O que temos a comemorar na reforma tributária?
Ana Cláudia Utumi
A implementação da reforma tributária foi finalmente aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Há o que comemorar?
O novo sistema tributário substituiu os tributos PIS/Cofins e IPI pela CBS, porém não extingue o IPI, que continuará valendo para produtos que são fabricados na Zona Franca de Manaus. Substitui ICMS e ISS por IBS, com a extinção total desses tributos somente em 2033, e criou o Imposto Seletivo (IS), que incidirá sobre produtos e serviços que possam causar danos à saúde ou ao meio ambiente. Temos a comemorar a simplificação do sistema em comparação às legislações federais atuais, 27 legislações estaduais, mais de 5000 legislações municipais. Porém, não estamos diante de um sistema simples – o novo sistema tributário continuará complexo, menos do que antes, mas complexo. Poderia ser mais simples se tivesse sido adotado o modelo de um único tributo como era a ideia inicial da PEC 45.
Atualmente, PIS, Cofins, IPI e ICMS têm regras distintas para que o contribuinte possa tomar créditos dos tributos pagos em etapas anteriores, enquanto o ISS não permite o creditamento. No novo sistema, temos a comemorar a ampliação das hipóteses de creditamento, assim como a uniformidade de regras de creditamento de IBS e CBS. No entanto, hoje as empresas tomam os créditos na entrada dos produtos ou serviços, mas no novo regime, o contribuinte somente tomará esse crédito amplo quando o tributo incluído no valor das compras for efetivamente recolhido. Isso não apenas transfere para a sociedade o ônus da eventual inadimplência de contribuintes, como pode causar o descasamento entre créditos e débitos, com produtos ou serviços sendo vendidos e tendo que pagar IBS/CBS antes de o vendedor ter tido direito de tomar o crédito.
A tecnologia a ser empregada no split payment, que é a retenção de IBS/CBS pelo intermediário financeiro, também será algo a se comemorar, criando um dos – se não “o” – sistemas de recolhimento de tributos mais modernos do mundo. No entanto, com a implementação do split payment, as empresas terão que se preocupar com o descasamento de créditos e débitos comentado acima, e com a mudança em seu fluxo de caixa, já que, hoje, as empresas recebem de seus clientes não apenas o preço, mas também os tributos embutidos, que somente são recolhidos aos cofres públicos no mês seguinte.
Com o split payment, as empresas receberão os pagamentos líquidos de IBS/CBS devidos, exceto se esses valores devidos já tiverem sido liquidados antes do recebimento. O split payment busca o combate à sonegação, já que a retenção dos tributos ocorre antes dos recursos chegarem ao vendedor.
E os benefícios fiscais, vamos comemorar? Sim e não. Sim, porque há uma série de setores e situações que, de fato, necessitam de benefícios fiscais para a sua viabilidade econômica, para que sejam acessíveis aos consumidores, ou por outras razões, e o Congresso avaliou os pleitos dos mais diversos setores, concedendo benefícios àqueles que entendeu fundamentais. No entanto, a cada benefício fiscal concedido, há um aumento da alíquota de referência de IBS/CBS.
Comemoramos a criação do imposto sobre valor agregado sob forma de dois tributos? Não, o novo sistema não abraçou a tributação sobre o valor agregado, mas sim, o sistema de tributação não-cumulativa.
Um exemplo para bem ilustrar essa diferença é o caso de benefício fiscal de uma etapa, que é neutralizado na seguinte, pois o crédito é só dos tributos cobrados na etapa anterior. Se a empresa X adquire insumos por R$ 100 com 10% de IBS/CBS (preço R$ 110), e vende o produto acabado por R$ 600 com 25% de IBS/CBS, eles incidem sobre o total de venda (R$ 600), e não sobre R$ 500 de valor agregado. O valor tributado inclui R$ 100 do insumo que, na etapa anterior, foi tributado a 10%. A empresa A poderá descontar o crédito de R$ 10 pago no insumo e, ao final, a X terá pago R$ 150 de IBS/CBS: parte (R$ 10) na compra do insumo e o resto (R$ 140) na venda do produto acabado.
Teremos o imposto sobre consumo mais alto do mundo? Há uma grande possibilidade, e isso não poderemos comemorar. Tantos são os fatores que afetam a chamada alíquota de referência. O primeiro fator é que a arrecadação dos entes públicos não poderá cair e, assim, não haverá redução de carga tributária. No entanto, até 2033, quando termina a transição, os gastos públicos irão aumentar, e a arrecadação precisará dar conta das necessidades da União, Estados e municípios.
Além disso, na nova sistemática, os Estados e municípios não receberão nada de arrecadação durante a cadeia de produção e comercialização, apenas quando houver a venda ao consumidor final – os recursos ficarão retidos no Comitê Gestor antes disso.
Hoje, eles recebem a cada transação, não importando se há geração de crédito para o contribuinte ou não, o excesso de créditos é posteriormente demandado pelo contribuinte, e a restituição é paga depois de muito tempo. A mudança de fluxo de caixa para Estados e municípios pode impactar a determinação da alíquota de referência para evitar a perda de arrecadação? A ver.
Por fim, é importante lembrar que ficará pior antes de qualquer melhoria. Até 2032, teremos o sistema atual e o novo sistema em paralelo, demandando muito mais esforços na área tributária das empresas, e mais custos de conformidade. Só em 2033 haverá condições de ver se o novo sistema tributário é melhor que o atual para nossa sociedade e nossos mercados – torçamos para que sim, e aí poderemos comemorar.
Ana Cláudia Utumi
sócia fundadora do escritório Utumi Advogados