Observatório do Carf: A tributação da participação nos lucros e resultados (“PLR”)
Breno Ferreira Martins Vasconcelos, Daniel Souza Santiago da Silva, Eurico Marcos Diniz de Santi, Karem Jureidini Dias, Susy Gomes Hoffmann
1. INTRODUÇÃO E CONTEXTO DA PESQUISA
A Constituição de 1988 elencou em seu art. 7º, inciso XI, entre os “direitos dos trabalhadores urbanos e rurais”, a “participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei”.
Nota-se que o pagamento de Participação nos Lucros e Resultados (“PLR”) ainda gera grandes discussões no âmbito do direito tributário, mesmo com a edição da Lei n.º 10.101, de 19 de dezembro de 2000, que veio a regular a matéria.
Ainda que o texto constitucional tenha expressamente desvinculado tais valores da remuneração, o que se observa da jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais é que o Tribunal, em muitos dos casos em que a matéria é posta à sua apreciação, interpreta como remuneração as quantias intituladas como PLR, o que as coloca sob a incidência tributária.
Tais interpretações decorrem do entendimento do CARF de que em muitos casos há um desvirtuamento dos institutos jurídicos (remuneração, salário e PLR), que acarreta uma menor carga tributária. Conforme se verá nos tópicos subsequentes, o tema ainda não foi pacificado pelo Conselho, sendo certo, porém, que a análise da PLR e seu enquadramento jurídico devem partir de uma análise casuística, que passa pela necessária observância dos requisitos elencados pela Lei nº 10.101/00 e pela forma como são pagos os valores, dentre outros.
Nesta pesquisa, que não foi exaustiva, analisamos cento e quarenta e oito acórdãos do CARF sobre o tratamento tributário aplicável à PLR, cujos principais pontos descrevemos a seguir.
2. PERCURSO DA PESQUISA: METODOLOGIA, DELIMITAÇÃO DO OBJETO EMPÍRICO DOS ACÓRDÃOS ANALISADOS, COORDENAÇÃO DO TEMA E COMISSÃO DOS PESQUISADORES AD HOC
O relatório que hoje publicamos é o SEXTO de uma série de 21 relatórios temáticos que integrarão o livro “Conselho Administrativo de Recursos Fiscais: Repertório analítico de jurisprudência até 2015” e que passaram a ser publicados nesta coluna em sintonia com as futuras pautas de julgamento do CARF.
Os dois principais vetores de orientação dos trabalhos foram promover uma pesquisa imparcial e agregar não apenas números, mas principalmente conteúdo, ao universo de produção acadêmica sobre o CARF.
O percurso nos mostrou que a principal unidade de sentido do coro formado pela voz do CARF é a manifestação de cada conselheiro. Tudo começa e termina pela decisão de um conselheiro do CARF. Daí a preocupação em destacar e identificar, na medida do possível, a voz de cada conselheiro que colaborou na construção do edifício formado pela jurisprudência do CARF.
Sempre que possível, buscamos reunir, nas comissões, pesquisadores com formações profissionais diversas (conselheiros e ex-conselheiros, representantes do fisco e dos contribuintes, advogados, professores e auditores fiscais), o que permitiu a rica contraposição de perspectivas que caracteriza o próprio CARF. O conhecimento prévio da farta jurisprudência do CARF sobre o tema, requisito para a seleção dos autores-pesquisadores, trouxe eficiência à busca e ao agrupamento das decisões.
Além disso, a escolha por relatórios de pesquisa coletivos foi uma proposta de redução de subjetividades.
A pesquisa empírica deste relatório “PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS” foi coordenada por Alexandre Naoki Nishioka e Breno Ferreira Martins Vasconcelos, que também integraram a comissão de pesquisadores ad hoc em conjunto com André Luis Mársico Lombardi, Carlos Henrique de Oliveira, Carolina W. Landim e Thais Romero Veiga.
A revisão, editoração, inserção de tabelas e conclusões preliminares foram realizadas pela coordenação geral, cuja versão que ora se apresenta para debate público fica, ainda, sujeita à aprovação e validação pela coordenação do tema e pela comissão de pesquisadores.
3. CONCLUSÕES PRELIMINARES DA COORDENAÇÃO DO LIVRO SOBRE A PESQUISA “STOCK OPTION PLANS”, SUJEITAS, AGORA, AO DEBATE, CONTROLE SOCIAL E VALIDAÇÃO PELOS STAKEHOLDERS DO CARF (CONSELHEIROS, RFB, PGFN, CONTRIBUINTES E ADVOGADOS)
Tendo em vista os diversos requisitos estabelecidos pela Lei nº 10.101/00 para que os pagamentos efetuados a título de PLR não estejam sujeitos à incidência das contribuições previdenciárias, segregamos a análise da jurisprudência em treze pontos, cujas conclusões foram sintetizadas a seguir:
Natureza jurídica da PLR. É majoritário no CARF o entendimento de que a não incidência de contribuições previdenciárias sobre a PLR decorre de imunidade, e não da ausência de natureza remuneratória dos pagamentos. Quanto à imunidade, predomina o entendimento de que a norma constitucional tem eficácia limitada, devendo ser observados os requisitos estabelecidos pela Lei nº 10.101/00 para que não incidam as contribuições previdenciárias.
Planos anteriores à Lei nº 10.101/00. Foi identificado um único acórdão sobre o assunto, no qual se entendeu que o plano poderia ser enquadrado na MP nº 794/94 e suas reedições, posteriormente convertida na Lei nº 10.101/00.
Negociação prévia e participação do sindicato. É majoritário o entendimento de que a realização da negociação durante o período de apuração da PLR, por si só, não confere natureza salarial aos pagamentos. No que tange à participação do sindicato, foram identificados (i) dois acórdãos no sentido de que a ausência do representante sindical não é convalidada por posterior comunicação quanto aos termos negociados; (ii) dois acórdãos afirmando que a ausência do sindicato não invalida a PLR nos casos em que a entidade foi comprovadamente convocada para a reunião, mas não compareceu; e (iii) dois acórdãos dispensando a participação do sindicato na comissão paritária nos casos em que a PLR já estava prevista em convenção coletiva, devendo ser observados os termos desse documento. Também identificamos discussão quanto à possibilidade de o plano ser estendido a empregados de outra base territorial, o que foi majoritariamente admitido pelos conselheiros.
Necessidade de o plano abranger todos os empregados. Foram analisados quatro acórdãos sobre essa questão, e nos quais foi adotado o entendimento de que a legislação não obriga o empregador a disponibilizar a PLR a todos os empregados.
Regras claras e objetivas. Sobre esse ponto, prevaleceu, nos acórdãos analisados, o entendimento de que os critérios e condições mencionados pelo § 1º do art. 2º da Lei nº 10.101/00 são meramente exemplificativos.
Documento apartado. Nos quatorze acórdãos analisados sobre esse assunto, prevaleceu o entendimento de que as metas podem ser previstas em documento apartado, desde que sejam levadas ao conhecimento dos beneficiários. Em alguns acórdãos, foi ressaltado que (i) o documento apartado não pode ser elaborado unilateralmente pelo empregador e, ou, (ii) deve ser mencionado no acordo de PLR.
Tratamento equânime e cálculo da PLR com base em lucros e resultados de outras pessoas jurídicas. Há entendimento majoritário de que a legislação não obriga o empregador a estabelecer metas e pagamentos equânimes aos beneficiários do plano, podendo haver diferenciação conforme o cargo e setor. Quanto à possibilidade de a PLR ser paga com base em lucros e resultados de outras empresas do mesmo grupo econômico, não há consenso na jurisprudência do CARF, tendo sido identificados três acórdãos favoráveis e quatro contrários.
Metas insuficientes ou inexistentes. Identificamos acórdãos em que o pagamento em valor ou percentual fixo, conforme (a) tempo de serviço, (b) horas trabalhadas ou (c) nível de abstenção e o estabelecimento de valor mínimo foram considerados pelos conselheiros como características que desnaturam a PLR, tornando a verba salarial, sujeita à incidência das contribuições previdenciárias.
Mecanismos de aferição. Dentre os acórdãos analisados, prevaleceu o entendimento de que a falta de apresentação dos documentos demonstrando a aferição dos pagamentos de PLR permite a tributação desses valores.
Periodicidade. Nos acórdãos analisados, é majoritário o entendimento de que, na redação original da Lei nº 10.101/00, não pode ser paga PLR mais de uma vez no mesmo semestre. Nos casos em que foi inobservada a regra de periodicidade, foi majoritariamente adotado o entendimento de que não é descaracterizada toda a PLR, devendo ser tributados apenas os pagamentos realizados acima dos limites estabelecidos pela Lei nº 10.101/00.
Pagamento de PLR quando não foi apurado lucro. Constatou-se haver entendimento majoritário de que a PLR pode ser calculada sobre os resultados, os lucros ou ambos.
Substituição ou complementação de remuneração. Não há consenso na jurisprudência do CARF quanto à descaracterização da PLR nos casos em que os pagamentos efetuados a tal título são desproporcionais ao salário do empregado.
PLR paga a diretores estatuários. Também há divergência na jurisprudência do CARF quanto à incidência de contribuições previdenciárias sobre a PLR paga a diretores não empregados. Foram analisados vinte e seis acórdãos sobre o tema, sendo que em quinze prevaleceu o entendimento de que tais pagamentos estão sujeitos à tributação.
PLR paga com ações. Foram identificados apenas dois acórdãos sobre o tema, nos quais admitiu-se o pagamento de PLR pelo empregador com ações da companhia.
Breno Ferreira Martins Vasconcelos, Daniel Souza Santiago da Silva, Eurico Marcos Diniz de Santi, Karem Jureidini Dias, Susy Gomes Hoffmann
Por Breno Ferreira Martins Vasconcelos
Advogado. Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP. LL.M em Direito Tributário pela Universidade de Bolonha, Itália. Professor do curso de Especialização em Direito Tributário da FGV Direito SP. Ex-Conselheiro da Primeira Seção do CARF
Por Daniel Souza Santiago da Silva
Advogado. Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Professor no curso de Especialização em Direito Tributário da FGV Direito SP
Por Eurico Marcos Diniz de Santi
Professor. Coordenador do NEF/FGV Direito SP. Autor do livro Kafka, Alienação e Deformidades da Legalidade e Diretor do CCiF - Centro de Cidadania Fiscal
Por Karem Jureidini Dias
Advogada. Mestre e Doutora em Direito. Ex-Conselheira da Primeira Seção do CARF e da Primeira Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais
Por Susy Gomes Hoffmann
Advogada. Mestre e Doutora em Direito do Estado pela PUC/SP. Conselheira do 3º. Conselho de Contribuintes e depois CARF entre março 2005 até março 2014. Vice-Presidente do CARF entre novembro 2009 até março 2014