O princípio da menor onerosidade na execução fiscal
José Luis Arisi Hobold
A execução fiscal desempenha um papel essencial na arrecadação tributária do Estado, servindo como um instrumento indispensável para garantir o cumprimento das obrigações fiscais. É o procedimento utilizado pela Fazenda Pública para compelir os contribuintes inadimplentes ao adimplemento do tributo, que é consequência da inscrição do devedor em dívida ativa, após tentativas frustradas de resolução na via administrativa.
Sob rito da Lei das Execuções Fiscais (Lei 6.830/80), com aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), a partir da citação do executado, este recebe o prazo de cinco dias para pagar o débito ou nomear bens a penhora que tenham valor equivalente ao valor da dívida, acrescido de juros e multas.
Caso o executado não pague ou indique bens passíveis de penhora, a Lei das Execuções Fiscais define que a penhora pode ocorrer com qualquer bem do devedor, na ordem disposta no artigo 11 da referida Lei, ressalvados os bens considerados como impenhoráveis.
Fazenda Pública pode recusar garantias ofertadas pelo contribuinte?
Segundo o entendimento assentado pelo ministro Herman Benjamin, no AgInt no Agravo em Recurso Especial nº 1.844.031/GO, pela Execução Fiscal se tratar de um processo que tramita inteiramente sob o interesse do credor, a Fazenda Pública PODE recusar garantias diante da ordem de preferência do artigo 9°, inciso I e II, da Lei das Execuções Fiscais [1].
No entanto, muito embora a efetivação judicial se desenvolva sob os interesses do credor, que tem em seu favor um título representativo da existência de seu direito, também não se pode admitir que a imposição das prestações se transformem em um mecanismo de punição do devedor.
Nessa esteira, prevê o artigo 805 do CPC [2] que, sempre que a execução possa se desenvolver por um meio, deve-se utilizar aquele menos gravoso ao devedor. Ou seja, sob força do princípio da menor onerosidade, se existirem várias técnicas de efetivação judicial, não se justifica a utilização da técnica mais gravosa para o devedor.
Spacca
Isso porque, não pode o executado ser reduzido à miserabilidade, devendo o magistrado fazer com que a restrição patrimonial recaia sobre bens de menor necessidade deste, além de observar aqueles que a própria lei preconiza como impenhoráveis (artigo 833 do CPC), visando à manutenção do mínimo existencial.
Deve-se, portanto, manter um equilíbrio entre os interesses do credor, que merecem ser efetivados da forma mais coesa possível — e a esfera do executado — que não pode ter o processo transformado em mecanismo inquisitivo pelo não cumprimento da obrigação.
E no que esse princípio pode auxiliar os contribuintes no processo executivo fiscal?
Ainda, quanto ao referido princípio, aplicando às execuções fiscais, há de ser observado o disposto nos artigos 9, inciso III, e 15 da Lei 8.630 [3], que distribuem a incumbência ao devedor de requerer a substituição do bem penhorado, sob o fundamento que a penhora será menos onerosa para ele e não trará prejuízos ao credor.
A respeito, o STJ firmou a seguinte tese no Tema Repetitivo nº 578:
Em princípio, nos termos do art. 9°, III, da Lei 6.830/1980, cumpre ao executado nomear bens à penhora, observada a ordem legal. É dele o ônus de comprovar a imperiosa necessidade de afastá-la, e, para que essa providência seja adotada, mostra-se insuficiente a mera invocação genérica do art. 620 do CPC.
Conforme mencionado alhures, a Fazenda Pública pode vir a negar a garantia ofertada e pedir penhora em dinheiro, no valor da dívida executada. O contribuinte, por sua vez, recebe a chance de justificar o motivo pelo qual ofereceu tal garantia e, consequentemente, invocar o princípio da menor onerosidade, salientando como a penhora afetaria sua atividade econômica.
Desse modo, denota-se que a garantia da menor onerosidade da execução não é absoluta, devendo ser observada em consonância ao princípio da efetividade da execução, preservando-se o interesse do credor. A Corte Superior firmou, inclusive, a “inexistência de preponderância, em abstrato, do princípio da menor onerosidade para o devedor sobre o da efetividade da tutela executiva” (AgRg no REsp 1.548.083/SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 8/6/2016).
Em alguns casos, a penhora de valor em conta é substituída por penhora de faturamento, limitada a percentuais que não pesem de forma a inviabilizar a continuidade das atividades. Temos exemplo desta hipótese no julgamento do AI nº 5007626-06.2018.4.04.0000 do TRF-4, onde consta que:
TRIBUTÁRIO, AGRAVO EM EXECUÇÃO FISCAL. SUBSTITUIÇÃO DA PENHORA DE VALORES BLOQUEADOS VIA BACENJUD POR PERCENTUAL DO FATURAMENTO. PRINCÍPIOS DA CONTINUIDADE DA EMPRESA E MENOR ONEROSIDADE. A penhora de dinheiro goza de preferência na ordem legal, tendo sido admitida, contudo, a mitigação dessa preferência em atenção a questões sociais relevantes. Considerando que no caso dos autos a manutenção da penhora sobre os valores bloqueados poderia inviabilizar a continuidade das atividades da empresa, instituição de ensino com milhares de alunos, deve ser mantida a decisão agravada que acolheu provisoriamente o pedido de substituição da penhora para incidir sobre 1% do faturamento.
Isso posto, entende-se o princípio da menor onerosidade não pode ser analisado isoladamente, devendo ser utilizado como parâmetro outros princípios informativos do processo de execução, dentre eles o da máxima utilidade da execução, que visa à satisfação do exequente.
Sendo assim, não cabe ao magistrado, ex officio, alegar a violação do princípio em análise, sendo oferecido ao executado momento oportuno para tal alegação, somente podendo ser indeferido o pedido de penhora diante da apresentação de outros meios possíveis para a satisfação da execução, fundamentado de forma inequívoca, visto que a execução se desenvolve pelo interesse do credor.
Por fim, muito embora a satisfação do direito do exequente seja obrigação do magistrado, os interesses deste não podem ser utilizados de forma isolada, devendo ser observado o mínimo existencial do executado sob força das garantias que norteiam os direitos dos contribuintes, influenciando de forma prática as garantias fundamentais e os princípios que orbitam nossa Carta Constitucional, como devido processo legal, contraditório, ampla defesa e dignidade da pessoa humana.
[1] Art. 9º – Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá: I – efetuar depósito em dinheiro, à ordem do Juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegure atualização monetária; II – oferecer fiança bancária ou seguro garantia;
[2] Art. 805. Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado. Parágrafo único. Ao executado que alegar ser a medida executiva mais gravosa incumbe indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já determinados.
[3] Art. 9º – Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá: […] III – nomear bens à penhora, observada a ordem do artigo 11;
Art. 15 – Em qualquer fase do processo, será deferida pelo Juiz: I – ao executado, a substituição da penhora por depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia; II – à Fazenda Pública, a substituição dos bens penhorados por outros, independentemente da ordem enumerada no artigo 11, bem como o reforço da penhora insuficiente.
José Luis Arisi Hobold
é advogado, empresário e graduado em direito pela Universidade do Oeste da Santa Catarina, com especialização em Direito Tributário.