Locação de imóvel por dispensa de licitação e o chamamento público

Ronny Charles Lopes de Torres

1 – Introdução

O presente artigo busca analisar de forma sucinta e clara a possibilidade de utilização do chamamento público como procedimento prévio à locação de imóveis, com fulcro na hipótese de dispensa prevista no inciso X do artigo 24 da Lei nº 8.666/93.

A presente argumentação se contrapõe ao raciocínio segundo o qual, diante de uma pluralidade de imóveis identificados nesse procedimento, ele restaria inviabilizado, sob pena de poder ser caracterizada certa fuga ao procedimento licitatório.

O cerne da questão está relacionado à possibilidade ou não do chamamento como procedimento antecedente às contratações diretas por dispensa, com fundamento no inciso X do artigo 24 da Lei nº 8.666/93, motivo pelo qual é importante traçar algumas premissas básicas.

2 – Dispensa e inexigibilidade de licitação

Como é ressabido, embora a realização de contratos pela Administração Pública exija, em regra, a obediência ao certame licitatório (princípio da obrigatoriedade), o legislador ressalvou hipóteses em que o gestor pode prescindir da seleção formal prevista neste estatuto, classicamente denominadas como "dispensa" e "inexigibilidade".

Essas hipóteses de ressalva encontram fundamento no próprio texto constitucional, uma vez que o inciso XXI do artigo 37, da Constituição Federal, ao estabelecer a obrigatoriedade do procedimento de licitação para os contratos feitos pela Administração, já inicia seu texto resguardando "ressalvados os casos especificados na legislação".

Em outras palavras, quando a Lei prevê hipóteses de contratação direta (dispensa e inexigibilidade) é porque admite que nem sempre a realização do certame levará à melhor contratação pela Administração ou que, pelo menos, a sujeição do negócio ao procedimento formal e burocrático previsto pelo estatuto não serve ao eficaz atendimento do interesse público naquela hipótese específica. Destacou Adilson Abreu Dallari (01):

"Nem sempre, é verdade, a licitação leva a uma contratação mais vantajosa. Não pode ocorrer, em virtude da realização do procedimento licitatório, é o sacrifício de outros valores e princípios consagrados pela ordem jurídica, especialmente o princípio da eficiência."

Um ponto crucial a ser destacado é que, diferentemente da inexigibilidade, na dispensa, a competição seria sim possível, mas o legislador entendeu por bem torná-la não obrigatória em tais casos. Nessa feita, mesmo caracterizada uma das hipóteses do elenco do artigo 24, entendendo o gestor que a realização da licitação atende ao interesse público, poderá fazê-la, pois a hipótese de dispensa permite a faculdade de escolha sobre a realização ou não do procedimento seletivo; por outro lado, será admissível a utilização da hipótese legal de dispensa, mesmo que a competição seja viável, pois a permissão legal à contratação direta através de dispensa não tem como pressuposto a ausência de ambiente competitivo.

Ao revés, diante da ausência de ambiente competitivo é tecnicamente inadequado falar-se em dispensa de licitação, pois a inviabilidade de competição, como ocorre nas situações em que há um único fornecedor do bem ou serviço apto ao atendimento da necessidade administrativa, é pressuposto para o instituto da inexigibilidade, e não para a dispensa.

3 – Da dispensa para a compra ou locação de imóvel (art. 24, inc. X)

Para a compra ou a locação destinada ao atendimento das finalidades do órgão público, em que existam motivos que condicionem ou apontem para a necessidade de escolha de um determinado imóvel, permite a legislação que tal contratação ocorra sem a seleção através de certame licitatório.

Trata-se de uma hipótese de dispensa, prevista expressamente no inciso X do artigo 24 da Lei nº 8.666/93. Vejamos o dispositivo:

Art. 24. In omissis.
X – para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia;(Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)

Em síntese, os critérios exigidos pela Lei são os seguintes:

1. que o imóvel locado seja destinado ao atendimento das finalidades precípuas da Administração;

2. que existam motivos justificadores (necessidade de instalação e localização) que condicionem a sua escolha;

3. que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia.

A prática administrativa demonstra que, mesmo condicionado pela necessidade da Administração e demais razões de fato, nas pretensões contratuais envolvendo a locação de imóveis, em regra o gestor se deparará com mais de uma opção apta a atender à necessidade do órgão e, nesse momento, respeitados os limites de nosso ordenamento, como a imposição de busca pela melhor proposta e o respeito à impessoalidade, haverá uma área de liberdade para a opção escolhida.

Com esteio nessa percepção fática e nas diferenças básicas entre os institutos da inexigibilidade e da dispensa, impõe-se discordar do raciocínio de que a existência de vários imóveis que possam atender à necessidade administrativa torna obrigatória a realização de procedimento licitatório.

Mesmo existindo mais de um imóvel apto ao atendimento da pretensão contratual, é possível a contratação direta para a locação descrita pelo inciso X do artigo 24, desde que respeitados os requisitos estabelecidos pela Lei.

Reitere-se: é basilar perceber uma diferença fundamental entre os institutos da inexigibilidade e da dispensa. Se naquela (inexigibilidade) é identificada uma inviabilidade de competição, na dispensa a pluralidade de possíveis particulares fornecedores do bem ou do serviço não impede a utilização da permissiva de contratação direta, pois a competição é possível.

Da mesma forma que se admite a dispensa para uma aquisição de pequeno valor (ex: R$ 6.000,00), mesmo existindo vários fornecedores aptos e interessados na contratação, deve-se admitir a utilização da dispensa para a locação de imóvel, mesmo que existam outros imóveis aptos ao atendimento das finalidades precípuas da Administração.

Necessário também compreender que, além da aptidão objetiva (como o tamanho ou a estrutura do bem), a escolha do imóvel apto ao atendimento na necessidade administrativa envolve fatores outros, que, embora pareçam afeitos à subjetividade, estão relacionados à finalidade pública que se visa atingir.

Nesse diapasão, a localização é um importante fator que pode justificar a escolha (contratação direta) de um imóvel, mesmo existindo outro de mesmas dimensões, com valor de locação menor. Obviamente, tal opção, para ser legítima, deve ser fulcrada no interesse público e não nas preferências subjetivas do gestor.

Parece justificável que, desejando atingir a prestação de um serviço público para determinado segmento social (moradores de uma região comercial ou mais elitizada da cidade), seja feita a opção pela locação de um imóvel existente dentro de shopping (de valor sabidamente mais elevado) para o funcionamento de um órgão público ou de um conjunto deles; noutro diapasão, é ilegítima a escolha desse imóvel se ela não trouxer qualquer benefício à prestação do serviço público, for desnecessária, inadequada, desproporcional ou utilizar valores acima do estabelecido no mercado.

4 – Do chamamento público como procedimento prévio à compra/locação de imóvel por dispensa (art. 24, X)

Percebida a diferença entre dispensa e a inexigibilidade de licitar, identificados os requisitos para a dispensa do inciso X do artigo 24 da Lei nº 8.666/93 e as peculiaridade que envolvem a compra ou locação de imóveis para o atendimento de finalidades administrativas, cumpre agora, resumidamente, tratar sobre prática de gestão denominada chamamento público, notadamente em sua utilização para a identificação de imóveis aptos à locação, pela Administração.

Pois bem, no que pese a nomenclatura ser utilizada no processo seletivo para que a União firme convênio com entidades privadas, o chamamento público se apresenta também como uma boa prática de gestão na escolha de imóveis públicos, para locação.

Trata-se de uma consulta ao mercado imobiliário, para identificação das ofertas aptas ao atendimento do interesse administrativo, disponíveis para locação. Nesse procedimento, a Administração Pública informa a sua intenção de realizar locação em determinado local ou região (podem ser incluídas todas as áreas aptas ao atendimento do interesse administrativo) e determina suas condições. Além das exigências básicas do imóvel apto ao chamamento público, como: área, localização e existência de garagem; podem ser apontadas exigências específicas, relacionadas à eficiência energética, economia e racionalidade no uso da água.

A adoção dessa prática é muito interessante, pois, mesmo podendo utilizar a contratação direta por dispensa, o gestor divulga previamente ao setor privado sua pretensão contratual, dando mais publicidade à escolha do imóvel a ser contratado diretamente.

Firme-se, tal proceder pode gerar importantes benefícios na busca pela melhor opção contratual, ampliando publicidade da escolha e permitindo a identificação pública das melhores opções para a contratação direta admitida pelo legislador.

Obviamente, é sempre necessário ter cautela nas condições impostas, evitando-se que as exigências de características desnecessárias levem ao direcionamento ilegítimo de determinado imóvel. Condicionantes da escolha, como as necessidades de instalação e de localização, devem ser devidamente justificadas, respeitando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Outrossim, como já explicado outrora, exige-se sempre a compatibilidade com os valores praticados no mercado, requisito legal expresso.

O controle aos abusos nas locações de imóveis, com dispensa de licitação, pode ser realizado tanto pela Administração como pelo poder judiciário, quando identificada ilegalidade ou ilegitimidade na escolha do gestor. Assim, a hipótese de dispensa não justifica, prima facie, que um gestor utilize a contratação direta para locar um imóvel particular, pertencente a ele próprio ou ao seu filho, ou realize tal contratação com preços maiores que os de mercado.

Indubitavelmente, o chamamento público auxilia a externar eventuais desvios na escolha do imóvel público, já que ele permite ao mercado apresentar outras opções de locação/aquisição, talvez mais aptas ao atendimento do interesse público do que o imóvel identificado inicialmente pelo gestor.

O raciocínio de que a utilização do chamamento público, com a consequente identificação de mais de um imóvel apto ao atendimento da pretensão administrativa, tornaria irregular a adoção da dispensa prevista no inciso X do artigo 24 da Lei nº 8.666/93, com a devida venia, é equivocado. Ele estabelece a inviabilidade de competição como pressuposto para a adoção de uma das hipóteses de dispensa, o quê, como explicamos anteriormente, é tecnicamente inadequado. Fosse o caso de um único imóvel apto ao atendimento do interesse público, estar-se-ia diante de uma hipótese de inexigibilidade, e não de dispensa.

Frise-se, caso tal raciocínio não estivesse equivocado, seriam ilícitas todas as contratações realizadas através do procedimento denominado cotação eletrônica, regulado pela Portaria nº 306/2011 do Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão.

Como é cediço, o sistema de cotação eletrônica foi criado com o objetivo de ampliar a competitividade e racionalizar os procedimentos de aquisição de bens de pequeno valor, por dispensa de licitação, com fundamento no inciso II do art. 24 da Lei nº 8.666, de 1993. Ele consiste na criação de uma infraestrutura informatizada que permite uma melhor apuração do melhor preço de bens e serviços adquiridos pelo setor público, nas contratações de pequeno valor. Em outras palavras, a referida Portaria estabelece um procedimento de coleta de propostas junto ao mercado ("prospecção de mercado") para realização das aquisições de bens de pequeno valor enquadráveis na hipótese de dispensa de licitação prevista no inciso II do art. 24 da Lei nº 8.666/1993.

Na cotação eletrônica, no que pese identificar-se uma pluralidade de particulares aptos ao atendimento da pretensão contratual, admite-se essa "prospecção ao mercado" como uma forma eficiente de alcançar melhores contratações, sem prejuízo da utilização de uma hipótese de dispensa licitatória.

Cabe salientar, inclusive, que a adoção desse procedimento é tida como preferencial na órbita federal, nos termos do § 2º do artigo 4º do Decreto nº 5.450/2005.

Art. 4º Nas licitações para aquisição de bens e serviços comuns será obrigatória a modalidade pregão, sendo preferencial a utilização da sua forma eletrônica.
§ 2º Na hipótese de aquisições por dispensa de licitação, fundamentadas no inciso II do art. 24 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, as unidades gestoras integrantes do SISG deverão adotar, preferencialmente, o sistema de cotação eletrônica, conforme disposto na legislação vigente.

Conclusão

Se imaginarmos que a identificação, em chamamento público, de mais de um imóvel apto ao atendimento público para a locação, prejudicaria a contratação direta por dispensa de licitação, estaríamos incentivando a troca de um processo transparente e público na aferição de imóveis aptos, pela tradicional prática de escolha subjetiva e direta do imóvel pelo gestor de plantão!

Temos convicção que esse incentivo seria um retrocesso, em detrimento dos avanços que podem ser alcançados com o aperfeiçoamento da utilização do referido procedimento. Ademais, o chamamento público não é utilizado em substituição a um certame licitatório, uma vez que para a pretensão contratual envolvida o nosso ordenamento admite a contratação direta, por dispensa de licitação.

Entendemos que a adoção do referido procedimento é legítima e que a eventual identificação de mais de um imóvel apto ao atendimento do interesse público, conforme requisitos básicos externados pelo órgão interessado, não prejudica a utilização da hipótese de dispensa prevista no inciso X do artigo 24 da Lei nº 8.666/93.

Nota

(01) DALLARI, Adilson Abreu. Aspectos jurídicos da licitação. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p.34

Ronny Charles Lopes de Torres

Advogado da União. Professor universitário. Mestre em Direito Econômico. Pós-graduado em Direito tributário. Pós-graduado em Ciências Jurídicas. Ex-Coordenador Geral de Direito Administrativo da Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social. Autor de diversos livros jurídicos, entre eles: Leis de licitações públicas comentadas (Ed. JusPodivm); Licitações públicas: Lei nº 8.666/93 (Coleção Leis para concursos públicos: Ed. Jus Podivm).

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