Lançamento de crédito decaído: cobrança indevida?
Leonardo Dias da Cunha
A fim de tentar legitimar cobrança de crédito extinto pela decadência, os Fiscos estaduais alegam que apenas tiveram conhecimento do fato gerador do ITCMD a partir do recebimento de informações via convênio. Olvida-se, propositadamente, que o lançamento de ofício tem prazo.
Atualmente, diante da crise financeira que assola o país tem-se verificado um aumento de cobranças tributárias indevidas pelas Fazendas Públicas da União, dos estados e dos municípios, inclusive com cobranças que não poderiam ser feitas por já ter ocorrido a decadência ou a prescrição.
Tanto a decadência quanto a prescrição são causas de extinção do crédito tributário, nos termos do artigo 156, inciso V, do Código Tributário Nacional (CTN).
Para quem não é da área jurídica, registra-se que decadência no direito tributário, para o caso em questão, é a perda do direito de o Fisco estadual fazer a constituição do crédito tributário pela passagem do prazo de cinco anos, contados da data que teria como início para fazer o lançamento de tal crédito. Já a prescrição é a perda do direito que o Fisco tem de promover a execução fiscal do crédito tributário devidamente lançado.
A prática que tem se tornado comum pelos Fiscos estaduais é a de se fazer o lançamento de ofício do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações ITCMD[i] (para alguns denominado ITCD), nos casos em que se tomou conhecimento de doação realizada tão somente por meio de informações descritas na declaração de Imposto de Renda (IR) dos contribuintes.
Com base no artigo 199 do CTN, as Fazendas Públicas dos estados têm celebrado convênios com a Fazenda Pública da União objetivando a prestação de mútua assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e para a permuta de informações.
Dessa forma, os Fiscos estaduais têm acessado às declarações de Imposto de Renda dos contribuintes, com a finalidade de tentar identificar a ocorrência de algum fato gerador tributário que, eventualmente, não tenha sido devidamente informado.[ii]
Embora o lançamento do crédito tributário de ITCMD seja feito por declaração do próprio contribuinte, quando não houver tal declaração o lançamento será realizado de ofício pelo Fisco estadual, conforme previsão no artigo 149, II do CTN.
Nesse passo, com embasamento nas informações conhecidas e a fim de tentar legitimar a cobrança de crédito tributário extinto pela decadência, os Fiscos estaduais alegam que apenas tiveram conhecimento do fato gerador tributário do ITCMD a partir da data das informações obtidas pelo convênio firmado.
E, assim, antes do convênio com a Fazenda Pública da União não haveria a possibilidade de o Fisco estadual ter tomado conhecimento do fato gerador. Portanto, a data a partir da qual poderia ter sido realizado o lançamento é justamente a data em que o Fisco estadual tomou conhecimento do fato gerador.
Contudo, olvida-se, propositadamente, que tal lançamento de ofício tem um prazo determinado em que poderá ser feito de forma válida. E, considerando-se que não tenha havido informação ao fisco, o artigo, 173, inciso I, do Código Tributário Nacional é categórico ao determinar que “O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado”.
Soma-se a isso que as normas tributárias atinentes à decadência e à prescrição são normas gerais, de matéria que somente poderá ser tratada por meio de Lei Complementar Federal, como determina a Constituição Federal de 1998, em seu artigo 46, inciso III, alínea “b”. Assim, não cabe aos Estados alterar as definições sobre decadência e prescrição de modo a favorecê-los.
Ao se analisar sistematicamente a legislação tributária, verifica-se à impropriedade na interpretação dos Fiscos estaduais, que visando à arrecadação, mormente em tempos de crise, tentam de toda forma carrear verbas aos cofres públicos, mesmo com cobranças indevidas.
Se prevalecer o entendimento indevido dos Fiscos estaduais, os contribuintes ficarão absurdamente à mercê da celebração de convênios, sendo indeterminado o prazo em que cada Fisco estadual poderá – ou não – ter acesso às informações de eventual ocorrência do fato gerador do ITCMD.
A interpretação objetivada pelos Fiscos estaduais não tem respaldo em qualquer previsão normativa, uma vez que, ao contrário, descreve claramente o início da contagem do prazo decadencial.
Frisa-se que a celebração de convênio ou a sua falta não tem o condão de obstaculizar o início da contagem do prazo decadencial do Fisco.
Dessa forma, a cobrança de ITCMD que estiver afetada pela decadência do lançamento ou a pela prescrição da cobrança será indevida.
Ainda, no caso de cobrança indevida, importa mencionar dois pontos de extrema relevância: a possibilidade de protesto do débito tributário e a devolução do valor pago indevidamente.
O PROTESTO[III] DO DÉBITO TRIBUTÁRIO INDEVIDO – MEDIDA PREVENTIVA A SER TOMADA PELOS CONTRIBUINTES
As cobranças indevidas pelos fiscos estaduais poderão causar inúmeros problemas para os contribuintes, pois, dependendo dos valores envolvidos, os débitos poderão ser protestados, o que certamente implicará graves prejuízos na utilização de créditos financeiros.
Assim, mesmo que o contribuinte não tenha que pagar o débito cobrado, ao receber uma notificação para realizar o pagamento de crédito tributário acaba pagando o valor indevidamente cobrado, já que receia sofrer os graves transtornos que o protesto do débito cobrado poderá lhe causar, como restrição de crédito para o exercício de sua liberdade financeira, em vários casos envolvendo a própria atividade econômica realizada em nome de pessoa física, como nas Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada (EIRELI).
Assim, no caso de o contribuinte receber uma notificação de débito de ITCMD que entender ser indevido, recomenda-se que procure um advogado especialista para avaliar o débito cobrado e a validade de sua constituição, pois se for indevido poderá ser interessante atuar preventivamente, antes que ocorra alguma cobrança por meio de execução fiscal ou por protesto, o que neste último caso poderá ser ainda mais prejudicial.
PAGAMENTO INDEVIDO – REPETIÇÃO DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO
Como já mencionado, o crédito tributário do Fisco é extinto pela decadência ou pela prescrição. Uma vez extinto o débito tributário, o pagamento realizado é considerado indevido, sendo que os contribuintes que efetuarem o pagamento indevido do imposto têm o direito de receber de volta o que foi pago.
Assim, havendo negativa do Fisco estadual em devolver o valor pago indevidamente, o contribuinte poderá se valer judicialmente dos meios processuais apropriados para fazer valer seu direito de restituição.
CONCLUSÃO
De acordo com o exposto acima, é indevida a cobrança de crédito tributário de ITCMD já fulminado pela decadência ou pela prescrição, causas da extinção do crédito tributário.
Como para determinados valores de débitos tributários os Estados poderão enviar a cobrança para protesto, faz-se necessário que tão logo o contribuinte seja notificado ou tome conhecimento da constituição de débitos indevidos atue preventivamente. Para tanto, recomenda-se a consulta a um profissional especializado para avaliar a validade da constituição do débito tributário exigido.
De maneira preventiva, os contribuintes poderão fazer uso de medidas processuais judiciais, para evitar que haja prosseguimento de cobranças indevidas que poderão lhes causar graves prejuízos e impedimento de obtenção crédito para exercício de sua liberdade financeira, envolvendo, em vários casos, a própria atividade econômica realizada em nome de pessoa física, como nas Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada (EIRELI).
Por fim, se houver pagamento de créditos tributários já extintos pela decadência ou prescrição o contribuinte poderá buscar a devolução do valor pago indevidamente.
NOTAS
[i] A título de informação, via de regra, as legislações estaduais, no caso de doação determinam que o contribuinte do ITCMD será o beneficiário da doação realizada.
Em Minas Gerais, atualmente é Lei nº 14.941/2003 que trata do ITCMD. E, conforme previsto em seu artigo 12, o contribuinte do imposto é o donatário, aquele que adquiriu a propriedade do bem pela doação e, a alíquota do imposto é de 5% (cinco por cento) do valor da doação realizada.
[ii] No caso de Minas Gerais, há o Convênio de Cooperação Técnica de 14 de outubro de 1998, conforme Ofício n.º 446/2011/SRRF/Gabin/Semac de 17 de agosto de 2011 que respaldaria o acesso pelo Estado de Minas Gerais às informações contidas na declaração de imposto de renda.
[iii] Em Minas Gerais há autorização legal (Lei nº 19.971/2011 e pelo Decreto Estadual nº 4.598/2012) para que Advocacia Geral do Estado (AGE) não ajuíze ações de cobrança judicial de crédito do Estado e de suas autarquias e fundações em determinados valores, observados os critérios de eficiência administrativa e de custos de administração e cobrança previstos em regulamento.
O artigo 2º do (Decreto Estadual nº 4.598/2012) descreve que o AGE está autorizada a não ingressar com o débito referente ao ITCMD inferiores à 5.5500 (cinco mil e quinhentas) Unidades Fiscais do Estado de Minas Gerais (UFEMG).
Conforme a Resolução nº 4.841/2015 do Secretário de Estado de Fazenda de Minas Gerais, o valor de cada Unidade Fiscal do Estado de Minas Gerais (UFEMG), para o exercício de 2016 será de R$ 3,0109 (três reais, cento e nove décimos de milésimos).
Assim, para débitos de ITCMD poderá haver o envio indevido do débito para protesto.
Dessa forma, ao tratar das novas formas de cobrança dos créditos do estado e de suas autarquias e fundações, o regulamento possibilitou que os créditos tributários pudessem ser remetidos para protesto, de acordo com o tipo de tributo e seu valor.
Fonte: jus.com.br
Leonardo Dias da Cunha
Advogado coordenador do contencioso e consultivo tributário do escritório Visão Empresarial Advogados & Consultores. Mestrando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2016-2018); Especialista em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas; Especialista em Direito Ambiental pela Universidade Gama Filho - Rio de Janeiro (2010) e graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete (2007).