Não cumulatividade e reforma tributária

Rafael Pandolfo

A reforma tributária está sendo concretizada pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 45-A, de 2019, que aguarda votação no Senado após aprovação na Câmara dos Deputados, no último dia 7 de julho.

A finalidade dos presentes apontamentos é, de maneira direta e objetiva, indicar alguns pontos centrais da reforma, ligados à não cumulatividade, sobre os quais são inseridas sugestões para que o conteúdo normativo do texto aprovado se aproxime dos objetivos que dele se esperam. Busca-se, assim, colaborar com a PEC 45-A nessa difícil missão que é reformar nosso sistema tributário.

Restrições ao crédito: uso e consumo
O regime não cumulativo pleno parece, em um primeiro momento, estar assegurado na parte inicial do inciso VIII do § 1º do artigo 156-A da PEC nº 45-A. A redação contida no final desse inciso, no entanto, pode frustrar expectativas. Isso porque ressalva do direito ao crédito as operações consideradas de “uso e consumo pessoal”.

A restrição desperta dúvidas e preocupações. A primeira é se o termo “pessoal” qualifica o uso e o consumo, ou apenas o consumo. Para evitar qualquer controvérsia, o melhor, talvez, fosse utilizar o plural (pessoais), em vez do singular (pessoal).

A segunda é que o texto deveria esclarecer, de maneira objetiva, se a exceção ora analisada está relacionada às operações destinadas ao uso e/ou consumo da pessoa jurídica ou ao uso e/ou consumo dos sócios. Noutros termos, “pessoal” aqui deve ser entendido como uma alusão aos sócios ou à própria pessoa jurídica contribuinte? Eventos ligados ao RH, por exemplo, gerariam crédito? Serviços advocatícios, contábeis, despesas com treinamento, entre outras, dariam direito ao crédito?

Importante lembrar que os pagamentos que atendam exclusivamente aos interesses de sócios ou acionistas sequer despesas dedutíveis podem ser considerados, devendo ser enquadrados como distribuição disfarçada de lucros e/ou pagamento de pró-labore.

Ainda, não parece ser a solução mais adequada a delegação à Agência Tributária Nacional (ATN) para que defina os critérios para aproveitamento de crédito relativo aos bens de uso e consumo pessoal, seja pela afronta à Legalidade, seja pelas discussões judiciais que nascerão com fundamento na validade formal e material desses critérios infralegais.

Recomenda-se, assim, que a exceção contida na parte final do inciso VIII do § 1º do artigo 156-A da PEC nº 45-A seja suprimida. Um excepcional desvio no creditamento porventura realizado pelo contribuinte deve ser combatido mediante a lavratura do respectivo auto de infração, e não por meio de uma redação que parece suscitar mais dúvidas quanto ao alcance do direito ordinário ao crédito do que certezas quanto ao impedimento de sua inadequada fruição.

A moratória dos saldos credores de ICMS
O artigo 133 das disposições transitórias da PEC nº 45-A dispõe que os saldos credores de ICMS existentes ao final de 2032 (último ano de cobrança desse imposto estadual), quando homologados pelo respectivo ente, serão compensados com o IBS, nas seguintes condições: (a) no prazo de 48 meses pelo prazo remanescente, apurado nos termos do artigo 20, § 5º, da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, para os créditos relativos à entrada de mercadorias destinadas ao ativo permanente; ou (b) em 240 parcelas mensais, iguais e sucessivas, nos demais casos.

Em síntese, os saldos credores de bens destinados ao ativo serão compensados em até quatro anos, enquanto o saldo credor decorrente das demais operações demorará 20 anos para ser compensado.

O prazo exacerbado equivale a um empréstimo compulsório e revela-se claramente inconciliável com a aludida não cumulatividade plena.

Recomenda-se, por isso, a supressão a qualquer limite temporal à fruição do direito de crédito do saldo credor de ICMS.

Bens de capital
O artigo 156-A, § 5°, inciso VI, prescreve que lei complementar poderá estabelecer a redução do impacto dos tributos criados sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte. Chama atenção a utilização do modal deôntico “poderá”, em vez de “deverá”. Será, então, uma faculdade? Poderá o legislador nacional não estabelecer, se assim o desejar, qualquer instrumento de mitigação do impacto dos tributos (IBS e CBS) sobre a aquisição de bens de capital pelas empresas?

Além disso, prescrever a forma como “poderá ser reduzido o impacto” não significa neutralidade. Pelo contrário, deixa transparecer que a aquisição de bem de capital não gerará crédito amplo e que o impacto da IBS e da CBS incidentes nessas operações poderá, portanto, ser de algum modo mitigado.

Recomenda-se que seja conferida redação à PEC nº 45-A que assegure o creditamento integral e incondicional sobre os bens de capital adquiridos.

O efetivo recolhimento na etapa anterior
O inciso II do § 5° do artigo 156-A, por sua vez, admite que o crédito de IBS/CBS fique condicionado à verificação do efetivo recolhimento dos tributos incidentes sobre a operação anterior. A regra representa inequívoco retrocesso ao sistema atual de apuração do crédito do ICMS, por exemplo.

Não se pode partir da fraude como parâmetro de normatividade para restringir o crédito. Fraudes devem ser combatidas caso a caso com um sistema de inteligência fiscal eficiente.

Recomenda-se que o texto da PEC nº 45-A assegure o direito ao crédito relativo a todo o tributo incidente na operação anterior, independentemente da verificação do seu efetivo recolhimento.

Os regimes excepcionais de tributação
Com o intuito de simplificar a tributação, o inciso VI do § 1º do artigo 156-A da PEC determina que os entes federativos definam a sua alíquota de IBS, a qual será a mesma para todas as operações com bens ou serviços [1]. Todavia, há exceções à alíquota única. O texto prevê:

1. Regimes específicos de tributação (artigo 156-A, § 5°, V): lei complementar disporá sobre regime específico de tributação para combustíveis e lubrificantes, serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de saúde, concurso de prognósticos, operações contratadas por entes públicos, cooperativas, serviços de hotelaria, parques de diversão, restaurantes e aviação regional.

Importante atentar que o modal deôntico utilizado é de obrigação (“disporá”), razão pela qual, para esses setores, haverá alíquotas específicas, bases de cálculo próprias e/ou regras de creditamento diferenciadas. Para essa última hipótese, o texto prevê, no entanto, que o direito ao crédito assegurado pelo inciso VIII do § 1º do artigo 156-A poderá ser desconsiderado. Seria conveniente esclarecer que eventual restrição não atingiria o direito ao crédito do adquirente de um contribuinte sujeito ao regime específico de tributação, pois, do contrário, teremos um regime mais gravoso do que o sistema atual [2].

Ademais, alíquota e base de cálculo diferenciadas não garantem carga tributária menor, mas, apenas, uma forma diferente de apuração do tributo. Até a edição da lei complementar, portanto, nada estará assegurado.

2. Cesta Básica Nacional de Alimentos (artigo 8° das disposições transitórias): trata-se de tratamento favorecido instituído pela própria PEC, pois o texto normativo cria esse regime, não deixando ao arbítrio superveniente do legislativo instituí-lo ou não. A dificuldade, nesse ponto, parece estar ligada à definição de uma cesta básica nacional de alimentos, tendo em vista a diversidade cultural e natural do nosso país.

3. Regimes diferenciados de tributação futuramente definidos em lei complementar (artigo 9°, caput das disposições transitórias): a lei complementar que instituir o imposto de que trata o artigo 156-A e a contribuição de que trata o artigo 195, V, ambos da Constituição Federal, poderá prever os regimes diferenciados de tributação para os setores de educação, saúde e transporte coletivo de passageiros, bem como para outros setores sociais relevantes relacionados ao agronegócio, à cultura e à segurança nacional. Esses regimes diferenciados poderão ter redução das alíquotas de IBS e CBS, que vão de 60% a 100%, além de isenções tributárias e/ou concessão de crédito presumido, a depender do setor.

Algumas observações se fazem necessárias. Em primeiro lugar, a aparente antinomia existente entre a autorização prevista no caput e a obrigação contida nos parágrafos que o sucedem. Significa que a lei complementar poderá (ou não) instituir esses regimes diferenciados e, se o fizer, deverá seguir as reduções e isenções já estabelecidas pelo texto da PEC? O ponto merece elucidação.

A segunda observação é de que nem todas as operações relacionadas às atividades referidas pelo parágrafo 1º serão agraciadas com as alíquotas reduzidas, mas apenas aquelas operações definidas por lei complementar. Não há garantia de desoneração setorial advinda do texto constitucional diante dessa ressalva. O legislador, portanto, poderá excluir apenas algumas das receitas auferidas por entidades ensino, por exemplo, bem como definir quais medicamentos ou quais receitas geradas pelos serviços de saúde estarão sujeitas ao regime diferenciado.

Recomenda-se que o texto traga segurança de concretização e de benefícios às exceções previstas. Em primeiro lugar, deve ser alterado o respectivo modal deôntico para que todas as exceções previstas pelo texto constitucional sejam obrigações, e não meras autorizações. Isso trará maior clareza para o debate travado hoje pelos agentes econômicos tanto em relação aos regimes jurídicos futuramente existentes quanto à alíquota geral que deverá ser fixada.

Ademais, é preciso assegurar que os regimes excepcionais se apliquem a todas as operações realizadas pelos contribuintes que integram os setores referidos pelo artigo 9º do ADCT.

Garantia do ressarcimento de créditos
A PEC 45-A delega integralmente ao legislador complementar a prerrogativa de definir a forma e o prazo para ressarcimento dos créditos acumulados pelo contribuinte. A autorização em nada difere da sistemática atual. Se o prazo vier a ser reduzido, isso será resultado de novo debate legislativo. Mas nada, quanto ao prazo, é assegurado pelo texto constitucional.

A redução desse prazo, aliás, no que diz respeito ao saldo credor de PIS/Cofins, poderia ocorrer imediatamente e sem a necessidade de aprovação de uma emenda constitucional. Bastaria uma simples medida provisória.

Recomenda-se que o texto da PEC nº 45-A fixe um teto (prazo máximo) para restituição, assegure a correção dos saldos credores, bem como garanta a transferência do saldo credor a terceiros, tal como ocorre com o saldo credor do ICMS exportação.

Restituições e o artigo 166 do Código Tributário Nacional
O modo como o IBS e a CBS estão sendo desenhados e a natureza indireta de, pelo menos, um dos impostos que por ele serão substituídos (ICMS) pode levar a Fazenda à aplicação do artigo 166 do CTN, nos casos de restituição. Isso dificultaria e, em alguns casos, inviabilizaria a devolução dos novos tributos, quando arrecadados equivocadamente ou em afronta ao ordenamento jurídico.

Recomenda-se que o texto da PEC nº 45-A assegure, de maneira incondicionada, a restituição de indébitos de IBS e CBS.

[1] Essa autonomia dos entes ficará restrita inicialmente, pois, até 2078, a alíquota estabelecida pelos estados e municípios não poderá ser inferior à alíquota de referência fixada pelo Senado Federal, cujo percentual deverá assegurar a arrecadação preexistente (arts. 156-A, § 8º e 195, § 15º da CF combinados com os arts. 129, §§ 2º e 3º, e 130, § 6º do ADCT).

[2] Por exemplo, na sistemática atual, as aquisições feitas de fornecedores sujeitos ao recolhimento cumulativo de PIS/Cofins (3,65%) não retiram o direito ao crédito dos adquirentes sujeitos ao regime não cumulativo (9,25%). Assim, a restrição geral do direito ao crédito em decorrência de regimes tributários específicos deve ser revista, pois revela-se mais gravoso que o sistema atual.

Rafael Pandolfo

Especialista em Direito das Empresas e da Economia (FGV) e em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), mestre e doutor em Direito Tributário (PUC-SP), coordenador do Ibet no Rio Grande do Sul, professor conferencista do Ibet, professor no curso de pós-graduação da Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul, membro da Comissão Especial de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB, do Instituto de Pesquisas Tributárias (IPT), do Instituto de Estudos Tributários (IET) e da Fundação Escola Superior de Direito Tributário (Fesdt), autor de artigos e livros sobre Direito Tributário, conselheiro titular do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) entre março de 2011 e maio de 2015 e presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB-RS entre janeiro de 2016 e dezembro de 2018.

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