Juros incorridos em empréstimos com empresas vinculadas estabelecidas no exterior – O triplo filtro da dedutibilidade
Emerson Carlos Albino de Souza
Verificamos, nos últimos anos, que a legislação tributária vem sendo moldada no sentido de incorporar regras cada vez mais restritivas à dedutibilidade dos juros incorridos em empréstimos, quando estes são contratados com empresas vinculadas estabelecidas no exterior.
Reforça esta conclusão a edição da Medida Provisória 563, publicada em 4 de abril último. Caso seja aprovada pelo Congresso Nacional sem alterações, a captação de recursos financeiros externos advindos de empresas vinculadas passará por importantes mudanças. Não é demais afirmar que a dedutibilidade destes juros ficará sujeita a um triplo e "fino" filtro restritivo, não fazendo qualquer esforço para esconder o uso de regras tributárias com objetivos de política cambial.
Importante mencionarmos que os comentários contidos neste artigo não se aplicam aos empréstimos contratados com empresas estabelecidas em países ou dependências com tributação privilegiada, para os quais há regramento específico.
1º Filtro – O requisito geral de dedutibilidade das despesas
O art. 47 da Lei 4.506/64, reproduzido no art. 299 do Regulamento do Imposto de Renda – 1999, traz o que podemos chamar de "requisito geral de dedutibilidade das despesas".
Pela falta de um regramento específico à dedutibilidade das despesas financeiras, é dele, portanto, que extraímos os requisitos para o aproveitamento tributário das despesas incorridas em empréstimos financeiros, sejam eles contratados com empresas vinculadas ou não (estes conceitos devem ser emprestados das regras dos preços de transferência – Lei 9.430/96).
Em resumo, temos que são operacionais e, portanto, dedutíveis no cômputo do imposto de renda, as despesas necessárias à atividade e a manutenção da respectiva fonte produtora, desde que usuais ou normais no tipo de transações, operações ou atividades da empresa. O dispositivo da Lei 4.506/64 acrescenta, ainda, que a necessidade das despesas está vinculada ao fato de servirem à realização das transações ou operações exigidas pela atividade da empresa.
Temos, assim, o que consideramos o 1º Filtro para a dedutibilidade das despesas com juros incorridos em empréstimos contratados com empresas vinculadas estabelecidas no exterior: com base na Lei 4.506/64, são dedutíveis as despesas operacionais que atenderem a três requisitos essenciais – necessidade, usualidade e normalidade.
Lembramos que por mais subjetivo que possam parecer estes requisitos, o Fisco federal regularmente os utiliza para glosar despesas financeiras incorridas em empréstimos considerados não necessários às atividades das empresas, em especial quando fica caracterizado, objetivamente, que os recursos captados foram repassados a terceiros com taxas de juros inferiores às de captação, o que torna, desta forma, a despesa não necessária à fonte produtora.
2º Filtro – Os limites vinculados ao valor do investimento promovido no país
Em 2010, por meio da Lei 12.249, foram definidos limites para a dedutibilidade de despesas com juros incorridos em empréstimos contratados com empresas estrangeiras consideradas vinculadas. O novo regramento tem um claro objetivo: incentivar a entrada de recursos no país sob a modalidade de investimento direto, em detrimento de seu ingresso como empréstimos financeiros.
Em resumo, além de sofrerem as restrições descritas no 1º Filtro, a partir de então, somente são dedutíveis, para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido, as despesas de juros que:
a) no caso de endividamento com pessoa jurídica vinculada no exterior que tenha participação societária na pessoa jurídica residente no Brasil, o valor do endividamento com a pessoa vinculada no exterior, verificado por ocasião da apropriação dos juros, não seja superior a duas vezes o valor da participação da vinculada no patrimônio líquido da pessoa jurídica residente no Brasil;
b) no caso de endividamento com pessoa jurídica vinculada no exterior que não tenha participação societária na pessoa jurídica residente no Brasil, o valor do endividamento com a pessoa vinculada no exterior, verificado por ocasião da apropriação dos juros, não seja superior a duas vezes o valor do patrimônio líquido da pessoa jurídica residente no Brasil;
c) em qualquer dos casos acima, o valor do somatório dos endividamentos com pessoas vinculadas no exterior, verificado por ocasião da apropriação dos juros, não seja superior a duas vezes o valor do somatório das participações de todas as vinculadas no patrimônio líquido da pessoa jurídica residente no Brasil, não se aplicando esta regra no caso de endividamento exclusivamente com pessoas vinculadas no exterior que não tenham participação societária na pessoa jurídica residente no Brasil. Neste caso, o somatório dos valores de endividamento com todas as vinculadas sem participação no capital da entidade no Brasil, verificado por ocasião da apropriação dos juros, não poderá ser superior a duas vezes o valor do patrimônio líquido da pessoa jurídica residente no Brasil.
Tratada até então quase que exclusivamente sob a ótica dos preços de transferência, de acordo com a Lei 9.430 e alterações posteriores, a dedutibilidade dos juros incorridos em empréstimos externos, em especial os contratados com empresas vinculadas, passou a ter, com o advento da Lei 12.249, um importante marco, já que fixa limites com base no valor do capital investido no país.
3º Filtro – O limite das taxas de juros – Regras dos preços de transferência
Por fim, conforme mencionamos, a partir de 1º de janeiro de 2013, aprovando-se o texto original da Medida Provisória 563, entrará em vigor novas restrições à dedutibilidade dos juros incorridos em empréstimos contratados com empresas vinculadas.
Isto porque a MP 563 propõe alterações na Lei 9.430, em especial no seu art. 22, que trata da dedutibilidade dos juros incorridos, sob a ótica das regras dos preços de transferência.
A partir de janeiro de 2013, independentemente do registro dos contratos de empréstimo externos no BACEN, os juros pagos ou creditados a pessoa vinculada, quando decorrentes de contrato de mútuo, somente serão dedutíveis para fins de determinação do lucro real até o montante que não exceda ao valor calculado com base na taxa LIBOR, para depósitos em dólares dos Estados Unidos pelo prazo de seis meses, acrescida de margem percentual a título de spread, a ser definida anualmente por ato do Ministro de Estado da Fazenda.
Apesar de a norma estabelecer que o Poder Executivo, na figura do Ministro de Estado da Fazenda, definirá o spread com base na média de mercado, proporcionalizados em função do período a que se referirem os juros, não é demais afirmar que a insegurança deverá permear o assunto. Primeiro porque se coloca nas mãos do Executivo o poder de estabelecer limites de dedutibilidade de juros periodicamente, apesar de contratos de empréstimo desta espécie, via de regra, se constituirem em operações de médio e longo prazos. Segundo, não se pode negar que a inovação na legislação muda substancialmente a regra, inclusive para os contratos vigentes. Até então, o limite de dedutibilidade desses juros estava vinculado unicamente ao fato de haver registro dos contratos no BACEN. A taxa de juros registrada pelo BACEN era o suficiente para, sob a ótica das regras de preços de transferência, garantir a dedutibilidade dessas despesas. A partir de agora, mesmo os contratos já registrados (que tem, sob a vigência da atual lei, garantida a dedutibilidade dos juros), sofrerão restrições no que se refere ao limite de dedutibilidade das taxas de juros. Um contrato de empréstimo, por exemplo, registrado no BACEN em 2010, com taxa de juros fixadas com base nas condições de mercado vigentes àquele ano, pode, a partir de 2013, sofrer restrições quanto à dedutibilidade de suas despesas.
Comentários finais
Longe de esgotarmos o tema, o principal objetivo deste artigo foi de trazermos à discussão os diversos aspectos que cercam este assunto, até mesmo porque, a despeito dos empréstimos financeiros, existem outros mecanismos que podem ser utilizados pelas subsidiárias de empresas estrangeiras para remunerar recursos trazidos ao país, como, por exemplo, os juros calculados sobre o capital próprio.
O que não se pode negar é que as normas vêm "evoluindo" no sentido de tornar cada vez mais restritiva à busca de recursos financeiros em empresas vinculadas estabelecidas no exterior, tentando incentivar a entrada de recursos no país sob a forma de investimentos diretos.
Não é demais afirmarmos que o que estamos observando é a introdução de pitadas de extrafiscalidade ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e à Contribuição Social sobre o Lucro, já que são claros os reflexos dessas normas na política cambial do país.
Emerson Carlos Albino de Souza
Advogado, especialista em Direito Tributário.