Mitigação de direitos nos julgamentos assíncronos no Carf
Alessandro Borges
Com o recente encerramento da paralisação dos auditores fiscais da Receita Federal, não só as atividades de caráter operacional e fiscalizatório foram restabelecidas em sua plenitude, como também a atuação judicante do Carf, tribunal paritário responsável em última instância na esfera administrativa pela análise da exigência de tributos federais lançados por meio de autos de infração, despachos decisórios relativos a compensações tributárias, cobranças decorrentes pela não aceitação de retificações de DCTF, dentre outras temas oriundos de procedimentos e análises fiscalizatórios.
André Corrêa/Agência Senado
Como amplamente veiculado pelos noticiários, sempre houve grande expectativa por parte do governo federal que a publicação da Lei nº 14.689/2023 (Lei do Voto de Qualidade), trazendo a possibilidade de exoneração multas de ofício e juros em caso de empate nos julgamentos do Carf, a edição de transações tributárias temáticas, criação do Programa de Transação Integral (PTI) e o aumento das turmas de julgamento deste órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, haveria um considerável salto na arrecadação federal.
Contudo, até o momento os resultados decorrentes dessas medidas têm se mostrado tímidos e muito aquém das cifras pretendidas, seja porque os contribuintes com casos de valores mais significativos ainda optam por seguir com a discussão judicial das exigências, seja por conta da greve que afetou drasticamente o funcionamento do Carf durante todo o primeiro semestre de 2025, com casos de relatoria de conselheiros fazendários sendo constantemente retirados de pauta ou até o mesmo havendo o cancelamento de sessões de julgamento por falta quórum.
Em relação a este último aspecto, há considerável receio de que se passe a fazer nos próximos meses o uso indiscriminado das reuniões virtuais assíncronas prevista pelas Portarias MF nº 1239 e 1240, ambas de 2024, para diminuir o estoque de processos, todavia sem o devido cotejamento de particularidades que permeiem os casos concretos.
Reuniões assíncronas em plenário virtual
Estas reuniões assíncronas se dão por meio de um plenário virtual e, segundo informação institucional publicada no site do órgão, referida sistemática de julgamento não presencial traria grandes benefícios em termos de transparência, haja vista a divulgação dos votos na internet, permitindo a qualquer pessoa acompanhar a votação em tempo real, e a possibilidade de realização de sustentação oral por meio de gravação de áudio ou vídeo.
Ocorre que os valores para estes julgamentos assíncronos são um tanto quanto elevados (até R$ 60 milhões na 1ª Seção, até R$ 7,5 milhões na 2ª Seção e até R$ 30 milhões na 3ª Seção).
Spacca
Por mais que seja oportunizada a apresentação de memoriais e gravação de sustentação oral, quem milita no Carf sabe que os detalhes e os questionamentos apontados no curso de um julgamento presencial, seja pelos patronos do contribuinte e da Fazenda, seja pelos próprios julgadores que não o relator, podem fazer toda a diferença acerca da procedência ou a improcedência de um recurso.
Como denotado em nota conjunta publicada em 2024 por um pool de entidades representativas da classe advocatícia, “os julgamentos síncronos, com possibilidade de sustentação oral e debates entre julgadores e partes, contribuem para a melhor avaliação das provas e necessário controle administrativo de legalidade, assim como prestigiam a interpretação e aplicação do Direito Tributário, Previdenciário e Aduaneiro”.
Controvérsia jurídica
Apesar de haver previsão para que as partes possam solicitar previamente a exclusão de recursos de reuniões assíncronas, nos casos de relevante e disseminada controvérsia jurídica (questões tributárias que ultrapassem os interesses subjetivos da causa e preferencialmente, ainda não afetadas a julgamento pelo rito dos recursos repetitivos), ou de relevante complexidade de análise de provas, a decisão sobre essa retirada, quando o pleito é formulado pelo contribuinte, é feita de forma individual pelo presidente da turma de julgamento, que por disposição regimental sempre é um representante fazendário, não havendo possibilidade de recorrer deste despacho.
A gigantesca carga de processos em estoque no Carf, combinada com a possibilidade de reuniões assíncronas e a manifestação unilateral sobre pedidos de conversão de julgamentos em sessões síncronas, propiciam o indesejável cenário para decisões em lotes, sem o devido aprofundamento e debate das nuances e pormenores dos casos concretos.
Como prova da concretude desse receio, tivemos recentemente caso relacionado a auto de infração de PIS/Cofins, abaixo do teto de R$ 30 milhões, oriundo de bonificações pagas por uma montadora a uma concessionária de veículos, o qual foi selecionado para pauta assíncrona. O pedido de conversão para pauta síncrona (presencial ou híbrida), face à existência de provas dotadas de grau de complexidade que certamente demandariam juízo de valor mais aprofundado no caso concreto e respectivos debates foi negado pelo presidente da turma de julgamento, sem que o contribuinte pudesse recorrer desta decisão.
Em tempos de alto viés arrecadatório como o atual, haja vista a polêmica do IOF, não se pode conceber a aplicação de filtros que cerceiem o direito constitucional de ampla defesa e contraditório. O expediente de decisão unilateral por representante fazendário para pedidos de conversão da realização julgamentos em sessões síncronas, além de transgredir tais prerrogativas constitucionais, certamente terão como efeito colateral o aumento da judicialização, principalmente para aqueles que se vejam prejudicadas por julgamentos açodados e precários do ponto de vista de seus fundamentos.
Alessandro Borges
advogado tributarista do Benício Advogados.