O Ativismo Judicial E Os Créditos Pis/Cofins Na Substituição Tributária Do Icms

Walmir Luiz Becker

A aplicação do Direito Tributário pelo Poder Judiciário brasileiro vem desanimando os especialistas desse ramo do direito em todo o País. Quando as decisões absurdas, claramente pró-fisco e, pois, contra os contribuintes, costumavam ser proferidas, em sua maioria, por magistrados novatos de primeira instância, tudo bem. Dava-se passagem à imaturidade e inexperiência dos que as proferiam, e se usava dos recursos processuais disponíveis para reformá-las, ainda que para isso fosse preciso ir até a última instância judicial. Lamentavelmente, de uns tempos para cá, as apelações, os recursos especiais e extraordinários dos contribuintes, especialmente os que versaram sobre grandes temas tributários atuais, não tiveram, via de regra,  acolhida pelos nossos tribunais. E olhe que, exceto no Supremo Tribunal Federal, existem Câmaras e Turmas especializadas em matéria tributária, as quais, por isso mesmo, não deveriam — posto que poder,  podem — firmar acórdãos tão desarrazoados como os que se tem visto nestes últimos tempos.

 

Está certo que, do lado dos contribuintes, sob os auspícios da Constituição Federal de 1988, grassaram por aí teses jurídicas também absurdas, que, por total falta de fundamentos jurídicos, não podiam prosperar. Deixo de nomeá-las por respeito aos contribuintes que as adotaram e  para não ferir a suscetibilidade dos profissionais que as defenderam. Porém, atualmente, questões jurídico-tributárias suscitadas a partir da interpretação científica de textos legais, estudados e examinados à luz de regras claras da Constituição, ou de princípios constitucionais, expressos ou intuídos, vêm sendo decididas a favor do fisco, com absoluto desprezo aos mais sólidos argumentos apresentados pelos contribuintes perante nossos tribunais.

 

No âmbito do Supremo Tribunal Federal são exemplos recentes dessa inclinação pelo fisco os julgamentos do crédito-prêmio do IPI e do crédito fiscal postulado pelos contribuintes desse imposto na aquisição de insumos tributados com alíquota zero, que redundaram em mudança radical de decisões que anteriormente essa mesma Corte Suprema havia proferido sobre o assunto. As decisões do STF na discussão dos encargos tarifários emergenciais (seguro-apagão) e no questionamento da incidência do ISSQN sobre operações de arrendamento mercantil (leasing) também parecem confirmar o que se tem identificado como um “ativismo judicial”, exercido, nestes casos, em prol do fisco.

 

Sabe-se que o STF é um tribunal de cunho político. Agora, essa sua atividade política precisava chegar a tanto? Tenha-se por aceitável essas mudanças drásticas e repentinas de entendimento sobre determinada questão tributária, mas como aceitar-se, por exemplo,  que, diante de uma manobra ardilosa e imoral da União Federal, nossa Corte Suprema acolha uma Ação Direta de Constitucionalidade (ADC 18), proposta em 2007, para suspender o julgamento de um processo que datava do ano de 1999? O que dizer, então, ao saber-se que, no momento dessa suspensão, o contribuinte ganhava a causa (exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins), por seis votos a um,  a qual agora está  “empatada” em cinco a cinco (voto de desempate a ser proferido pelo Minstro Joaquim Barbosa).

 

Tal “ativismo” do STF transparece, ainda, quando ele modula os efeitos de sua decisão para favorecer o fisco (prazo prescricional das contribuições previdenciárias) e não o faz em benefício do contribuinte (incidência do PIS/Cofins das sociedades de prestação de serviços profissionais).

 

Bem, e quanto ao Superior Tribunal de Justiça? Quanto a este digo somente que fui testemunha, num dia destes, do julgamento de uma mesma questão de direito tributário, pela mesma Turma (relatores diferentes), em que, no início da sessão, se decidiu num sentido, para se dicidir, ao fim desta, em sentido diametralmente oposto. Mais não digo.

 

Sem perder-se de vista o “ativismo judicial” de que se falou, acima, há, entretanto, o que dizer sobre um assunto que já foi objeto de duas Soluções de Consultas dadas pela Receita Federal do Brasil e vem a ser o tema de fundo deste artigo. Trata-se da possibilidade de desconto de créditos das contribuições PIS e Cofins pelo contribuinte substituído sobre o ICMS que lhe é descontado, pelo contribuinte substituto,  no regime de substituição tributária desse imposto estadual.

 

Nem será preciso informar que, nessas duas Soluções de Consultas, n.º 17, de 04.04.2004, da 3.ª Região Fiscal, e n.º 84, de 23.04.2007, da 1.ª Região Fiscal, o fisco federal entendeu descabível o desconto de créditos da Cofins (e, consequentemente, do PIS) sobre o valor do ICMS retido do contribuinte substituído pelo contribuinte substituto e por este último recolhido para o Estado de destino da mercadoria tributada por substituição tributária. O argumento foi o de que esse ICMS não integra o custo de aquisição da mercadoria, não podendo, assim, gerar créditos para abatimento dos débitos dessas contribuições apurados pelo contribuinte substituído.

 

Deixando de lado, por ora, essa circunstância de integrar, ou não, o custo de aquisição da mercadoria o valor do ICMS recolhido pelo contribuinte substituto (vendedor da mercadoria: fabricante, importador ou outro comerciante, normalmente atacadista), em nome do contribuinte substituído (revendedor da mercadoria), passo a examinar, da forma mais concisa e direta possível, o instituto da substituição tributária.

 

Ao dispor sobre a sujeição passiva na obrigação tributária, o CTN (art. 121) diz que o sujeito passivo pode sê-lo na condição de contribuinte, quando tiver relação pessoal e direta com o fato gerador, ou como responsável, quando sem ser contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei. Mais adiante, no art. 128, ao dispor sobre a responsabilidade tributária, o CTN autoriza a lei a atributir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação tributária. No mesmo dispositivo (art. 128), o CTN também autoriza a lei a excluir a responsabilidade do contribuinte, ou a atribuí-la a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da obrigação tributária. Portanto, no Código Tributário Nacional, a substituição tributária está prevista nesse seu artigo 128.

 

Vê-se, assim, que para assumir em lugar de outrem a responsabilidade tributária pelo recolhimento de determinado tributo, o contribuinte substituto (terceira pessoa) tem que ter uma vinculação com o fato gerador da obrigação tributária em relação ao qual foi estabelecido, legalmente, a substituição tributária. Percebe-se, ainda, que, uma vez criado por lei esse regime de tributação, salvo previsão expressa desta, no sentido de uma responsabilização de caráter supletivo, a responsabilidade do contribuinte substituto exclui a do contribuinte substituído. Por isso que uma das maiores autoridades atuais do Direito Tributário de nosso País nos ensina que o substituto é sujeito passivo da obrigração tributária e “absorve totalmente o debitum, assumindo, na plenitude, os deveres do sujeito passivo, quer os pertinentes à prestação patrimonial, quer os que dizem respeito aos expedientes de caráter instrumental que a lei costuma chamar de ‘obrigações acessórias’ “, acrescentando que “ Paralelamente, os direitos porventura advindos do nascimento da obrigação tributária ingressam no patrimônio jurídico do substituto, que poderá defender suas prerrogativas, administrativa ou judicialmente, formulando impugnações, bem como deduzindo suas pretensões em juízo, para, sobre elas obter a prestação jurisdicional do Estado.” (Paulo de Barros Carvalho – Direito Tributário, Linguagem e Método, São Paulo, Noeses, 2008, p. 577 – sem negritos no original).

 

No plano do ICMS, que é o que nos interessa, não tenho lembrança de operações de circulação de mercadorias submetidas à substituição tributária em que esteja presente a responsabilidade supletiva do contribuinte substituído. Se existentes, serão raríssimas exceções. A regra é a da substituição tributária plena, ou seja, aquela que retira do contribuinte natural (substituído) a responsabilidade pelo cumprimento de suas obrigações para com o ICMS, para atribuí-la, integralmente, ao contribuinte substituto.

 

Por conseguinte, o contribuinte substituído é excluído da relação obrigacional tributária, na qual normalmente estaria inserido, dando lugar ao contribuinte substituto, que responde, por ele, pela obrigação tributária de calcular e recolher o tributo relativo ao correspondente fato gerador. “Na substituição tributária – num plano pré-jurídico – o legislador afasta, por completo, o verdadeiro contribuinte, que realiza o fato imponível, prevendo a lei – desde logo – o encargo da obrigação a uma outra pessoa (substituto), que fica compelida a pagar a dívida própria, eis que a norma não contempla dívida de terceiro (substituído)” (Eduardo Soares de Melo, ICMS Teoria e Prática, 11.ª ed., SP, 2009, Dialética, p. 199 – sem negritos no original).

 

Mas, se, por um lado, o contribuinte substituído fica totalmente liberado da obrigação de apurar e recolher, dentro da modalidade de lançamento por homologação, o ICMS devido na saída da mercadoria de seu estabelecimento, quando da efetiva realização do fato gerador presumido, por outro, ele não tem direito à apropriação de qualquer crédito do imposto. O ICMS que lhe é retido pelo contribuinte substituto não entra no mecanismo de compensação entre débitos e créditos, através do qual vem a ser implementado, na prática, o princípio da não-cumulatividade desse imposto. Na operação de circulação de mercadorias promovida pelo contribuinte substituído não há que se falar em débitos ou créditos de ICMS. Para o substituído o  ICMS da substituição tributária não é antecipação, é definitivo (salvo se não realizado o fato gerador presumido) e, pois, irrecuperável dentro da sistemática da escrituração fiscal.

 

Ora, impostos não recuperáveis compõem o custo de aquisição, porquanto neste somente não são incluídos os recuperáveis através de créditos na escrita fiscal (art. 289, § 3.º, do RIR/99). Contudo, é exatamente o oposto disso que diz a ementa da Solução de Consulta n.º 84, de 23.04.07, da 1.ª Região Fiscal da RFB, que transcrevo:

 

ASSUNTO: Contribuição para o Financimamento da Seguridade Social – Cofins

EMENTA : ICMS Substituição Tributária. Créditos. O ICMS-Substituição Tributária não integra o valor das aquisições de mercadorias para revenda, para fins de cálculo do crédito a ser descontado na Cofins não-cumulativa devida, por não constituir custo de aquisição, mas uma antecipação do imposto devido pelo contribuinte substituído, na saída das mercadorias.”

 

Sobre as Soluções de Consultas que a RFB, através das Divisões de Arrecadação de suas diversas Regiões Fiscais, vem emitindo em matéria de créditos das contribuições PIS e Cofins já tive ocasião de afirmar — afirmação que mantenho — que, no regime da não-cumulatividade dessas contribuções, os entendimentos fazendários são totalmente restrititivos quanto ao direito a créditos pelos contribuintes (Fabricantes de Autopeças Tributados pelo Lucro Presumido e os Créditos de Pis/Cofins em Face da Lei n.º 10.485/02 – artigo publicado nos sites do Fiscosoft e da Associação Paulista de Estudos Tributários – APET e em outros).

 

Assim, não causa surpresa esta vedação da RFB no tocante ao direito do contribuinte substituído de descontar créditos das contribuições PIS e Cofins sobre o ICMS recolhido por substituição. Agora, deve-se concordar com isto?  Parece-me que não. Conforme vimos, ao examinarmos, há pouco, o conceito de substituição tributária, sua adoção pelo legislador implica em total afastamento do contribuinte substituído da relação tributária. Ao contrário do afirmado na Solução de Consulta n.º 84, não ocorre antecipação nenhuma do imposto pelo contribuinte substituído, porquanto o ICMS lhe foi retido e recolhido, integralmente, pelo contribuinte substituto, nada mais havendo a pagar ou a restituir.

Aliás, se dúvidas houvessem sobre essa definitividade do ICMS devido por substituição, estas foram superadas no julgamento da ADIN 1.851- 4 – AL, quando o STF, em mais uma demonstração de seu ativismo judicial em benefício do fisco, negou ao contribuinte substituído o direito à restituição, nos casos em que a base de cálculo do ICMS do fato gerador presumido revelar-se maior do aquela do fato gerador real da operação mercantil subsequente. “O fato gerador presumido, por isso mesmo, não é provisório, mas definitivo, não dando ensejo a restituição ou complementação do imposto pago” (Adin n.º 1.851-4 – AL, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 13-122002, p. 60).

Na substituição tributária do ICMS, a antecipação do imposto é feita pelo contribuinte substituto, o qual, como visto, assume o lugar do contribuinte substituído. O sujeito passivo da obrigação tributária (arts. 121 e 128 do CTN) é, pois, o contribuinte substituto, e não o contribuinte substituído.

Como imposto definitivo, o ICMS pago pelo contribuinte substituído é irrecuperável na forma de crédito, não pode ser restituído (excetuada a hipótese de não realização do fato gerador presumido), nem complementado, como disse o STF. Deve, por isso, na minha opinião, ser incluído no custo de aquisição da mercadoria adquirida no regime de substituição tributária (art. 289, § 3.º, do RIR/99).

Portanto, contrariando a orientação da Receita Federal do Brasil sobre o assunto (Soluções de Consultas 17, de 04.06.04 – 3.ª RF e 84, de 23.04.07 – 1.ª RF), entendo que o ICMS devido por substituição tributária compõe o custo de aquisição da mercadoria que o substitutído tributário adquire para revenda, o que lhe proporcionaria, consequentemente, direito de descontar créditos de PIS e da Cofins sobre o valor do imposto recolhido por substituição.

Ressalvo, por fim, ser este um entendimento pessoal e particular sobre este assunto. Embora haja realizado um demorada pesquisa a esse respeito, não encontrei estudos semelhantes, nem a favor nem contra. Demais, quando se está a tratar de questão tributária será sempre salutar ter-se em mente o ativismo judicial pró-fisco apontado no intróito deste artigo. 

Walmir Luiz Becker

Advogado

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