Julgamento pode gerar segurança jurídica às operações com combustíveis

Mario Prada; Gustavo Almeida Barreira

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar, neste dia 1º, o julgamento do ARE 1.407.595. É uma importante oportunidade para a Corte apreciar o tema e uniformizar o entendimento sobre o adicional de ICMS aos fundos de combate à pobreza, posto que a decisão tem o potencial de gerar segurança jurídica para as operações com combustíveis, o que pode impactar o preço final da bomba.

A origem da discussão sobre o adicional de ICMS aos fundos de combate à pobreza data de 23 atrás, quando foi publicada a Emenda Constitucional (EC) n° 31. Na época, foi promovida a alteração do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), conferindo aos Estados e ao Distrito Federal a competência para criar um adicional de até dois pontos percentuais na alíquota do ICMS para financiar fundos de combate à pobreza.

Ávidos pela implementação de um mecanismo eficaz de arrecadação, diversos Estados criaram seus fundos e instituíram a majoração na alíquota do ICMS sem observar os requisitos da referida EC 31: por simples lei ordinária e em percentuais maiores do que o autorizado para o âmbito federal.

Nesse período, surgiu um contencioso relevante, demandando a edição da Emenda Constitucional n° 42/2003 para deixar claro que os referidos fundos deveriam ser criados por Lei Complementar. A referida Emenda Constitucional atribuiu então um prazo para os Estados adequarem suas legislações internas (vide seu artigo 4).

Cabe destacar que, dentre o contencioso relevante sobre o tema, havia a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2.869/RJ, de relatoria do ministro Carlos Ayres Britto. Considerando a publicação da EC 42/03, o meinistro proferiu decisão monocrática, reconhecendo a perda de objeto da ação, já que a EC 42/03 teria atribuído prazo para os Estados ajustarem suas legislações às exigências da referida EC. Isto é, foi determinada a edição de Leis Complementares para a instituição dos referidos fundos.

Nessa decisão monocrática, o ministro expressou um comentário (obiter dictum) no sentido de que a EC 42/03 teria sido editada pelo Congresso para “constitucionalizar” todos os fundos criados de forma irregular (com vícios de inconstitucionalidade na origem).

Essa foi a raiz do problema. A partir desse obiter dictum na decisão monocrática de perda de objeto da ADI 2.869, diversas decisões posteriores da Suprema Corte reputaram que havia jurisprudência pacífica reconhecendo a constitucionalidade de todas as Leis Estaduais que criaram fundos de adicional de ICMS.

Ocorre que a Suprema Corte nunca se debruçou efetivamente sobre o tema, até porque é histórica a jurisprudência da Corte no sentido de que as normas que nascem inconstitucionais não podem ser “constitucionalizadas”, a posteriori, por Emendas Constitucionais (vide ADIs 2, 2.158, 94 e 2.159).

Além disso, seguramente, não há jurisprudência consolidada sobre as hipóteses em que os Estados editaram Leis criadoras de fundos de adicionais de ICMS em desconformidade com as diretrizes da EC 42/03 (ou seja, sem respeitar a forma de Lei Complementar).

Ocorre que, nesse contexto, e após a edição da EC 42/03, diversos Estados criaram fundos por Lei ordinária. Como por exemplo Paraná, Rio Grande do Sul e Goiás, este denominado de Fundo Protege. Essas legislações já nascem inconstitucionais, pois não respeitaram a forma de Lei Complementar exigida pela EC 42/03. Aliás, o Constituinte derivado nunca convalidou atos legislativos futuros, como não poderia deixar de ser.

Nesse sentido, obedecendo as diretrizes da EC 42/03, outros Estados editaram Leis Complementares para instituir seus fundos de adicional de ICMS, entre eles Minas Gerais e Rio de Janeiro. Não é crível a constitucionalização da legislação dos demais Estados, que não cumpriram a Constituição.

No ano de 2017, essa temática foi percebida pela primeira Turma da Suprema Corte. No RE 592.152, o ministro Ricardo Lewandowski seguiu a suposta “jurisprudência pacífica da corte” e negou seguimento ao recurso do contribuinte, em uma situação que tratava do adicional de alíquota do ICMS instituído pelo Estado de Sergipe ao Fundo Estadual de Combate à Pobreza (Fecop).

No entanto, divergiu de sua posição o ministro Marco Aurélio, que foi acompanhado pelos ministros Luiz Fux e Roberto Barroso. Os ministros divergentes entenderam que o precedente da ADI 2.869 não deveria servir como base para o entendimento da Corte, e que não poderia ter efeito vinculante para outras decisões.

Reconheceu-se que não há jurisprudência pacífica sobre o assunto dos fundos de combate à pobreza, e que as legislações ordinárias editadas, especialmente as publicadas depois da EC 42/03, não poderiam ser simplesmente convalidadas pela referida emenda. O julgamento do RE 592.152 ainda não se encerrou, havendo recomendação de que o tema seja submetido à repercussão geral.

Enquanto se aguarda a análise e eventual repercussão geral do RE 592.152, os ministros Barroso e Fux permanecem reiterando sua posição, e vêm se manifestando pela necessidade de que a matéria seja detidamente analisada.

Mais recentemente, o ministro Luiz Fux, integrante da primeira turma do Supremo Tribunal Federal, em inédita decisão que tratava do adicional instituído pelo Estado de Goiás (RE 1.226.027), declarou a inconstitucionalidade da majoração de alíquota do ICMS ao Fundo Protege. Na análise, ele reconheceu que não há jurisprudência pacífica sobre o tema (não analisado pela ADI 2.869), indicando que a EC 42/03 não tem capacidade de constitucionalizar legislações futuras, que não cumpriram o rigor formal de Lei Complementar. Essa decisão transitou em julgado em 17.08.2020.

Com a retomada do julgamento do ARE 1.407.595 em 1º de fevereiro pela Segunda Turma do STF, as operações com combustíveis podem ser afetadas com maior seguridade jurídica, pois a exigência contida na EC 42/03 é de que os Fundos de Combate à Pobreza sejam feitos por meio de Lei Complementar, com a participação e concordância da maioria qualificada da Assembleia Legislativa, o que não ocorreu no caso do Goiás e de outros Estados indicados nesse artigo.

Os adicionais de ICMS sobre combustíveis afetam diretamente o preço final da bomba, o que torna sensível o tema, sendo importantíssima a uniformização da jurisprudência do STF.

Mario Prada; Gustavo Almeida Barreira

Mario Prada é sócio de Tributário do Mattos Filho.

Gustavo Almeida Barreira é advogado do escritório Mattos Filho.

Gostou do artigo? Compartilhe em suas redes sociais

iplwin login

iplwin app