do “PER/DCOMP” volta a assombrar, induzindo em erro nos debates.

Um exemplo disso é o Acórdão nº 1401-005.143 [16], em que a relatora nega provimento invocando o Acórdão nº 1101-00.672, porque o contribuinte teria transmitido inicialmente uma DCOMP no prazo, não podendo o excesso ser considerado como PER. Por outro lado, o voto vencedor afirma que como o PER teria sido protocolado dentro do prazo, as DCOMPs vinculadas poderiam ser apresentadas após os cinco anos! Ora, onde está a divergência entre as posições? Na verdade, elas partem de premissas fáticas diferentes, e a primeira decidiu com base no artigo 68 e o segundo com base no artigo 67, ambos da IN 2055/21.

Compulsando o relatório, o que se vê é que a todo momento se fala em “PER/DCOMP nº X”, sem esclarecer de que documento se trata. O único indício mais fidedigno vem na reprodução da peça de defesa que assume que inicialmente teria sido transmitida uma DCOMP, corroborando a premissa da relatora, que restou vencida.

Felizmente, esse tipo de confusão é excepcional, mas evidencia, inequivocamente, a necessidade de uma precisão técnica ao se referir a cada tipo de documento transmitido por meio do PER/DCOMP.

Pois bem. Como visto, a transmissão do PER e da DCOMP possui efeitos jurídicos particulares, que não podem ser confundidos.

Na esteira da jurisprudência prevalecente no CARF, a DCOMP não tem o efeito de PER sobre o saldo excedente, não obstando a sua decadência, alinhada ao trato da matéria no artigo 68 da IN nº 2.055/2021. As decisões divergentes não chegam a enfrentar diretamente esse comando legal, e se apoiam em premissas discutíveis, o que deveria ensejar uma rediscussão do tema à luz da inteireza de seu arcabouço normativo.

Por outro lado, nos casos de transmissão do PER dentro do prazo legal, a jurisprudência tem reconhecido o direito de apresentar DCOMPs vinculadas mesmo após o prazo de cinco anos, alinhada ao artigo 67 da IN nº 2.055/21.

Por fim, não se pode deixar de mencionar os casos em que há uma dificuldade de estabelecimento da premissa fática, em razão da utilização uniforme da expressão “PER/DCOMP”, sem esclarecer o tipo de documento, o que tem gerado “divergências” (mais fáticas do que jurídicas) no âmbito do Tribunal.

Apesar do termo “PER/DCOMP” ser a soma das expressões PER e DCOMP, diferentemente da matemática, a comutatividade aqui não será válida e a ordem dos fatores poderá alterar profundamente o resultado.

[1] AgRg nos EDcl no REsp 835.774/SP, relator ministro Luiz Fux.

[2] Nesse sentido, v. FORTES, Marcelo Cerqueira. Repetição do Indébito Tributário: Delineamento de uma teoria. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 362; e Parecer PGFN/CAT nº 2.093/2011.

[3] Por “interromper”, entenda-se o efeito da realização do ato potestativo dentro do prazo decadencial, fazendo cessar essa contagem.

[4] Relator conselheiro Carmen Ferreira, j. 09/05/2013.

[5] Relator conselheiro Carlos André Nogueira, j. 21/03/2019.

[6] Relator conselheiro Edeli Pereira Bessa, j. 14/03/2012.

[7] Voto vencedor da conselheira Edeli Pereira Bessa, j. 04/06/2014.

[8] Relator conselheiro Demetrius Macei, j. 16/05/2018.

[9] Relator conselheiro Junia Gouveia, j. 18/09/2019.

[10] Relatora conselheira Andréia Mourão, j. 20/10/2021.

[11] Relator conselheiro Marcos Borges, j. 17/09/2020.

[12] Relator conselheiro Marciel Eder, j. 07/03/2013.

[13] Voto vencedor do conselheiro Andrada Natal, j. 14/10/2020.

[14] Relator conselheiro Aílton Neves, j. 04/11/020.

[15] Voto vencedor do conselheiro Marcelo Macêdo, j. 14/08/2019.

[16] Redator conselheiro Carlos André Nogueira, j. 20/01/2021.

Fonte Conjur

Carlos Augusto Daniel Neto e André Severo Chaves

Carlos Augusto Daniel Neto é sócio do escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária, doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, ex-conselheiro titular da 1ª e 3ª Seções do Carf e professor em cursos de pós-graduação.

André Severo Chaves é conselheiro titular da 1ª Seção do Carf, presidente do Instituto Piauiense de Direito Tributário (IPDT), MBA em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ) e MBA em Contabilidade, Auditoria e Gestão Tributária pelo Instituto de Pós-Graduação (IPOG).

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