Juros sobre capital próprio – Pontos polêmicos podem transformar o “herói” em “vilão”

Elias Cohen Junior

Nos dias atuais, umas das mais comuns formas de remuneração de sócios é o pagamento de Juros sobre Capital Próprio (JSCP).

Isso porque, em inúmeros casos, essa forma de remuneração propicia o melhor custo x benefício do ponto de vista tributário e está expressamente delineada em nosso ordenamento jurídico pátrio.

Todavia, nos dois últimos anos, as autoridades fiscais criaram interpretações polêmicas sobre as normas que regem o JSCP, exarando diversas autuações sob as mais variadas óticas. E a pior parte é que a grande maioria destas foi mantida mesmo após recurso em esfera administrativa.

Assim, é notório que os questionamentos fiscais e a jurisprudência estão transformando algo que foi instituído com a finalidade de beneficiar os contribuintes (01) em uma forma de majoração da arrecadação pública.

A seguir, de forma sucinta, discorremos sobre os pontos polêmicos acerca do tema em análise. Desde já, vale ressaltar que o objetivo do presente estudo não é esgotar a abordagem dos assuntos apresentados, mas sim enfatizar a existência de temas polêmicos a serem considerados pela administração da pessoa jurídica quando da opção pela remuneração de sócios via JSCP.

Possibilidade de pagamento retroativo (02)

O JSCP foi inserido em nosso arcabouço jurídico pela Lei nº 9.249/95, quando, de forma sintética, foram descritos:

(i) a base de cálculo;

(ii) os limites para dedutibilidade para fins de IRPJ/CSLL;

(iii) a obrigatoriedade do recolhimento do IRFonte e;

(iv) a possibilidade de imputação do montante pago ao valor dos dividendos.

No ano seguinte, a Instrução Normativa SRF (IN) nº 11/96, dentre outras considerações, determinou uma nova condição para dedutibilidade, qual seja, a observância do regime de competência (03).

Porém, nos primeiros anos após a instituição do JSCP, muitas empresas não se aproveitaram desta oportunidade. Em virtude disso, nos exercícios seguintes, se iniciou a discussão sobre o primeiro ponto polêmico:

"a possibilidade de deliberação/pagamento de JSCP retroativos".

À época, surgiram inúmeros argumentos favoráveis a deliberação/pagamento retroativo, tais como: a natureza do JSCP, o princípio da legalidade, a permissão expressa para dedução de despesas extemporâneas quando não há prejuízo ao Erário (art. 273 do atual Regulamento do Imposto de Renda – RIR/99), etc…

A Receita Federal do Brasil (RFB), desde os primeiros questionamentos até os dias atuais é contrária ao pagamento retroativo. Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2009, se posicionou favoravelmente.

Já os tribunais administrativos, a priori, não apresentaram um posicionamento uniforme, todavia, posteriormente, passaram a ser manifestar de forma unânime e favorável (04). Após isso, se passou a discutir apenas os cálculos para apuração dos valores a serem pagos/deliberados.

Assim, inúmeros contribuintes passaram a se aproveitar do então "seguro" planejamento tributário, inclusive diversas empresas com ações listadas em bolsa.

Porém, para surpresa de todos, em 2011, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) exarou acórdãos se posicionando de forma desfavorável ao pagamento retroativo, fato que causou preocupação aos administradores das sociedades que haviam utilizado de tal ferramenta.

Em nossa opinião, referidos acórdãos possuem diversos vícios, dentre eles a fundamentação na IN 11/99 e a "suposta" impossibilidade de apropriação de despesas fora do período em que ocorreram (contraditória ao Artigo 273 do Regulamento do Imposto de Renda vigente).

Todavia, caso esse posicionamento administrativo seja mantido, o tema em apreço terá relevante impacto na arrecadação dos cofres públicos, uma vez que, com a glosa da despesa são exigidos IRPJ/CSLL (34% da despesa de JSCP retroativo), acrescidos de multa de 75% e juros SELIC.

Tributação das receitas de JSCP pelo PIS/COFINS

A polêmica sobre a inclusão das receitas de JSCP às bases das contribuições ao PIS e a COFINS se iniciou quando tais contribuições ainda eram integralmente regidas pela Lei nº 9.718/98, época em que se discutia a constitucionalidade da definição da receita bruta trazida pelo revogado §1º, do Art. 3º. Com relação as receitas contabilizadas nessa época, vitória dos contribuintes, pois tal normativo fora considerado inconstitucional.

Com o advento das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03, respectivamente, foram alteradas as premissas para cálculo de PIS e COFINS, sendo que faturamento passou a ser definido como: "o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil".

Assim, teoricamente, a receita de JSCP auferida pelas pessoas jurídicas optantes pelo lucro real (05) (sujeita ao regime não-cumulativo) passou a ser tributada pelo PIS/COFINS.

Digo "teoricamente" pois, a partir de então, dentre outros pontos de menor relevância, iniciou-se o questionamento sobre mais um ponto controverso: "Os dividendos não são tributados pelo PIS/COFINS. Assim, se constatado que o JSCP tem natureza de dividendos, este também não deve ser incluído das referidas bases de cálculo".

Com relação a essa discussão, os tribunais administrativos sempre se posicionaram de forma unânime, desfavorável aos contribuintes.

Vale lembrar que tal impasse poderia ter sido encerrado quando o Decreto nº 5.164/04 (e alterações posteriores) reduziu a zero a alíquota das receitas financeiras. Porém, o legislador ordinário optou por excepcionar o JSCP desta redução (06) .

Nesse cenário, alguns contribuintes menos conservadores, optaram por: (i) não incluir tais receitas nas bases de cálculo de PIS/COFINS; ou (ii) impetrar com mandado de segurança pleiteando o afastamento da referida cobrança e o depósito em juízo dos respectivos valores até o desfecho da linde.

No que tange a essa discussão, o Fisco poderá arrecadar o PIS/COFINS (9,25%), multa (75%) e juros SELIC (no caso daqueles que simplesmente não incluíram o JSCP nas respectivas bases) ou os valores depositados atualizados (no caso dos contribuintes que pleitearam a suspensão mediante a realização de depósito).

Deliberação desproporcional a participação no capital

Um tema que não causou grandes discussões iniciais, porém, foi alvo de autuações previdenciárias nos últimos anos, é a "possibilidade de deliberação/pagamento de forma desproporcional a participação do sócio no capital social".

Por motivos fiscais, é/era comum que as Sociedades deliberem(assem) o JSCP de forma desproporcional aos sócios, remunerando o sócio pessoa jurídica através de dividendos e o sócio pessoa física através de JSCP.

Ocorre que, recentemente, o CARF manteve as autuações exaradas pela RFB no sentido de que o excesso de JSCP (leia-se a parte proporcional que teoricamente era relativa ao capital de outrem) tem status de pro labore e, portanto, está sujeito as mesmas contribuições previdenciárias incidentes sobre este.

Nessas oportunidades foram exigidas as contribuições previdenciárias cabíveis acrescidas de multa e juros.

Eventuais pontos polêmicos a serem aventados pelas autoridades fiscais em exercícios futuros

Não obstante as polêmicas acima, creio ser provável que outros dois temas ligados ao JSCP sejam alvos de discussões futuras.

O primeiro deles se trata do valor do Patrimônio Líquido (PL) e do lucro acumulado/do período considerados para fins de cálculo/dedutibilidade do JSCP. Tal discussão será gerada em virtude da neutralidade fiscal dada as alterações das práticas contábeis trazidas com o advento da Lei nº 11.638/07.

Frise-se ainda que, assim como nos demais pontos polêmicos apresentados acima, há inúmeros argumentos jurídicos tanto para sustentar a utilização do PL e do Lucro contabilizados atualmente, como daqueles que seriam apurados casos as práticas contábeis antigas estivessem vigentes.

O segundo é a utilização de artifício do direito civil para maximização da economia fiscal no pagamento/deliberação de JSCP.

Com a utilização deste planejamento, mesmo quando há interposição de holdings, o beneficiário final (pessoa física, geralmente) faz jus diretamente ao JSCP deliberado. Tal procedimento evita o registro de receita nas empresas intermediárias (detentoras das ações) e, conseqüentemente, o pagamento de PIS/COFINS.

Há diversos argumentos para sustentar que tal planejamento está em plena conformidade com a legislação vigente, porém, não será surpresa se as autoridades fiscais alegarem que tal estratégia é realizada com a única e exclusiva intenção de economizar tributos e, portanto, deve ser desconsiderada para fins fiscais.

Face a todo exposto acima, lembramos que a deliberação de JSCP, apesar de ser uma ótima forma de remuneração dos sócios, exige uma análise pormenorizada (caso a caso) dos eventuais pontos polêmicos a serem enfrentados.

Aos contribuintes, resta torcer que a majoração dos gastos públicos projetada para os próximos anos (majoradas significativamente pelo fato de o Brasil ser escolhido como país sede da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016) não tenha qualquer influência nas decisões exaradas pelos tribunais judiciais e administrativos.

Notas

(01) Como sabido, os JSCP foram instituídos com a intenção de compensar os contribuintes pela extinção da correção monetária de balanço.

(02) Sobre o tema, vale mencionar que o mesmo já fora abordado de forma mais elaborada em diversas oportunidades, inclusive no artigo "Juros sobre Capital Próprio Retroativos – Enfim o posicionamento do STJ" de minha autoria, publicado no site www.fiscosoft.com.br.

(03) Vale transcrever o caput do art. 29 da IN nº 11/96: "Art. 29. Para efeito de apuração do lucro real, observado o regime de competência, poderão ser deduzidos os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP." (g.m.)

(04) Nestes anos, em virtude de algumas decisões exaradas pelo extinto Conselho de Contribuintes (C.C.), se criou uma nova discussão: "Sendo possível o pagamento retroativo, qual é o lucro do período/acumulado a ser considerado para fins de análise da dedutibilidade? O contabilizado no instante da deliberação ou aquele que estava contabilizado no instante em que o JSCP poderia ter sido deliberado?"

(05) As pessoas jurídicas optantes pelo lucro presumido estão sujeitas às normas trazidas pela Lei nº 9.718/98 e não devem sujeitar as receitas de JSCP à tributação de PIS/COFINS.

(06) Inicialmente, foram excluídas da redução as receitas de JSCP e hedge, porém, com o advento do Decreto nº 5.442/05, as receitas de hedge também passaram a ser beneficiadas com a alíquota zero.

Elias Cohen Junior

Consultor tributário do Braga & Marafon Consultores e Advogados. Contador formado pela Universidade São Judas Tadeu.

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