Para um novo regime de tributação dos lucros de empresas brasileiras no exterior
Isaias Coelho
Breve retrospecto da legislação pertinente
Antes de 1996 o Brasil adotava o critério territorial de tributação das empresas, pelo qual se tributavam os lucros obtidos de operações no território nacional e se deixava fora do alcance do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) (01) os lucros obtidos no exterior por filiais, agências, representações e empresas controladas ou coligadas. Sujeitavam-se à tributação, entretanto, os lucros e dividendos recebidos de quaisquer pessoas jurídicas domiciliadas no exterior (02).
A partir de 1996 passou a viger no Brasil o critério de tributação de lucros em base mundial, pelo qual os lucros obtidos no exterior, diretamente ou através de empresas controladas ou coligadas (03), passaram a ser integrados contemporaneamente ao lucro real da empresa brasileira, portando ficaram sujeitos ao IRPJ às mesmas alíquotas aplicáveis aos lucros obtidos no país (04). Pela regra de equivalência patrimonial, os dividendos recebidos das controladas e coligadas passaram a ser contabilizados como redução do valor do ativo, portanto deixaram de ser adicionados ao lucro real para tributação. Simultaneamente com a adoção da regra de tributação em base mundial, passou-se a conceder crédito ao equivalente de IRPJ pago no exterior, limitado o crédito ao valor do IRPJ brasileiro. Passou-se, assim, de um regime de tributação baseada no local de produção dos rendimentos para a tributação baseada no local de residência do titular da renda (05).
O regime de 1996 foi profundamente alterado pela Lei nº 9.532 de 10 de dezembro de 1997, a qual passou a considerar tributáveis pelo IRPJ brasileiro, a partir do exercício de 1998, os lucros das controladas e coligadas no exterior apenas a partir do momento em que se tornassem disponíveis através de pagamento ou crédito (06). Passou-se, assim, a diferir a tributação dos lucros até o momento de sua repatriação ou emprego em benefício da empresa acionista brasileira. A adoção desse regime, sem mecanismos de defesa contra abusos, incentivou práticas tendentes a evitar a tributação pelo IRPJ.
Ao invés de introduzir mecanismos defensivos da base do IRPJ, como o fazem quase todos os países cujas empresas investem no exterior, optou-se por retornar, em 2001, a um critério maximalista de tributação dos lucros de controladas e coligadas no exterior: a Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto, estabeleceu que esses lucros seriam tidos como disponíveis, e portanto sujeitos ao IRPJ no Brasil através do regime de equivalência patrimonial, em base de demonstrações financeiras das controladas e coligadas (07). Esse é o regime que está em vigência presentemente.
A presença da empresa brasileira em múltiplos mercados torna o país mais competitivo e próspero
A grande empresa moderna atua globalmente, desenvolve economias de escala e sinergias nos vários mercados em que atua. A atividade empresarial que se projeta no exterior se exerce cada vez menos através de filiais, sucursais, agências e representações e cada vez mais através de subsidiárias (empresas controladas) e coligadas (participação acionária minoritária mas significante) com personalidade jurídica própria nos países em que está registrada sua constituição. O ato formal de registro confere "cidadania" (capacidade legal) e "residência", mas a atividade da controlada ou coligada não está limitada ao seu país-base, já que via de regra também pode operar em escala regional ou global e ter, por sua vez, controladas e coligadas no seu país de residência ou fora dele.
No passado se pensou que o investimento no exterior (exceto por razões geopolíticas, por exemplo para assegurar fontes de suprimento) era contrário ao interesse nacional: o investimento que se fazia fora do país deixava de ser feito dentro dele. Portanto, não fazia sentido incentivar o investimento no exterior porque ele criaria empregos em outros países enquanto sacrificaria postos de trabalho no país. Um jogo de soma zero. Hoje sabemos que essa avaliação é equivocada. A atuação em múltiplos mercados, através de controladas e coligadas, torna a empresa mais flexível para desenvolver sinergias e se ajustar às mudanças de mercado, e portanto mais competitiva. A sobrevivência da empresa moderna requer dela um esforço de pesquisa e desenvolvimento de produtos e processos, e ao fazer isso ela cria conhecimento, qualificação de mão de obra, maior produtividade e produção, mais oportunidades no país e no exterior. É um jogo de soma positiva, em que todos ganham (08).
Também a noção de que os capitais invertidos no exterior fariam escassear a disponibilidade de capitais para investir no país se revelou enganosa. Na medida em que os mercados financeiros se globalizaram, as empresas com possibilidade de investir no exterior têm acesso a uma grande variedade de fontes de financiamento para investimentos novos, no próprio país que recebe o investimento ou no resto do mundo. Quando investe no exterior, o que a multinacional brasileira leva para sua controlada não é tanto recursos financeiros como conhecimento, tecnologia, inovação, capacidade de gestão, habilidade de transformar recursos humanos e materiais em novas riquezas. A empresa investidora adquire, no processo, maior capacidade de resistir à concorrência de multinacionais estrangeiras, no seu país sede e nos demais mercados em que atua (09). As multinacionais criam cadeias globais de valor, e suas redes de produção verticalmente integradas tendem a ser mais resilientes no evento de choques no contexto de uma recessão econômica (10).
Aceite que o investimento no exterior é positivo para o país, torna-se fácil ver que o sistema tributário pode até não prover incentivos a esse tipo de inversão, mas seguramente não deve introduzir obstáculos que coloquem a empresa multinacional brasileira em desvantagem nos mercados em que opera.
O regime brasileiro de tributação de controladas e coligadas é disfuncional
As multinacionais brasileiras enfrentam, no mercado global, empresas competidoras que são controladas por multinacionais sediadas em muitos países, mas com maior frequência na Austrália, Canadá, Estados Unidos, Holanda, México, Suíça e Rússia. Esses países–e muitos outros–procuram facilitar o desenvolvimento dos negócios de suas empresas no exterior de diversas maneiras inclusive com tratamento tributário favorável.
A tributação favorecida normalmente não cobre toda a renda no exterior, como seria num sistema territorial puro. Antes, ela procura premiar a atividade empresarial (contento risco de negócio) enquanto trata de maneira mais pesada as rendas originadas de investimentos de portfólio. Vejamos como isso se opera em cada país.
Na Austrália (11), a renda produzida pela afiliada (12) no exterior não integra a renda tributável da investidora. Entretanto, se as receitas de portfólio excederem a 5% do total de receitas da afiliada, essas rendas de portfólio, e somente elas, são tributadas na Austrália em bases correntes (segundo o regime de competência) com crédito do imposto pago sobre essas rendas. Quando distribuídos pela afiliada, dividendos são tributados na Austrália na parte correspondente a atividades empresariais, e exentos na parte correspondente a rendas de portfolio (para evitar bitributação). Em ambos os casos se concede crédito pelo imposto pago no exterior (13);
No Canadá (14), a renda produzida por afiliadas no exterior é, em princípio, tributada em bases correntes. Entretanto, as multinacionais canadenses encontram isenção para suas rendas da atividade empresarial pela aplicação dos tratados para evitar a dupla tributação da renda e do capital. O Canadá tem 98 desses tratados em vigor. Além disso, o benefício tributário se estende às afiliadas localizadas em países que firmaram com o Canadá acordo para o intercâmbio de informações tributárias. Portanto, ficam sujeitos à tributação plena apenas as rendas de portfólio, rendas de propriedade e rendas auferidas em paraísos fiscais, que tipicamente não firmam tratados de bitributação. Os dividendos são tributados quando recebidos, com exceção dos que já foram tributados como renda de portfólio. Para evitar uma forma comum de elisão tributária, o Canadá está no processo de introduzir na legislação uma regra pela qual empréstimos feitos pelas afiliadas no exterior à sua investidora no país são equiparados, para efeito de tributação, a distribuição de dividendos.
No Estados Unidos (15), o princípio de tributação de controladas no exterior consiste no diferimento da tributação sobre a renda "ativa" (isto é, derivada da atividade empresarial) até que a renda seja distribuída. Nessa ocasião os lucros ou dividendos pagos ou creditados são tributados, com crédito do imposto pago no exterior sob certas condições. Os seguintes tipos de rendas auferidas por afiliadas no exterior são tributadas em bases correntes, sem diferimento:
– "rendas de fontes externas" (16) compreendendo dividendos, juros, rendas, róialtes, rendas de contratos, certas rendas de petróleo e gás, certas rendas de empresas ligadas etc.;
– por razões extrafiscais: rendas de países objeto de sanções e rendas de atividades relacionadas a boicote de Israel;
– pagamentos ilegais feitos a governos ou agentes estrangeiros; e
– certas rendas da atividade de seguros.
Quando colocados à disposição da investidora, lucros e dividendos são tributados. Para evitar abusos, empréstimos das afiliadas no exterior à sua investidora são equiparados a dividendos. Há crédito pelo imposto pago no exterior sobre os dividendos, com limites.
No México (17), os lucros empresariais no exterior tipicamente escapam tributação em virtude da amplitude da regra isencional. A tributação dos lucros externos, em base corrente, requer a ocorrência simultânea de duas condições:
– que a controlada esteja sediada em jurisdição de baixa tributação. Considera-se de baixa tributação o país cujo equivalente de IRPJ tem alíquota inferior a 75% da alíquota do IRPJ mexicano. Como esta é atualmente de 30%, o critério enquadra as afiliadas instaladas em países com alíquota inferiores a 22,5%, na prática todos os paraísos fiscais que faziam parte da "lista negra" e mais alguns outros países; e
– que a renda de portfolio (dividendos, róialtes, ganhos de capital e comissões) da afiliada, obtida direta ou indiretamente através de outras empresas, supere os 20% da renda total da afiliada.
No caso de haver tributação, o imposto pago no exterior pode ser creditado enquanto não exceda o nível de tributação do México. Os dividendos recebidos pela investidora mexicana são tributados exceto se a renda subjacente já houver sido tributada. Para prevenir abusos, certos pagamentos feitos pela investidora à afiliada no exterior estão sujeitos a um imposto de renda na fonte de 40%.
A Rússia adota um sistema territorial em que não se tributam os lucros gerados no exterior. Também os dividendos recebidos escapam tributação, mas somente se observadas as seguintes condições:
– a investidora russa tem mais de 50% das ações com direito a voto;
– o controle tem sido exercido por um ano ou mais;
– os dividendos não procedem de paraísos fiscais; e
– o investimento teve um custo de aquisição de pelo menos 500 milhões de rublos.
A Suíça não tributa os lucros auferidos por controladas e coligadas no exterior, nem quando são apurados nem quando os dividendos são remetidos (repatriados) ou de outra forma colocados à disposição da investidora.
A Holanda também tem regras favoráveis ao investimento no exterior. A investidora deve incluir no seu lucro tributável os resultados das afiliadas no exterior somente se todas as seguintes condições ocorrerem:
– mais de 90% do investimento (valor de ativo) é de portfólio;
– a alíquota do equivalente IRPJ no exterior é inferior a 10%;
– a investidora possui mais de 25% ou mais da afiliada no exterior; e
– o investimento não é em imóveis.
Muitos países não apenas deixam de tributar os lucros da atividade empresarial como isentam de tributação esses lucros quando repatriados sob a forma de dividendos. Uma isenção completa de imposto sobre os dividendos recebidos existe no Reino Unido. Na Suíça, a isenção total dos dividendos se estende aos níveis de governo cantonal e municipal, que também têm capacidade tributária em relação a rendas. A Espanha concede isenção completa de dividendos se a participação da investidora no capital da empresa estrangeira superou os 25% nos 12 meses anteriores à distribuição dos dividendos. O Japão (18), que em 2009 adotou um critério mais territorial, tributa os dividendos recebidos das afiliadas no exterior mas concede uma dedução de 95% do dividendo, com que a base se reduz a apenas 5%. A Alemanha também concede uma redução na base de cálculo de 95%, que corresponde ao mesmo tratamento tributário de dividendos recebidos de empresas situadas na Alemanha (19).
Pelo exposto nesta seção vê-se que o tratamento tributário que se dá no Brasil ao investimento empresarial no exterior é informado por uma abordagem puramente fiscalista (20), sem consideração do papel do investimento multinacional brasileiro no processo de desenvolvimento nacional. Em tempos de maior sensibilidade para o efeito dos impostos sobre a atividade empresarial, a Secretaria da Receita Federal concordou que "não seria racional dificultar, pela sobrecarga tributária, a abertura das empresas nacionais para negócios externos, tendentes a ensejar a transferência de lucros para o Brasil" (21).
Outro grande problema com o sistema adotado atualmente no Brasil é sua incompatibilidade com o principal mecanismo adotado pelo país para a coordenação tributária internacional: os acordos para evitar a dupla tributação. Nas palavras do Senador Francisco Dornelles (22):
"… a tributação de rendimentos recebidos por empresas domiciliadas no Brasil e auferidos em países com os quais o Brasil mantém acordos para eliminar a dupla tributação da renda é regida por seus dispositivos, que prevalecem sobre a legislação interna.
Os acordos (…) adotaram o modelo da OCDE, que estabelece que ‘os lucros de uma empresa de um Estado contratante só são tributáveis nesse Estado".
Assim, não podem ser tributados no Brasil os lucros de empresas domiciliadas em países com os quais oo Brasil mantém acordo (…), mesmo sendo elas coligadas ou controladas por empresas domiciliadas no Brasil.
Somente no caso de serem distribuídos podem esses lucros ser tributados no Brasil (…)
Dessa forma, o não reconhecimento pela Receita Federal de princípios de tributação internacional constantes dos acordos para eliminar dupla tributação, assinados pelo Brasil, precisa ser urgentemente reexaminado."
As multinacionais brasileiras, ao competir nos mercados globais, correm com coturnos enquanto os competidores correm de tênis. O peso extra da abordagem tributária maximalista é notável desvantagem. É necessário introduzir um novo regime tributário para as atividades empresariais no exterior.
É importante distinguir renda da atividade empresarial de outras rendas
Não tendo jurisdição para tributar além de suas fronteiras, os países tem sido cuidadosos em tributar rendas auferidas no estrangeiro mesmo quando adotam o princípio de tributação em base mundial. Os Estados Unidos, que adotaram o conceito de controlled foreign corporation (CFC), no que foram seguidos (23) por grande número de países com sistemas similares, viram maior segurança jurídica no tributar os lucros quando disponibilizados, através da distribuição de dividendos, do que simplesmente quando incorridos.
O sistema de tax deferral americano apresentava, entretanto, duas vulnerabilidades:
– países com baixo nível de tributação (inclusive paraísos fiscais), que poderiam ser utilizados para frustrar a tributação em base mundial; e
– a grande mobilidade de bens intangíveis, geradores de rendas de portfólio financeiro ou da cessão de direitos, que criavam oportunidades para postergar ou evitar a tributação de rendas que deveriam ser tributadas nos Estados Unidos.
Essas duas ameaças à base do imposto de renda levou à criação de um sistema dicotômico, em que os lucros derivados de negócios genuinamente empresariais (rendas "ativas") se beneficiavam do tax deferral, enquanto as demais rendas (ditas "passivas") ficavam sujeitas ao imposto em bases correntes. A razoabilidade da dualidade tributária nunca foi seriamente questionada, as queixas se concentrando mais no cipoal de normas em que com o tempo o código tributário, e em especial o regime CFC, se tornaram nos Estados Unidos.
O problema é que a classificação de rendas em "ativas" e "passivas" não oferece segurança jurídica. Não são conceitos definidos nem no direito anglo-saxão. A legislação americana não se estriba no conceito, que é de uso corrente entre os tributaristas como um jargão simplificador. E na separação de rendas que são diferíveis ou não (a aplicação prática da dualidade ativa-passiva) cada país utiliza o seu próprio conceito, em geral listando as rendas que se incluem no regime CFC e, por exclusão, incluindo as demais, não mencionadas expressamente, como rendas ativas passíveis de diferimento ou tributação na disponibilização ou realização.
A classificação de renda em " ativa" e "passiva" é alheia ao direito brasileiro e não haveria vantagem em simplesmente transplantada porque ela não goza de estabilidade no direito tributário dos países que têm regime CFC. Se fosse utilizada a classificação no Brasil, poderia levar muitos anos até que o entendimento (inclusive jurisprudência) fosse pacificado.
Afortunadamente, a dicotomia renda ativa/renda passiva não é necessária para tratar diferenciadamente os lucros da atividade empresarial num sentido estrito. A legislação do imposto de renda brasileiro já tem feito no passado distinções similares. Por exemplo, ao separar, na tributação interna, o que é lucro operacional do lucro derivado de operações financeiras, e ao definir, para efeito de incentivos fiscais, o lucro da exploração. O que é importante é assegurar um tratamento tributário menos oneroso para a atividade genuinamente empresarial. Mas essa lógica não se aplica às rendas não empresariais, resultantes de mera aplicação de capital ou de obtenção de aluguéis, róialtes, etc., pela cessão do direito de uso de bens ou direitos.
Quatro sistemas insustentáveis para a tributação de lucros no exterior
Ao reformar o sistema de tributação de lucros obtidos por empresas ligadas no exterior, devemos aprender da experiência nacional e internacional. É preciso estabelecer um clima tributário que seja propício ao desenvolvimento dos negócios e ao mesmo tempo salvaguardar a base do IRPJ, já que a tributação internacional é área de risco para o Fisco (24).
Mas as garantias do Fisco não podem levar ao outro extremo, de uma tributação instantânea e generalizada que inviabilize a atividade econômica ou a torne gravosa. Encontrar esse equilíbrio é tarefa da ciência e arte da tributação.
Entre as alternativas de tributação de rendas no exterior existem quatro regimes que, como sabemos da experiência nossa e alheia, apresentam problemas seriíssimos e convém evitar. Esses quatro modelos são os seguintes.
1 – Tributação por equivalência patrimonial (sistema atual)
O sistema brasileiro atual é baseado no método de equivalência patrimonial, o qual incorpora, nos registros contábeis da empresa investidora, os resultados obtidos por suas empresas coligadas e controladas no exterior. Esse registro abrange os resultados apurados pela controlada em 31 de dezembro, portanto é contemporâneo dos resultados apurados sobre operações no Brasil. No caso de empresas coligadas, pode haver uma defasagem de meses, por considerar-se o último balanço levantado: a investidora, por não tem controle sobre a administração da empresa coligada, não pode obrigá-la a apurar resultados em data que estabeleça.
Como discutido acima, esse método é extremamente exigente do ponto de vista tributário, requerendo pagamento de imposto à medida que os lucros se formam no exterior. Já que o Fisco brasileiro não tem jurisdição sobre outros países, a obrigação tributária é da empresa investidora no Brasil, que é obrigada a desembolsar o pagamento de imposto (sobre lucros no exterior) com recursos de seus fluxos de caixa no Brasil. Viola-se um princípio do imposto de renda moderno brasileiro, de que não se tributam os ganhos não realizados (25).
Também, a aplicação da equivalência patrimonial é incompatível com o espírito dos acordos para evitar a bitributação sobre a renda (ver discussão acima).
Da maior relevância para a política econômica, é que o sistema de equivalência patrimonial torna as empresas multinacionais menos competitivas. Isso, apenas, já é razão suficiente para reformar a tributação dos rendimentos derivados da atividade empresarial no exterior.
2 – Tributação exclusivamente territorial
Um regime puro de tributação em base territorial só tributa as rendas geradas no país. Portanto todas as rendas de qualquer natureza produzidas no exterior escapam de tributação. A adoção de tal regime implicaria na não incidência do imposto sobre quaisquer lucros de controladas e coligadas no exterior. Ao mesmo tempo, livraria de tributação os resultados de aplicações financeiras feitas no exterior por empresas residentes no país. Isso criaria um enorme estímulo para que as empresas deslocassem para o exterior suas operações de tesouraria, em detrimento da base do IRPJ (26).
Um regime puramente territorial também criaria grandes incentivos para que as empresas transferissem para o exterior, através da prática de preços abusivos em transações entre empresas afiliadas, lucros gerados no país. Vale aqui lembrar que parte significativa do comércio internacional é intra-firm trade – importações e exportações entre empresas ligadas, o que torna mais difícil estimar o valor das transações em critério arms’-length (27).
O regime territorial pleno também criaria forte incentivos para a prática da subcapitalização, em que capital de investimento no país por empresas estrangeiras (equity capital) são internados sob a forma de empréstimo para permitir a dedução dos juros no Brasil, sem a tributação deles no país de origem. Finalmente, a experiência tem demonstrado que bens facilmente móveis (especialmente intangíveis) podem, sem mecanismo adequado de salvaguarda fiscal, se deslocar de jurisdição para obter economia de impostos.
O Estados Unidos, o Brasil e outros países já passaram por um sistema de tributação exclusivamente territorial e acumularam experiência suficiente para não querer retornar a tal regime, especialmente num mundo muito mais integrado como o de nossos dias.
3 – Critério OCDE de tributação apenas no país onde os lucros surgem
O Modelo de Acordo Tributário sobre a Renda e o Capital, da OCDE (28) estipula, no art. 7º que lucros auferidos por empresa (que pode ser uma controlada ou coligada) localizada no país convenente somente serão tributados nesse país. Esse critério excluiria nova tributação desses mesmos lucros no país da empresa investidora.
O regime-modelo corresponde a um regime de tributação territorial rígido para os lucros (29) das empresas, o que gera incentivo para que empresas localizadas no país X (origem do investimento) façam migrar para o país Y (destino do investimento), através de mecanismos de planejamento tributário, rendas potencialmente tributáveis em X.
Tal incentivo surge não somente em casos em que a tributação é menor em Y que em X mas também em casos que o país Y seja mais tolerante com investimentos feitos por firmas residentes em Y no paraiso fiscal Z. Neste caso, planejamentos tributários mais agressivos poderiam concentrar os lucros de firmas de X em "paraísos fiscais" (países com imposto de renda baixo ou inexistente) diretamente ou através de controladas em país Y (país com acordo de dupla tributação com X), escapando assim de tributação em qualquer dos três países.
Claro que o Acordo Modelo da OCDE é um modelo, não um tratado em si. Portanto, na sua utilização como base de negociação de acordos bilaterais, os países agirão bem se introduzirem salvaguardas que impeçam ou pelo menos dificultem a futura utilização dos acordos para escapar de impostos que o acordo não teve a intenção de desonerar.
Na singeleza do seu texto, na redação atual, o Acordo Modelo da OCDE não oferece um sólido critério para as tributações controlada e coligada no exterior.
4 – Tributação baseada na disponibilização, sem salvaguardas (regime de 1998)
Em principio, o regime brasileiro de tributação de controladas no exterior vigente em 1998 corresponde ao desejo de fomentar a competitividade através da suspensão de tributação dos lucros auferidos no exterior até o momento em que são distribuídos à empresa investidora brasileira.
Entretanto, o regime de 1998 deixava o IRPJ vulnerável na medida em que não dispunha de salvaguardas contra abusos. Sem nenhum restrição, os lucros no exterior poderiam ser mantidos indefinidamente sem tributação. Pior, criavam-se incentivos para migrar para o exterior lucros auferidos no país.
Sem uma blindagem adequada da base do IRPJ, como estabelecido nos regimes CFC de outros países, o risco para o Fisco se torna muito alto. Não é portanto de estranhar que o regime tenha sido substituído por outro (o de 2002) mais seguro para o Fisco embora de consequências deletérias para a economia.
Portanto, a revogação do regime de 2002 e um simples retorno ao regime anterior, de 1998, não é uma boa solução. Um regime de diferimento precisa de critérios para limitar o diferimento exclusivamente a rendas empresariais, não abrindo espaço para o diferimento de imposto sobre rendas de portfólio.
Regimes de tributação de lucros no exterior que conciliam a competitividade com a proteção da base do IRPJ
A construção de um regime sadio econômica e fiscalmente para a tributação de lucros de empresas brasileiras no exterior deve observar alguns princípios importantes:
– os problemas com a prática de preços de transferência abusivos, de subcapitalização e da utilização de paraísos fiscais não desaparecerão mas podem ser mitigados — os agentes econômicos respondem a incentivos;
– o sistema deve gerar um ambiente tributário competitivo para as multinacionais brasileiras em suas atividades empresariais no exterior;
não há necessidade de estender o tratamento tributário, mais benéfico, dos lucros da atividade empresarial, às rendas de aplicações financeiras e da cessão de outros ativos físicos ou intangíveis;
– a base do IRPJ precisa ser blindada contra práticas que façam migrar rendas tributáveis do país para o exterior; e
– o sistema deve ser relativamente simples e levar em conta a melhor experiência internacional.
As reflexões anteriores permitem, quase por exclusão, delinear duas estruturas alternativas para a tributação de lucros no exterior de empresas brasileiras. O primeiro modelo é mais evolutivo e procura incorporar as boas práticas dos países exportadores de capital. O segundo modelo de certo modo rompe com o paradigma das CFCs e dos acordos de bitributação, mas pode ser o mais conveniente para a tributação brasileira neste século XXI.
1 – Regime CFC baseado na distinção entre rendas empresariais e patrimoniais
Este regime consiste na tributação dos lucros auferidos por controladas e coligadas no exterior de empresas brasileiras apenas quando disponibilizados. Não seriam tributados os lucros em bases correntes, isto é, quando apurados, mas quando os lucros ou dividendos fossem pagos, creditados ou empregados em benefício do investidor residente no Brasil.
O regime de tributação ao tempo da disponibilização somente se aplicaria a rendas empresariais que resultam de gestão ativa, envolvendo risco negocial, com pegada (rasto) significativa no país recipiente do investimento: instalações físicas, recursos humanos, encadeamento produtivo. A estas rendas, por brevidade, chamaremos de rendas empresariais.
Outras rendas, que não necessitam tratamento tributário diferenciado, incluem rendimentos e ganhos de capital (inclusive na venda de participações de capital no exterior), juros, dividendos, róialtes, aluguéis, cessão de direitos, outras rendas de intangíveis. Essas rendas, que por brevidade chamaremos de rendas de portfólio, seriam tributadas em bases correntes, à medida que apuradas contabilmente nas controladas e coligadas.
Qualquer coligada ou controlada genuinamente empresarial, com atividade indiscutível no país de residência, terá sempre, em consequência da conduta normal de seu negócio, algum volume de rendas de portfólio. Para evitar a complexidade inerente a cada empresa ter dois regimes de tributação (um para rendas empresariais e outro para rendas de portfólio), que oneraria tanto o contribuinte como a administração tributária, conviria adotar um critério de materialidade pelo qual a totalidade da renda da empresa seria tratada como renda empresarial se as rendas de portfólio não excedessem uma porcentagem, digamos 33,3%, da renda total da empresa (30).
O imposto de renda pago no exterior sobre os lucros da controlada ou coligada poderiam ser creditados na proporção dos lucros que fossem submetidos a tributação no Brasil, observada ainda a regra hoje existente que o crédito não pode exceder o imposto brasileiro incidente sobre o rendimento.
Haveria necessidade de regra especial para tributar os dividendos recebidos da controlada ou coligada, para evitar sua dupla tributação: até o montante já tributado (de rendas não empresariais) o dividendo seria recebido sem imposto no Brasil (31), e o excedente seria tributado pelo IRPJ na investidora.
Essa tributação do dividendo poderia ser total ou parcial. Como discutido acima, para fomentar os negócios de suas empresas e ao mesmo tempo incentivar a repatriação dos lucros obtidos no exterior, diversos países reduzem a base de cálculo da tributação sobre os dividendos repatriados em até 95%. Hoje, no Brasil, a redução é de 100% mas apenas porque os mesmos dividendos já foram tributados através do método de equivalência patrimonial (MEP). ExcluÍdos do MEP os lucros provenientes do exterior, os dividendos seriam em princípios tributados. Essa tributação poderia ser fixada, por exemplo, em 34% (soma das alíquotas marginais do IRPJ e da CSLL) ou em 50%, sempre através de ajuste na base de cálculo (para que não seja necessário adotar alíquota diferente).
Os ganhos de capital seriam normalmente tributados no Brasil na baixa (por liquidação ou alienação) do investimento em controlada ou coligada no exterior — dependendo das regras de contabilização e tributação do investimento, tal ganho de capital poderia ou não incluir os lucros capitalizados em anos precedentes, que escaparam da tributação no Brasil.
Pode-se também introduzir, à semelhança do que fazem alguns países, restrições adicionais ao uso do regime de tributação diferida, também para evitar o uso abusivo de investimentos indiretos em jurisdições de baixa tributação (JBT) (32). Por exemplo, pode ser excluída do regime a controladas ou coligada que invista uma dada proporção do seu ativo em JBTs. Também, o regime poderia abrigar controladas e coligadas dedicadas à intermediação financeira, inclusive bancos comerciais, somente quando uma dada (alta) proporção de suas operações ativas se realizassem no seu país de residência.
2 – Tributação em bases correntes com alíquota reduzida
No mundo todo e especialmente no Brasil, tem havido muita frustração com os sistemas de tributação de rendas obtidas no exterior. As empresas se queixam da complexidade dos vários mecanismos, que ensejam riscos de interpretação desfavorável pelas autoridades tributárias. Os governos por sua vez se mostram insatisfeitos com a dificuldade de exercer, na prática, os princípios estabelecidos em lei, e especialmente de evitar que o diferimento de tributação se torne indefinido no tempo, tornando-se equivalente a um regime de isenção; e que ocorra a drenagem da base do IRPJ para paraísos fiscais.
Tem-se, assim, buscado encontrar mecanismos mais simples que assegurem uma tributação moderada com o necessário controle fiscal. Motivados por tais considerações, e com intuito de aumentar a competitividade de suas empresas no exterior, em anos recentes o Japão e o Reino Unido têm movido suas regras de tributação em base mundial na direção de um sistema mais territorial. Diversos países industrializados têm concedido redução de 95% ou 100% da base de cálculo dos dividendos recebidos do exterior.
Durante o III Colóquio Internacional do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da Fundação Getúlio Vargas, em dezembro de 2011, o professor David Shaviro, da New York University Law School, uma das maiores autoridades em direito tributário internacional, esboçou um novo sistema para a tributação de lucros de empresas controladas no exterior. Ele consiste em tributar todos os lucros obtidos pela empresa no exterior, e em bases correntes (quando apurados em balanço) no caso de controladas e coligadas, mas com uma alíquota muito menor do que a alíquota normal do IRPJ.
Por exemplo, se a alíquota marginal do IRPJ é de 34% como no Brasil ou 35% como nos Estados Unidos, a tributação das receitas obtidas por empresas no exterior poderiam, segundo essa proposta, ser tributadas em, digamos, 8 ou 10%. No caso de controladas e coligadas, a base de cálculo do imposto seria a participação da companhia brasileira nos lucros da empresa estrangeira líquidos de imposto de renda pago por esta. Desta maneira, não se creditaria, imposto contra imposto, o IRPJ ou equivalente pago no exterior, o qual seria entretanto uma despesa dedutível (33).
A existência dessa tributação diferenciada seria um reconhecimento de que:
– devido à grande mobilidade de capital entre países, e a limitada disponibilidade de obter informações sobre atividades no exterior, o poder de tributar rendas no exterior é mais limitado do que o de tributar rendas no país;
– o conceito de residência de pessoa jurídica, pare efeito de tributação, é convencional e menos sólido para uma empresa que para uma pessoa física;
– uma tributação positiva mas moderada retira em grande medida o incentivo para a prática de manobras evasivas no exterior;
– há importantes ganhos de simplicidade em comparação com os sistemas existentes.
Como qualquer sistema, este também tem seus inconvenientes, sendo duas as principais objeções:
– a não concessão de crédito (apenas dedução) do IRPJ pago no exterior constituiria dupla tributação. Este é um argumento apenas formal, já que o que interessa para os agentes econômicos é a tributação total, não o número de impostos. Além disso, sob a ótica distributiva e do bem-estar, é questionável se o país deva atribuir o mesmo peso ao imposto pago no exterior que ao imposto pago no país, como ocorre no regime de crédito — nós não ficamos com o dinheiro do imposto cobrado no exterior;
– o regime de tributação proposto estaria em contradição com os tratados para evitar a dupla tributação. Se o país adotasse a proposta, os futuros tratados, bem como a revisão dos existentes, teriam que levar isso em consideração. Note-se que o Brasil tem um número reduzido de tratados de bitributação e que vários desses, celebrados há várias décadas, já estão defasados em relação à complexidade da economia moderna (34). Mesmo que o regime proposto prejudicasse a parte dos tratados que tratam da tributação de empresas associadas, os tratados ainda encontrariam sua razão de ser ao proteger os muitos outros tipos de rendas.
Conclusão
Este estudo revisou a tributação no Brasil de projeções no exterior de empresas multinacionais brasileiras, especialmente através de empresas controladas e coligadas. O regime de tributação atual, baseado na consolidação de resultados através do método de equivalência patrimonial, foi demonstrado ser excessivamente fiscalista quando comparado com outros países em processo de expansão global. Imperativos de eficiência, produtividade e competitividade requerem uma alteração do marco tributário atual.
Na busca de um modelo de tributação de lucros no exterior que melhor convenha ao Brasil –que ao mesmo tempo seja competitivo para nossas empresas e proteja as bases tributárias internas– analisaram-se seis modelos diferentes. Quatro deles foram considerados de menor qualidade em vista da experiência brasileira e internacional. O estudo conclui oferecendo, como alternativa de reforma para substituir o sistema atual, duas alternativas: um modelo mais tradicional, que difere a tributação de rendas empresariais obtidas no exterior até o momento de realização pela investidora brasileira, e um modelo simplificado em que uma tributação preferencial de todas as rendas obtidas no exterior é combinada com o sistema de tributação em bases correntes.
O certo é que a tributação de controladas e coligadas no exterior requer urgente reforma.
Apêndice 1: Efeito da reforma sobre a arrecadação tributária
O sistema atualmente instituído na legislação brasileira para tributar os lucros de atividades empresariais no exterior é maximalista. Ele grava os lucros de dependências diretas (filiais, sucursais, representações) e controladas e coligadas no exterior em bases correntes, à medida que os resultados surgem nos balanços dessas entidades ligadas. Não há mecanismos de suspensão, diferimento, ou exceção ou não incidência parcial ou total. Em vista disso, poderia parecer que o regime atual produz o máximo de arrecadação tributária possível de obter dessas fontes (por ponto percentual de alíquota do IRPJ).
Entretanto, essa percepção é equivocada. Leva em conta apenas a situação existente no momento da avaliação, é um juízo estático. Não considera os efeitos dinâmicos que fatalmente surgem de uma tributação elevada como é a do IRPJ. A tributação maximalista inibe o investimento no exterior; diminui a competitividade das multinacionais brasileiras frente às multinacionais de outros países e até frente às empresas locais com as quais competem nos países de inversão; diminui a escala ótima de operação dos empreendimentos; estimula a migração da sede de multinacionais brasileiras para outros países; desestimula o investimento estrangeiro no Brasil que pretenda ir além do mercado interno brasileiro; e inibe o desenvolvimento de centros de pesquisa e desenvolvimento tecnológico de multinacionais no Brasil com projeção multinacional..
Portanto, o regime atual de tributação atual impede não apenas o desenvolvimento das multinacionais brasileiras mas destrói crescimento econômico, emprego e renda no Brasil. No processo, também se reduzem as bases tributárias do IRPJ e de todos os demais tributos, se não em termos absoluto, pelo menos em termos de seu crescimento potencial.
Apêndice 2: A situação nos Estados Unidos
Já há algum tempo ocorre uma discussão sobre o regime de tributação das subsidiárias, no exterior, em empresas americanas. Preocupados com a perda de competitividade nos mercados mundiais, um número de estudiosos tem proposto, e o congresso nacional e o governo vêm estudando, uma possível mudança da tributação das empresas de base mundial para um regime territorial, isto é, um no qual não se tributariam os lucros gerados fora do país.
A par dessa preocupação com a competitividade, levantada principalmente pelo setor empresarial, existe a percepção mais ou menos generalizada de que os lucros no exterior são subtributados, o que geraria um tratamento inequitativo que favoreceria as grandes empresas. Essa percepção decorre de que os lucros obtidos no exterior são tributados nos Estados Unidos apenas quando tornados disponíveis através da distribuição de dividendos. Portanto, a empresa pode em princípio diferir indefinidamente o momento de tributação.
Não obstante a percepção generalizada de que as multinacionais americanas deixam de repatriar dividendos para economizar em impostos, e que o sistema atual implica subsídio às multinacionais (a ponto de se fazerem estimativas oficiais do "gasto tributário" corespondente), ela não é confirmada pela evidência empírica. Um estudo compreensivo dos fluxos de investimento líquido no exterior e do retorno (repatriação) de lucros e dividendos, cobrindo o período de 1982 a 2010, encontrou que os retornos excederam em 60% as saídas para investimento (35).
De todo modo, há nos Estados Unidos uma intensa discussão sofre a reforma da tributação dos lucros obtidos no exterior. Alguns propõem um endurecimento das regras de preços de transferência para tornar mais difícil o vazamento de bases tributárias. Outros propõem um limite temporal ao diferimento da tributação, presumindo-se distribuídos como dividendos lucros suspensos no exterior por um certo número de anos. Outros ainda propõem o retorno a um sistema territorial de tributação, como praticado pela França.
Uma das proposta mais criativas surgidas ultimamente nos Estados Unidos é o de um sistema territorial modificado, em que a tributação dos lucros auferidos por controladas no exterior se daria (36):
– em bases correntes, portanto sem diferimento;
– isenção de imposto sobre lucros empresariais (renda "ativa") sempre que o imposto pago no exterior fosse de 20% ou mais;
– alíquota de 20% sobre lucros empresariais sempre que o imposto pago no exterior fosse inferior a 20%;
– crédito do imposto pago no exterior; e
– alíquota normal de 35% sobre rendas de portfólio (renda "passiva").
A ideia é criar incentivos a que as jurisdições de baixa tributação elevem sua alíquota de imposto sobre lucros até um patamar de 20%, considerado razoável
Referências
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Avi-Yonah, Reuven S., Beyond Territoriality and Deferral: The Promise of "Managed and Controlled", Public Law and Legal Theory Working Paper Series, Working Paper No. 248 (University of Michigan Law School, August 2011).
Borges, Alexandre Siciliano, "Investimentos Brasileiros no Exterior: Tributação das Pessoas Jurídicas", cap. 11 de Eurico M. D. de Santi e Vanessa R. Canado (coord.), Tributação dos Mercados Financeiro e de Capitais e dos Investimentos Internacionais (São Paulo: Saraiva e FGV, 2011)
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Pozen, Robert C., How to Bring Our Companies’ Foreign Profits Back Home (New York: The New York Times, September 19, 2011).
Winkler, Noé, Imposto de Renda (Rio de Janeiro: Forense, 2002)
Notas
(01) Doravante, por brevidade usa-se IRPJ para denotar conjuntamente o IRPJ e a CSLL, que têm bases similares.
(02) Art. 379 do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto 3.000 de 26.3.1999). A tributação decorria de não estarem tais valores sujeitos à tributação brasileira nas firmas ou sociedades que os distribuíram (RIR, art. 379, § 1º).
(03) O Art. 243 da Lei das Sociedades por Ações (Nº 6.404 de 15/12/1976) define como coligada a empresa em que a investidora tem influência significativa, que se presume no caso de participação no capital votante igual ou superior a 20%, e controlada a empresa em que a investidora, direta ou indiretamente, tem direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores.
(04) Lei nº 9.249 de 26 de dezembro de 1995.
(05) Ver Borges (2011).
(06) A Lei nº 9.532 adotou o regime que havia sido introduzido, com alguma controvérsia, pela Instrução Normativa SRF nº 38 de 27 de junho de 1996.
(07) A Medida Provisória tem hierarquia de lei ordinária. Para permitir que lei ordinária estabelecesse o momento da disponibilidade econômica ou jurídica (elemento essencial à ocorrência do fato gerador do IRPJ), a Lei Complementar nº 104 de 10 de janeiro de 2001 alterou o § 2º do art. 43 do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172 de 25 de outubro de 1966). Já a referida Medida Provisória foi convalidada pelo art. 1º da Emenda Constitucional nº 32 de 11 de setembro de 2001.
(08) Uma pesquisa realizada por economistas das universidades de Harvard e Michigan, utilizando uma grande amostra de empresas americanas, concluiu que o investimento direto no exterior está positivamente correlacionado com o investimento, pelas mesmas companhias, nos Estados Unidos. Mais que investimento, o estudo revela que as companhias, ao investir no exterior, aumentam a remuneração dos trabalhadores dentro e fora do país. Estão também positivamente correlacionados o volume de vendas internas e externas, o acúmulo de ativos empresariais, o número de empregados e o gasto com pesquisa e desenvolvimento. Ver Desai et al. (2005).
(09) No que concerne aos principais fatores que levam à realização de investimento direto no exterior, alguns autores distinguem investimento horizontal como aquele em que a empresa busca replicar certas operações num país estrangeiro para explorar baixos custos de transação e climas favoráveis de negócio, e investimento vertical aquele em que a empresa separa o processo produtivo em segmentos que operam mais eficientemente em várias partes do mundo. Ver Abel (2011).
(10) Ver Lanz & Miroudot (2011).
(11) Income Tax Assessment Act 1936, Part X.
(12) As definições de empresa ligada por controle ou participação relevante são complexas e estão sendo reformadas para a adoção de um critério econômico mais amplo.
(13) Entre as mudanças que estão sendo introduzidas, e que poderão entrar em vigência em 1 julho 2012 ou em data posterior, estão: uma melhor definição de rendas de portfólio; a isenção de rendas de portfólio que surgem no decurso e como consequência de atividades empresariais: o tratamento como rendas empresariais de rendas de portfólio que surjam entre empresas de um grupo econômico; a exclusão de fundos de pensão da regra de tributação de rendas de portfólio; e estender o tratamento de dividendos àqueles recebidos através de fundos e trusts.
(14) Income Tax Act, Sections 90-95 e 112-113; e Income Tax Regulations, Part LIX (Sections 5900-5919).
(15) U. S. Internal Revenue Code, Subpart F (CFC rules), Sections 951-965.
(16) Denominadas foreign base company income.
(17) Título VI, Ley del Impuesto sobre la Renta.
(18) Para uma análise da reforma tributária de 2009 no Japão e seus antecedentes ver Masui (2010).
(19) No Brasil, a empresa contribuinte do IRPJ exclui da base do imposto os dividendos recebidos de outras empresas residentes no Brasil também sujeitas ao IRPJ. Portanto, há uma isenção de 100% para esses dividendos internos, isenção essa justificada pelo objetivo de não tributar múltiplas vezes o mesmo rendimento.
(20) Essa postura fiscalista se manifesta também na proibição de compensar prejuízos incorridos nas controladas e coligadas no exterior com os lucros apurados nas atividades dentro do país. Numa falta de simetria, somam-se os resultados positivos mas não se deduzem os resultados negativos apurados no exterior.
(21) Parecer Normativo nº 62 de 1975, citado em p. 590 de Winkler (2002).
(22) Dornelles (2012).
(23) Regras similares em outros países são muito menos complexas que aquelas dos Estados Unidos.
(24) Exemplo do risco para o Fisco é dado pela tentativa, em 1987, de tributar os resultados obtidos no exterior, diretamente ou através de filiais, sucursais, agências ou representações (Decreto nº 2.397, art. 7º). Como relata Winkler (2002, p. 591), "Tal procedimento não chegou a ter vigência por ter sido revogado em 1988 pelo DL nº 2.413. Deu-se conta de que já se organizavam a constituição de filiais no exterior de pessoas jurídicas brasileiras com a finalidade de ‘fabricar’ prejuízos, praticamente incontroláveis pelo Fisco brasileiro."
(25) Com a modernização da contabilidade empresarial brasileira através da Lei nº 6.404/76, e correspondente adaptação da legislação do Imposto de Renda (Decreto-lei nº 1.598/77), introduziu-se o diferimento dos ganhos não realizados, tais como o reconhecimento das reservas de reavaliação à medida em que se realizavam, as despesas e receitas pagas e recebidas antecipadamente e o lucro inflacionário não realizado.
(26) Anos atrás, num país da América Central onde se aplicava um regime puramente territorial de tributação da renda, verificou-se que a empresa estatal de eletricidade aplicava suas disponibilidades financeiras num país vizinho. E o fazia abertamente, ao amparo da lei, simplesmente para economizar em tributos.
(27) Detalhes em Lanz & Miroudot (2011).
(28) OECD (2010).
(29) Já quanto aos dividendos, o acordo-modelo admite a redução da tributação no país de distribuição de forma a acomodar uma segunda tributação, pelo país de residência do titular do rendimento.
(30) Esse limite é de 20% na França e no México; de 25% em Portugal e na Turquia; e de 50% na Argentina, na Dinamarca, na Estônia e na Itália.
(31) Um critério similar ao PEPS (primeiro a entrar, primeiro a sair) em que os primeiros dividendos se supõem corresponder à parte já tributada do lucro.
(32) No Japão, por exemplo, as companhias japonesas são tributados em bases correntes (regime de competência) pelos lucros de suas subsidiárias em países com IRPJ de alíquota efetiva inferior a 20% (desde 2010; antes, o limite era de 25%).
(33) A dedução do imposto estrangeiro, ao invés de seu crédito, se afasta de uma prática muito disseminada mas que apresenta inconsistência teórica. Do ponto de vista do bem-estar dos brasileiros, R$100,00 de imposto pago na França não tem a mesma importância para nós que R$100,00 de imposto pago no Brasil. Afinal, não ficamos com o dinheiro pago na França. Igualmente importante, o sistema de crédito afasta a possibilidade de tax sparing, por exemplo: o IRPJ é de 34% na Bélgica. Pelas regras atuais, uma controlada na Bélgica pagará IRPJ apenas naquele país, já que absorverá todo o imposto brasileiro com o crédito de imposto contra imposto. Se o governo belga conceder uma redução de metade da alíquota como incentivo fiscal por exemplo, todo o ganho da controlada desaparecerá pois o imposto dispensado terá que ser pago no Brasil. Igualmente, não haverá vantagem fiscal de uma controlada por firma brasileira se instalar na Irlanda, onde a alíquota do IRPJ é de apenas 12,5%.
(34) Muitos dos tratados firmados pelo Brasil são anteriores ao movimento de globalização empreendido pelas multinacionais brasileiras. Assim, esses tratados não dispõem, por exemplo de salvaguarda no caso em que empresa controlada residente no exterior, abrigada pelo tratado, lança mão de empresa controlada, de segundo grau, em paraísos fiscais.
(35) "From 1982-2010, repatriated earnings from foreign affiliates exceeded net capital investments by $1.1 trillion in 2010 dollars; and from 1950-2010, repatriated earnings and net interest from foreign affiliates exceeded net equity investments and loans by $2.1 trillion in 2010 dollars. By either measure, cash flows received from abroad exceeded 160 percent of net investments, implying that foreign investment over these periods was dynamically efficient". Desai et al. (2011).
(36) Pozen (2011). Ver também Avi-Yonah (2011).
Isaias Coelho
Professor Pós-Gvlaw Tributário da DireitoGV. Pesquisador Sênior e Coordenador de Pesquisas do Núcleo de Estudos Fiscais - NEF/FGV, consultor do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e membro do Conselho de Altos Estudos de Finanças e Tributação da Associação Comercial de São Paulo (CAEFT). Mestre em Economia pela Universidade Federal da Bahia, Doutor em Economia (Comércio Internacional e Finanças Públicas) pela University of Rochester (EUA).