Os desconformes do programa paulista nos conformes falhas de mercado ou falhas de governo?

Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli; Cristiano Carvalho

Neste trabalho pretendemos traçar algumas linhas a respeito do programa denominado “Nos Conformes” previsto na Lei Complementar de São Paulo, nº 1.320 de 2018, dando particular atenção a um argumento invocado na exposição de motivos que deu lastro ao respectivo projeto de lei, contido no Ofício GS/CAT nº 857/2017[1].

Sustenta este Ofício o seguinte:

“A iniciativa está alinhada com o objetivo de enfrentar os atuais problemas do sistema tributário brasileiro que prejudicam a produtividade e a competitividade do País. Neste contexto, foi estruturado o presente Projeto, que inclui a classificação dos contribuintes do ICMS por perfil de risco, cujo objetivo central é avançar na transparência tributária do Estado de São Paulo. Alinhando a metodologia sugerida pela OCDE para orientação do emprego dos recursos de fiscalização de acordo com o risco assumido pelo contribuinte em cumprir suas obrigações tributárias (valorizando e propiciando um papel mais estratégico e com maior agregação de valor à Administração Tributária), o projeto busca reduzir a assimetria de informações existentes no mercado, que só favorecem a concorrência desleal de quem não cumpre suas obrigações tributárias contra aqueles que integralmente as cumprem.”

Chama-nos a atenção dois argumentos deste Ofício, quais sejam, o de que o programa “Nos Conformes” buscaria diminuir a assimetria de informações existentes no mercado que, segundo a administração tributária, contribuiria para a alegada concorrência desleal entre os contribuintes paulistas e também buscaria convergir com as diretrizes sugeridas pela OCDE sobre transparência fiscal e eficiência na alocação de recursos de fiscalização consoante o maior ou menor risco de adimplência de obrigações fiscais.

Relativamente ao primeiro argumento – o da assimetria de informações – parte ele da premissa que haveriam falhas no mercado que prejudicariam a negociação entre os contribuintes paulistas, falhas estas então que exigiriam a intervenção pode Poder Estatal para reduzi-las, buscando-se, assim, o melhor equilíbrio de mercado. Este seria, portanto, um dos argumentos fundantes do programa “Nos Conformes”.

Bem, em sendo assim, a primeira crítica a ser feita diz respeito à absoluta ausência da demonstração empírica da alegada falha de mercado e de que modo ela interferiria maleficamente nas negociações entre os contribuintes paulistas. Se assim o é, como de fato se apresenta, desta primeira crítica decorre um primeiro argumento para sua invalidação que é a necessidade de se motivar o porquê há a tal necessidade de intervenção estatal para normatização desta alegada falha de mercado, considerando que intervenções de tal espécie devem ser exceção e não regra como apregoa o art. 174, CF/88.

Sem prejuízo do acima exposto, é possível se cogitar que as apontadas falhas de mercado decorreriam da suposta assimetria de informações sobre o descumprimento de obrigações tributárias, quer as de natureza material (falta de pagamento de imposto), quer as de natureza formal (descumprimento de deveres instrumentais). Mas mesmo assim, é imperioso saber se e de que modo estas alegadas inadimplências prejudicariam as negociações havidas entre contribuintes paulistas. Não há, ou ao menos não foi demonstrado, análise custo-benefício que aponte as vantagens que tal intervenção traria, notadamente a redução da suposta assimetria e incremento da competição no mercado.

A partir deste contexto imaginado, tais inadimplências poderiam ser consideradas a partir de uma perspectiva vertical ou uma horizontal nos relacionamentos entre contribuintes paulistas.

Pela perspectiva vertical é possível cogitar uma relação negocial entre dois contribuintes paulistas, denominados, agora, de “X” e “Y”. Imaginaremos, assim, que o contribuinte “X” negocie seus produtos com outro contribuinte “Y”, mas por razões que não cabe aqui discorrermos, aquele deixe de cumprir sua obrigação material de recolher aos cofres públicos o valor do seu saldo devedor de ICMS, ou então deixe de entregar ou entregue com deficiências de informação seus deveres instrumentais (obrigações acessórias).

Bem, no tocante à falta de recolhimento do ICMS pelo contribuinte “X”, as possíveis consequências daí advindas seriam a cobrança do valor deste tributo com a aplicação de multas pela inadimplência e, quanto ao descumprimento dos deveres instrumentais, a aplicação de sanções formais, muitas vezes até mais severas porque tomam como base de cálculo a movimentação financeira total do contribuinte.

Pois bem, em ambos os casos estes valores seriam objeto de (i) cobrança administrativa e/ou judicial, com possíveis gravames ou bloqueios de bens móveis ou imóveis, cujos débitos estarão obrigatoriamente indicados em certidões emitidas pelos respetivos credores tributários (art. 205, CTN); (ii) inclusão dos dados deste contribuinte “X” no CADIN Estadual paulista, tal qual previsto na Lei Estadual nº 12.799/08, (iii) protesto da certidão de dívida ativa, autorizado pela Lei Federal nº 12.767/12, ao alterar a redação do art. 1º da Lei Federal nº 9.492/97; e (iv) consulta da validade da respectiva inscrição estadual deste contribuinte “X” na página eletrônica na Internet do SINTEGRA[2].

Some-se a isto a divulgação de devedores relevantes do Estado de São Paulo, como tem sido feito regularmente pela Procuradoria Geral do Estado, ao divulgar a lista dos 500 maiores devedores de nosso Estado na respectiva página eletrônica[3] na Internet.

Outrossim, no âmbito privado há várias empresas que se dedicam justamente a mapear a inadimplência de pessoas físicas e jurídicas[4] no âmbito nacional, dando informações minuciosas sobre a regularidade tributária e financeira das mesmas.

Notem que todas estas medidas são necessariamente públicas e de fácil acesso, o que, se não elimina, reduz substancialmente a possível alegação de desconhecimento de qualquer outro contribuinte paulista dos dados ali apresentados; vale dizer o cenário normativo anterior à edição do programa “Nos Conformes” já provia informações suficientes para qualquer um ponderar riscos dos seus fornecedores e clientes.

Considerando o acima exposto, impõe-se a questão de se saber se realmente havia ou se há a necessidade deste tipo de intervenção estatal para supostamente prover o mercado com informações outras além destas que o próprio mercado já tem condições de obter. Ao que tudo indica, a alegada assimetria não existe, ou, pelo menos, não no grau que ensejaria tal intervenção do Estado.

Mesmo que se admita que no mercado sempre haverá tais assimetrias de informação, porque não se cogita a ideia de que o comprador possa saber mais a respeito do vendedor do que ele próprio ou do produto ou serviço que ele negocie, tornando, portanto, o mercado simétrico, ainda assim é imperioso debater que tipo de informação adicional poderá prover o Estado além destas que já estão e são utilizadas pelos agentes de mercado para estabelecer suas negociações e dimensionar riscos pertinentes a este negócio.

Isto porque, não se duvida que ainda há um volume enorme de informações que poderiam ser divulgadas ao mercado; todavia, para estas informações específicas sobre as atividades fiscais dos contribuintes impera no país o sigilo fiscal estabelecido no art. 198 do CTN, restringindo, assim, a possibilidade de divulgação e, portanto, a possível melhoria do ambiente de negócios que, em tese, seria o pressuposto para a edição deste programa “Nos Conformes”.

Outro ponto a ser questionado diz respeito ao modo como esta alegada assimetria de informação poderia interferir em tais negociações. Vale dizer, se o fato de o contribuinte “X” possuir este ou aquele débito em face do Estado de São Paulo irá ou não realmente interferir em uma negociação de compra e venda de mercadoria ou serviços sujeitos, por exemplo, ao ICMS. Cogitamos este imposto por ser ele inegavelmente o de maior relevância estadual.

Pois bem, retornemos àquele cenário hipotético de negociação entre os contribuintes “X” e “Y”. Imaginemos ainda que “X” possua um débito decorrente de inadimplência do ICMS, vencido há mais de 6 (seis) meses e que não esteja nas exceções contidas no §1º do art. 7º da Lei Complementar nº 1.320/18.

Este cenário resultará na inclusão do contribuinte “X” na categoria “D”, consoante o previsto no §2º do art. 4º da Resolução SF nº 105/2018, sendo esta a antepenúltima categoria na classificação decrescente de ordem de conformidade do programa “Nos Conformes”. Em outras palavras, este contribuinte “X” estará enquadrado em uma posição ruim que afetará tanto seu “score” individual na classificação geral estabelecida por este programa, quanto a classificação de seu cliente, o contribuinte “Y”, na medida em que ela também interfere no seu respectivo panorama classificatório, previsto no inciso III do art. 5º da mencionada Lei Complementar nº 1.320/18.

Conquanto existam tais classificações, o tema a ser debatido é o de que modo isto poderá interferir em eventuais negociações havidas entre estes contribuintes “X” e “Y”, haja vista que a referida Exposição de Motivos desta lei complementar invoca a necessidade de melhoria nas informações sobre tais contribuintes para, assim, igualmente melhorar o equilíbrio no mercado. Em outras palavras, o fato de o contribuinte “X” possuir aquele débito vencido há mais de seis meses, cuja exigibilidade não esteja suspensa nos termos do que estabelece a legislação de regência, realmente impediria ou criaria um ambiente de insegurança de forma a evitar que o contribuinte “Y” deixe de negociar com aquele contribuinte “X”? Ou então, estaria este contribuinte “Y” desprovido de informações sobre o contribuinte “X” que o impediria de negociar ou mesmo não teria condições de se assegurar a respeito do contrato que irão celebrar?

Relativamente à publicidade dos débitos deste contribuinte “X”, já demonstramos que o quadro normativo anterior ao advento do programa “Nos Conformes” permite que o contribuinte “Y” obtenha informações, no mínimo, suficientes para poder saber a relevância ou importância deste débito e de que forma poderá ou não impactar as atividades deste seu fornecedor (contribuinte “X”).

Vale dizer, diante destas informações que já estão à disposição do mercado, o contribuinte “Y” tem totais condições para “precificar” eventuais riscos relacionados às atividades do contribuinte “X” e, assim, decidir se mantém ou não a negociação e em quais e tais condições.

Poder-se-ia ainda alegar como justificativa para a criação deste programa “Nos Conformes” que o citado quadro de normas já em vigor antes mesmo de sua edição, não permitiria ao contribuinte “Y” ter informações sobre débitos não declarados do contribuinte “X” ou então débitos declarados, mas cobrados em processo administrativo tributário. Bem, relativamente àquela situação de inadimplência não declarada não há como se padronizar qualquer classificação, porque a todo rigor ela inexiste no mundo do direito, vez que aguarda ser formalizada por lançamento de ofício (art. 142, CTN) ou por homologação (art. 154, CTN), se e quando isto ocorrer. No tocante ao débito declarado ou lançado, mas sujeito a processo administrativo, ele não deve fazer parte da classificação do programa “Nos Conformes”, nos termos do já citado §1º do art. 7º da Lei Complementar nº 1.320/18 combinado com o art. 151 do CTN.

Portanto, esta justificativa não é pertinente para amparar a edição deste programa.

Voltemos, então, àquela indagação que busca saber de que modo um possível débito tributário do contribuinte “X” poderia interferir na eventual negociação com o contribuinte “Y”, exigindo, assim, a intervenção estatal prevista neste programa.

Os riscos relacionados a tal negociação são de duas ordens: (a) riscos relacionados à não entrega da mercadoria negociada com o contribuinte “Y”; (b) riscos relacionados à responsabilização do contribuinte “Y”, pelo débito do contribuinte “X”.

Relativamente ao risco (a), o ordenamento jurídico atual não autoriza o fisco estadual a condicionar a entrega da mercadoria para o contribuinte “Y”, ao adimplemento do débito por parte do contribuinte “X”; neste sentido, a previsão contida no parágrafo único do art. 170 da CF/88, muito bem delineado, aliás, pelo STF ao julgar a ADIn nº 173-6/DF em 25/09/2008.

No que toca aos riscos indicados no item (b), igualmente o ordenamento jurídico nacional estabelece limites rígidos para a responsabilização de terceiros por débitos do próprio contribuinte, limites estes que estão exaustiva e taxativamente prescritos no inciso I do art. 124 (“Responsabilidade Solidária por Interesse Comum”), bem como nos artigos componentes do Capítulo IV do Título II que trata da “Responsabilidade Tributária”, todos do CTN.

Verifica-se, assim, que o contribuinte “Y” tem plenas condições de saber todas as hipóteses normativas que autorizariam o fisco estadual a exigir dele eventual débito contraído pelo contribuinte “X”. Logo, os riscos são facilmente ponderáveis pelo contribuinte “Y” quando negocia com o contribuinte “X”, de forma que, por esta perspectiva, se mostra totalmente ineficiente, quiçá impertinente, um cadastro estabelecido pelo Estado de São Paulo para supostamente melhorar o ambiente de negociação entre tais contribuintes.

Ainda dentro desta perspectiva vertical há um ponto que entendemos relevante abordar, qual seja o relacionado ao direito de crédito por parte do contribuinte “Y”, quando adquire bens ou serviços do contribuinte “X”.

Com efeito, a indagação que se nos apresenta é a de saber se na hipótese de o contribuinte “Y” adquirir bens ou serviços do contribuinte “X” que porventura esteja bem ranqueado no quadro classificatório do programa “Nos Conformes”, ainda assim haverá algum risco para o contribuinte “Y” ter seus créditos glosados pela fiscalização paulista.

A resposta a esta indagação é positiva, o que implica afirmar que neste aspecto o programa “Nos Conformes” não assegura qualquer melhoria no âmbito negocial entre tais contribuintes. Seja melhor ou pior a classificação do contribuinte/fornecedor neste programa, o risco de glosa de créditos do ICMS é igual para os respectivos adquirentes de bens e serviços, quer comprem de contribuintes enquadrados na categoria A+, quer de contribuintes inseridos no patamar “D”.

Isto porque, o problema quase secular da glosa de créditos de ICMS ainda decorre de um inegável descompasso da legislação tributária editada nos idos da década de 1960, que, por um lado, ainda considera que o fisco necessita de um longo prazo decadencial para proceder à fiscalização das obrigações tributárias e, por outro, promove a normatização de inegáveis avanços tecnológicos que permitiram a digitalização de todas as obrigações acessórias e a potencialização geométrica e rápida do controle sobre os contribuintes nacionais.

Não obstante tais avanços, podendo ser citada a nota fiscal eletrônica e o controle prévio de sua emissão pela validação primária pelo fisco, ainda assim são incontáveis os autos de infração para glosar créditos dos contribuintes considerados inidôneos pela fiscalização.

E neste aspecto, o programa “Nos Conformes” nada resolve, porque nada trata a este respeito; o que implica reconhecer que o ambiente negocial paulista continuará a viver na insegurança das glosas de créditos seja qual for a classificação obtida por seu fornecedor.

E não se alegue que a possibilidade da auto regularização, prevista no art. 14 da Lei Complementar nº 1.320 de 2018, seria a previsão normativa disto, porque, de fato, não é. Isto porque a auto regularização abrange apenas e tão somente problemas do próprio contribuinte que se auto denuncia para a fiscalização, não abrangendo problemas que este contribuinte venha a ter com terceiros, em função destes terem questionadas suas obrigações fiscais.

Outrossim, o programa “Nos Conformes” não confere qualquer benefício, nem o da dúvida, para o contribuinte adquirente que tenha se relacionado com um determinado fornecedor historicamente bem ranqueado no programa, mas que, por razões que não cabe discorrer, tem suas operações questionadas pela fiscalização dentro daquele longo prazo decadencial de cinco a 7 anos que a legislação lhe confere.

A glosa de crédito será sempre retroativa, acrescida das multas gravíssimas e dos juros de mora.

Assim, embora vigente o programa “Nos Conformes” os contribuintes paulistas permanecem sob o risco de ter seus resultados afetados no futuro, por problemas de terceiros havidos no passado.

Queremos dizer com isto que, conquanto o programa “Nos Conformes” esteja aí, os contribuintes paulistas permanecem em um ambiente negocial hostil no que diz respeito a questões fiscais, especialmente no tocante à apropriação e glosa de créditos, impondo-lhes enormes custo de transação e de conformidade.

Sim, de fato, haveria um grande progresso no tocante à melhoria no ambiente negocial paulista se este programa “Nos Conformes” conferisse segurança efetiva para os contribuintes paulistas na medida em que negociassem seus bens e serviços com outros contribuintes bem classificados, garantias estas de validação integral das negociações havidas e eliminação de riscos fiscais.

Mas para isto ocorrer o fisco paulista teria que assumir a responsabilidade de promover a fiscalização efetiva das operações destes mesmos contribuintes.

Todavia, não é isto o que ocorre. É sabido que o modelo tributário nacional e em especial o do ICMS, toma por base o lançamento por homologação, de acordo com o qual toda a responsabilidade pela correção das informações é transferida para o contribuinte, cabendo ao fisco concordar ou não dentro daquele extenso prazo decadencial a que nos referimos.

Mas isto não implica ausência de dever de o Governo do Estado de São Paulo obrigatoriamente analisar as eventuais situações fáticas irregulares dos contribuintes e, sendo o caso, impedi-los de atuar, nos termos do que estabelece o art. 20 da Lei Ordinária paulista nº 6.374/89, que rege o ICMS neste Estado.

Todavia, conquanto a previsão contida neste dispositivo seja de todo relevante, na prática o que se tem visto é que o próprio Governo do Estado de São Paulo reforça esta ideia de insegurança negocial ao atribuir ao contribuinte o dever de ele mesmo verificar a regularidade das operações de seus clientes e/ou fornecedores, fazendo valer a previsão do art. 22-A[5] desta mesma lei ordinária que, de forma absolutamente inválida, transfere para o contribuinte o dever de controlar a legalidade das operações de seus clientes e fornecedores.

O que representa isto para os contribuintes paulistas? Evidentemente aumento dos custos de transação e de insegurança no ambiente negocial.

Vejamos, agora, aquela perspectiva horizontal, na qual os aludidos contribuintes “X” e “Y” não mais negociam reciprocamente, mas sim concorrem entre eles em um mercado paulista.

A questão que se põe neste cenário, portanto, é saber de que forma eventual débito do contribuinte “X” poderá ou não afetar a concorrência relativamente ao contribuinte “Y”, imaginando-se que ambos são contribuintes do ICMS e possuem bens ou serviços que, no mínimo, se apresentem semelhantes ao mercado e, assim, possa efetivamente se pressupor a dita concorrência.

Primeiro ponto a ser observado é que eventual débito, por exemplo, do contribuinte “X”, quer originário de descumprimento de obrigação principal, quer de acessória, não necessariamente implicará desequilíbrio concorrencial em face do contribuinte “Y”, porque não necessariamente este débito implicará diminuição do respectivo preço do bem ou serviço posto no mercado.

Isto devido ao fato de que, por expresso mandamento legal, o ICMS compõe o próprio preço destes bens e serviços (inc. I, §1º, art. 13, LCP 87/1996). Logo, em regra, mesmo havendo o débito do ICMS por parte daquele contribuinte “X”, os preços dos seus bens e serviços tendem a ser mantidos independentemente de ele estar em dívida em face do Estado de São Paulo.

Aliás, este é o cenário mais comum dos contribuintes devedores, pois, em face de dificuldades financeiras, passam a incorporar nos respectivos ganhos o valor do ICMS embutido no preço de seus bens e serviços.

Portanto, dentro deste contexto, os preços tendem a se manter, assim como o respectivo ambiente concorrencial. Claro, não olvidamos que se trata de questão a ser verificada empiricamente, i.e., através de amostragem robusta que demonstre estar o imposto embutido no preço mesmo dos contribuintes inadimplentes ou sonegadores.

Mas imaginemos, então, que por razões que também não cabem ser discorridas neste momento, o contribuinte “X” decida efetivamente tirar proveito decorrente daquela inadimplência, reduzindo, assim, seu preço, proporcionalmente ao ICMS não incluído no valor do bem ou do serviço que negocia no mercado. No caso, por exemplo, de alíquota do ICMS de 18%, isto poderá representar a diminuição de até 21,951% do preço nominal do bem ou serviço ofertado no mercado.

A indagação que se põe, então, é se isto justificaria a intervenção estatal para repor o mercado no alegado equilíbrio concorrencial.

A resposta que se pode apresentar é que não necessariamente aquela eventual redução do preço dos bens e serviços ofertados pelo contribuinte “X” provocará desequilíbrios no mercado.

Isto porque, se por um lado o contribuinte “X” colocar no mercado seus bens ou serviços por preço nominal menor, por outro, os eventuais adquirentes deste contribuinte igualmente apropriarão créditos do ICMS em montante menor em sua escrita fiscal, implicando a potencial majoração do respectivo saldo devedor destes clientes adquirentes. Ou seja, os clientes deste contribuinte “X” poderão não aceitar esta diminuição de preço se ela implicar majoração do recolhimento do ICMS por parte deles.

Desta forma, a conclusão neste cenário considerado é a de que possivelmente este contribuinte “X” perderá mercado.

Ainda considerando esta situação, o eventual ganho de mercado por parte do contribuinte “X” dependerá ainda de estarmos diante de um mercado em que haja elasticidade de demanda relativamente a estes bens e serviços ofertados por tal contribuinte; vale dizer, um mercado no qual existam vários concorrentes do contribuinte “X” ofertando bens e serviços semelhantes no que diz respeito a preço e qualidade, os quais, diante da possibilidade de diminuição de seus custos, acabam migrando para a clientela do contribuinte “X” se, de fato, for ainda interessante economicamente ter créditos menores em suas escritas fiscais.

Todavia, em mercados monopolizados ou oligopolizados, com inelasticidade de demanda, a redução de preço pouco representará para o ambiente concorrencial. Nesse sentido, não poderia o programa “Nos Conformes” ser instituído com regras iguais para situações (mercados) desiguais, com distintas elasticidades, pois se a justificativa é melhorar a concorrência, tal análise deveria ter sido feita pelo Governo, por nicho de mercado.

O que se vê, portanto, destes vários cenários hipoteticamente considerados é que a alegada distorção de mercado que teria sido a causa motivadora do programa “Nos Conformes” não se verifica como verdade necessária e, portanto, autorizadora da intervenção do Estado nesta seara econômica.

Ainda mais se considerarmos que estes cenários foram por nós apenas cogitados, haja vista a absoluta ausência de qualquer motivação apresentada pela mencionada Exposição de Motivos naquele Ofício GS/CAT nº 857/2017.

Mas então o que efetivamente sobressai da edição deste programa? Obviamente os supostos “incentivos” nele constantes, os quais são maiores ou menores conforme a classificação do contribuinte.

Vejamos aqueles relacionados ao enquadramento na categoria A+.

Diz o art. 16 da referida lei complementar que o contribuinte que estiver nesta categoria fará jus a:

“a) acesso ao procedimento de Análise Fiscal Prévia, referido no artigo 14 desta lei complementar;

b) autorização para apropriação de crédito acumulado, observando-se procedimentos simplificados, na forma e condições estabelecidas em regulamento;
c) efetivação da restituição de que trata o artigo 66-B da Lei nº 6.374, de 1º de março de 1989, observando-se procedimentos simplificados, na forma e condições estabelecidas em regulamento;
d) autorização para pagamento do ICMS relativo à substituição tributária de mercadoria oriunda de outra unidade federada, cujo valor do imposto não tenha sido anteriormente retido, mediante compensação em conta gráfica, ou recolhimento por guia especial até o dia 15 do mês subsequente;
e) autorização para pagamento do ICMS relativo à importação de mercadoria oriunda do exterior, mediante compensação em conta gráfica;
f) renovação de regimes especiais concedidos com fundamento no artigo 71 da Lei nº 6.374, de 1º de março de 1989, observando-se procedimentos simplificados, na forma e condições estabelecidas em regulamento;
g) inscrição de novos estabelecimentos do mesmo titular no cadastro de contribuintes de que trata o artigo 16 da Lei nº 6.374, de 1º de março de 1989, observando-se procedimentos simplificados, na forma e condições estabelecidas em regulamento;
h) transferência de crédito acumulado para empresa não interdependente, observando-se procedimentos simplificados, na forma e condições estabelecidas em regulamento, desde que gerado em período de competência posterior à publicação desta lei complementar, respeitado o limite anual previsto em regulamento;”

Interessante notar que vários destes supostos incentivos outorgados pelo programa “Nos Conformes” já são de titularidade do contribuinte paulista, mas que, infelizmente, não são fruídos por obstáculos criados pelo próprio Governo paulista. Ou seja, o Governo aparentemente está “presenteando” o “bom” contribuinte com algo que já lhe é de direito, e, por outro lado, punindo o “mau” contribuinte com custos de transação.

Vejamos, então.

O benefício contido na alínea “b” refere-se à possibilidade de o contribuinte ser autorizado a apropriar créditos acumulados de ICMS, mediante a futura instituição de procedimentos mais simplificados. No entanto, já há procedimento desta natureza previsto no art. 37 da Portaria CAT nº 26/2010, também conhecido como “fast track” do crédito acumulado, de acordo com a qual, mediante a concessão de regime especial, a inexistência de débitos impedientes para fruição destes créditos, a apresentação de garantias fidejussórias e a verificação sumária das informações apresentadas pelo contribuinte, poderá ele fazer uso de tais créditos.

Desta forma, entendemos que dificilmente o fisco abrirá mãos destes requisitos mínimos já normatizados em tal regulamentação.

Relativamente à alínea “c”, o curioso a ser notado é que o programa “Nos Conformes” diz que irá dar ao contribuinte paulista aquilo que o Supremo Tribunal Federal já reconheceu como direito dele sem qualquer limitação, quando do julgamento da ADIn nº 2.177/SP. Direito este, aliás, regulamentado pela Portaria CAT nº 42 de 2018, a qual não vincula o ressarcimento dos valores indevidamente recolhidos a título de substituição tributária, à classificação do respectivo titular nesta ou naquela categoria do programa “Nos Conformes”. Aliás, nem poderia, porque a devolução destes valores possui respaldo constitucional nos incisos II, IV e respectivo parágrafo 7º, todos do art. 150 da Carta de 1988 que não preveem também qualquer dependência do direito à devolução ao indébito à categorização de contribuintes conforme sejam eles adimplentes ou não em face de suas obrigações tributárias.

As demais alíneas tratam, em regra, da possibilidade de o contribuinte contar com as benesses de procedimentos simplificados para o cumprimento de toda a burocracia tributária paulista.

Vejam, então, que curioso tais previsões.

Considerando que é da exclusiva competência do Poder Executivo propor projetos de lei que versem sobre matéria tributária (“b”, II, art. 61, CF/88), é de se supor que a lei complementar que trata do programa “Nos Conformes” originou-se dos órgãos competentes da Secretaria de Fazenda do Estado de São Paulo, ou então, que por eles tenha sido minimamente analisado.

Assim, se a própria Secretaria de Fazenda tem condições de atribuir a estes ou àqueles contribuintes tratamentos mais simplificados desde que estejam bem ranqueados no programa “Nos Conformes”, a pergunta que não quer calar é porque razão não pode estender a todos os demais estas mesmas benesses.

Qual a razão para a Secretaria de Fazenda manter toda a gama de contribuintes neste inferno astral que é cumprir um sem número de obrigações acessórias, mas eleger uma pequena parte deles para terem o benefício da simplificação?

Ora, se o mote da instituição do programa “Nos Conformes” foi buscar o melhor equilíbrio concorrencial no mercado paulista, não faz sentido o Estado de São Paulo eleger grupos que serão mais ou menos beneficiados com a simplificação, porque isto implicará a intervenção estatal para selecionar aqueles que terão maior ou o menor custo de conformidade em face da burocracia fiscal. Vale dizer, o Estado de São Paulo contribuirá para gerar distorções de mercado, afetando aquele equilíbrio por ele buscado quando fez editar o programa “Nos Conformes”. Aqui, portanto, nova violação aos mandamentos constitucionais fixados no inciso II do art. 150, parágrafo único do art. 170 e art. 174, todos da Carta de 88.

Violação em especial à igualdade, porque, nos termos da orientação já mais do que sedimentada na Suprema Corte – vide, por exemplo, o julgamento do RE nº 640.905/SP – Tribunal Pleno – a desigualação é cabível desde que haja correlação lógica entre o discrímen eleito, a medida normativa imposta e os fins buscados pelo legislador.

Ora, no caso do programa “Nos Conformes” os fins visados e expostos na já mencionada Exposição de Motivos dizem com a melhoria concorrencial no mercado paulista, fins estes que se ajustam com os valores maiores do Livre Exercício da Atividade Econômica.

O discrímen, por sua vez, foi o grau de cumprimento das obrigações tributárias materiais e acessórias.

E a medida estabelecida foi a simplificação dos procedimentos fiscais para apenas e tão somente uma parte dos contribuintes paulistas, medida esta que, como exposto acima, subverte o princípio delineador do programa que é fomento à melhor concorrência empresarial. O direito à simplificação de procedimentos fiscais é de todos independentemente da respectiva situação fiscal, direito este, aliás, expressamente normatizado também pela Lei Complementar Estadual nº 939/2003 (art. 4º, II), que trata do Código de Defesa do Contribuinte paulista.

Sendo assim, não faz sentido – mais, é improdutivo e ineficiente para o próprio Estado – melhorar o ambiente de negócios apenas para alguns contribuintes, em vez de melhorar para todos. É ineficiente porque o mau ambiente de negócios causado em boa parte pelo sistema tributário lotado de custos de transação prejudica o próprio Estado, pois: 1) afeta a geração de riqueza por parte dos contribuintes, que em última instância diminui a arrecadação tributária; 2) faz com que estes incorram em elevados custos de conformidade, custos de transação e custos de oportunidade, ao despender valiosos recursos (tempo, dinheiro, profissionais) apenas para cumprir com obrigações tributárias; 3) acarreta custos administrativos, de transação e de oportunidade (fiscalização, processos administrativos) ao próprio Governo, que necessita utilizar seus recursos para alimentar a máquina tributária, em vez de aplicá-los em prol dos cidadãos.

Logo, há inegável falta de correlação lógica entre a medida implementada no programa “Nos Conformes” e os fins por ele declarados na referida Exposição de Motivos, tornando-o, portanto, por esta perspectiva, inválido.

E não se alegue que o programa busca atingir aqueles contribuintes que sistematicamente descumprem suas obrigações fiscais, porque a realidade delineada no “Nos Conformes” não é esta, haja vista que atingirá também contribuintes que cumprem normalmente seus deveres, mas que, diante da burocracia existente, apenas erram ao adimplir tais deveres. Isto se verifica facilmente, por exemplo, no critério de aderência das obrigações acessórias do contribuinte que o classificará na categoria “D”, uma das mais baixas do programa, caso ele tenha o percentual menor de 90% na regularidade de tais obrigações.

Ou seja, este contribuinte classificado na categoria “D” não é um qualquer; não se apresenta no mercado com o propósito de desequilibrá-lo porque descumpre suas obrigações tributárias e com isto obtém algum ganho. Muito pelo contrário, este contribuinte cumpre a maior parte de seus deveres tributários, mas que, pelo incontornável problema de se entender toda a complexidade fiscal que assola o país, pode errar ou mesmo até descumpri-la a tempo e modo exigidos pela legislação; mas daí não se presume de que este descumprimento é feito para obter qualquer ganho fiscal que resultará num diferencial de preço ao fornecer seus bens e serviços ao mercado.

A distância é abissal entre este contribuinte que porventura esteja no patamar dos 80%, 85% ou 89% de aderência e aquele que, de forma contumaz, não cumpre com seus deveres tributários. Todavia, estarão eles no mesmo patamar classificatório do programa “Nos Conformes”, o que demonstra claramente que o Estado de São Paulo criará segmentação no mercado, afastando da plena concorrência aqueles contribuintes que cumprem sim com suas obrigações, porém com erros ou defeitos, o que em nosso país é a regra decorrente da altíssima complexidade tributária.

Este não é um cenário hipotético. Este é o cenário prescrito no §4º do art. 5º da Resolução SF nº 105/2018, ao dizer que serão enquadrados na mesma categoria “D” contribuintes que tenham aderência de 89% e também contribuintes que simplesmente deixem de entregar seus deveres instrumentais relacionados à escrituração fiscal ou à escrituração fiscal digital – EFD.

Como pudemos demonstrar, infelizmente, por melhor que tenha sido a ideia da instituição deste programa, e ela tem que ser mesmo debatida pela sociedade de forma a incentivar a regularidade fiscal de todos, entendo que há vários pontos do “Nos Conformes” que não estão devidamente esclarecidos sobre suas reais consequências, especialmente as relacionadas à alegada busca pelo melhor equilíbrio concorrencial no Estado.

[1] https://www.al.sp.gov.br/propositura/?id=1000168831. Acesso em 01/03/2019, às 10:00h.

[2] http://www.sintegra.gov.br/. Acesso em 08/03/2019, às 13:30h

[3] http://www.pge.sp.gov.br/acompanhe/Divida_Ativa_Rel500.html. Acesso em 08/03/2019, às 11:00h.

[4] A título de exemplo, confira-se: http://atentocredito.com.br/serasa-experian-planos-para-empresas/?gclid=EAIaIQobChMI9pr8-N7y4AIVUAaRCh2x8gNmEAAYASAAEgLZIvD_BwE. Acesso em 08/03/2019, às 11:30h.

[5] “Artigo 22-A – Sempre que um contribuinte, por si ou seus prepostos, ajustar a realização de operação ou prestação com outro contribuinte, fica obrigado a comprovar a sua regularidade perante o fisco, de acordo com o item 4, do § 1º, do artigo 36, e também a exigir o mesmo procedimento da outra parte, quer esta figure como remetente da mercadoria ou prestador do serviço, quer como destinatário ou tomador, respectivamente.

Parágrafo único – A obrigação instituída neste artigo também se aplica à pessoa que promover intermediação comercial, que deverá comprovar a regularidade fiscal das pessoas jurídicas que forem parte do negócio por ela intermediado.”

Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli; Cristiano Carvalho

Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli
Advogado
Mestre e Doutor pela PUC/SP

Cristiano Carvalho
Advogado
Livre-Docente pela USP

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