Parassubordinação: Uma realidade legalmente ignorada
Kerlen Caroline Costa
A globalização não trouxe apenas inúmeros benefícios financeiros ao nosso país, tornando os negócios mais ágeis e rentáveis, mas também propiciou que as pessoas ampliassem sua visão de mundo e buscassem o conhecimento capaz de conduzi-las a outras formas de prestação de serviço que lhes trouxessem maior satisfação e melhor contraprestação.
Essa mudança de comportamento tornou comum a ocorrência de um fenômeno mundialmente conhecido. Uma nova forma de trabalho cujo objetivo principal é o crescimento profissional com maior liberdade e menor subordinação. Um modelo de prestação de serviço que, embora reconhecido pela doutrina e já legalizado em alguns países da Europa, não é aplicado pela justiça brasileira de forma coerente, justamente por não haver uma regulamentação para o instituto hoje chamado de “parassubordinação”.
Nossa legislação atual contempla apenas duas realidades: empregado com vínculo laboral ou trabalhador autônomo.
Sabemos que o empregado subordinado é aquele que se enquadra em todos os pressupostos elencados na norma celetista, cujo a prestação de serviço é realizada de forma não eventual, com pessoalidade, onerosidade e subordinação.
Sem o quesito subordinação, teremos o empregado autônomo, que assume o risco de seu negócio possuindo liberdade de iniciativa e de gerenciar o seu trabalho sem depender economicamente do contratante.
Entre estes dois conceitos, porém, se encontra a figura do parassubordinado, um trabalhador em regime de colaboração que, mesmo economicamente dependente da empresa que o contrata, presta seu serviço com autonomia, remotamente e sem direção do trabalho pelo seu destinatário.
O parassubordinado, em geral, é um trabalhador altamente especializado, qualificado, experiente e que não se sujeita à subordinação e habitualidade necessárias a uma relação de emprego propriamente dita.
Ele organiza seu tempo, seu trabalho e vende a sua força produtiva de modo que o tomador apenas controla o processo produtivo, mas não o trabalho em si. Portanto, existe a dependência econômica do trabalhador, mas as partes trabalham em regime de colaboração.
Ainda que seja uma realidade crescente, quando as situações de parassubordinação são levadas ao Poder Judiciário fica a critério do Juiz trabalhista a declaração da existência ou não de vinculação empregatícia, geralmente optando o magistrado pelo vínculo laboral em razão do protecionismo celetista e da ausência de normas específicas para o enquadramento deste trabalhador.
Condena-se então uma empresa para a qual o trabalhador prestou serviço sem habitualidade e subordinação ao pagamento de todas as verbas decorrentes de uma relação de emprego, sem preocupação com a realidade, com a legalidade ou com a vontade do trabalhador no momento em que teve seus serviços contratados.
Na ausência de uma legislação mais moderna, se enquadra o parassubordinado de forma forçada ao conceito típico de subordinação indireta, adotando saídas interpretativas para assim englobá-lo, quando na verdade essa subordinação não existiu.
Daí vem a necessidade imperiosa de criar critérios subjetivos para definir o modelo desta prestação de serviço, delimitando direitos e garantias específicos, já que seria injusto proteger-lhe como se funcionário fosse.
É necessário que a legislação possibilite um contrato de colaboração, regularizando o instituto de modo que o Estado consiga também tutelar esta relação de trabalho onde o protagonista é um trabalhador, mas não pode ser considerado um empregado. E que se conscientize o Judiciário de que, enquanto não há regulamentação, é totalmente inconstitucional a utilização analógica de normas e conceitos inaplicáveis.
Ao contrário da busca por normatizar institutos que, por desconhecimento, acabam tendo interpretações injustas, temos políticas de proteção que não consideram a realidade de cada um, não incentivam o trabalhador a sair da informalidade, tampouco o empregador a formalizar contratos.
Vemos uma exacerbada preocupação em proteger o trabalhador, o que é louvável, mas sem importar-se com a viabilidade econômica da empresa que é sua fonte de trabalho.
A regulamentação da parassubordinação e dos direitos inerentes aos trabalhadores que nela se enquadram, seria, sem dúvida alguma, uma forma inteligente de inclusão de pessoas no mercado de trabalho formal, fazendo com que sejam amparadas juridicamente.
Enquanto a flexibilização da legislação celetista não chega é importante que não fechemos os olhos para as mudanças do mundo e passemos a dar mais valor ao negociado sobre o legislado, já que a lei encontra-se ultrapassada. É preciso que se considere que o trabalhador parassubordinado, em sua grande maioria, é uma pessoa de extrema inteligência, com um salário expressivo e total conhecimento de si e da legislação trabalhista, capaz de avaliar as situações de acordo com seus objetivos e firmar contratos dos quais esteja seguro.
Quanto mais o tempo passa e as circunstancias mudam, mais salta aos olhos a falta de atualização das nossas normas celetistas, que só fazem aumentar a informalidade no País.
Essa informalidade não é benéfica. Pelo contrário. É fator de risco tanto para as empresas quanto para os trabalhadores. Mas como adequar-se a uma legislação retrógrada que ignora as mudanças e as necessidades de crescimento econômico do País?
O que precisamos no sistema jurídico brasileiro não são as jurisprudências convertidas em súmulas de impossível aplicação, mas sim da percepção de que quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o Direito.
Kerlen Caroline Costa
Advogada trabalhista e empresarial do escritório Scalzilli Advogados Associados. Graduada e pós-graduada pela URI - Campus de Santo Ângelo. Especialista em Direito Previdenciário pelo LFG.