‘Janela quebrada’ no direito tributário

Janssen Murayama

Fréderic Bastiat, em sua obra “O que se vê e o que não se vê”, chamou a atenção do mundo para o fato de que uma decisão econômica somente pode ser considerada boa levando em consideração o “quadro completo” da situação, ou seja, uma decisão não pode ser analisada considerando-se apenas suas consequências imediatas, devendo-se, também, levar em conta aquelas de longo prazo.

Para demonstrar a sua teoria, o escritor e economista francês do século XIX nos deixou a famosa lição da “falácia da janela quebrada”. Segundo ela, ao quebrar a janela de uma loja, supostamente haveria consequências boas, pois geraria empregos aos vidraceiros.

O que se vê é o aumento imediato da arrecadação pelos Estados, mas o que não se vê é a perda futura da arrecadação
Isso é o que se vê, mas o que não se vê é que o dinheiro gasto para consertar a janela quebrada poderia ser usado para a ampliação da loja, para a aquisição de novos produtos ou para a realização de propagandas – o que também faria com que houvesse criação de empregos em diversos setores econômicos, além do melhor aproveitamento dos recursos e do desenvolvimento da economia de uma forma geral.

O caso dos benefícios fiscais de ICMS é uma típica “janela quebrada”, na qual a ânsia do Estado pela arrecadação imediata de tributos acaba gerando consequências negativas a longo prazo, atingindo especialmente a confiança legítima dos contribuintes no Brasil.

Como se sabe, todos os entes federados editaram normas estaduais para instituírem benefício fiscal que, ao final, consistia na redução do valor do ICMS incidente sobre determinadas operações.

Entretanto, por não terem sido fundamentados em convênios do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) assinados pelos outros Estados da federação, tais benefícios fiscais foram objeto de contestação no Supremo Tribunal Federal (STF), que, por sua vez, os declarou inconstitucionais e, nesse contexto, os Fiscos estaduais efetuaram lançamentos para exigir o imposto recolhido a menor.

Para solucionar esse problema, foi aprovada a Lei Complementar (LC) nº 160, a qual autorizou que os Estados e o Distrito Federal deliberassem sobre a remissão dos créditos tributários decorrentes de benefícios fiscais instituídos em desacordo com a Constituição, seguida da edição do Convênio ICMS nº 190/17 pelo Confaz.

Nesse sentido, para dar efetividade às remissões, o referido convênio estabeleceu que as unidades federativas deveriam publicar, em seus diários oficiais, a relação de atos normativos responsáveis por conceder benefícios inconstitucionais, o que foi feito em sua maioria, junto com a edição de portarias, decretos e leis estaduais, todas confirmando a remissão.

A referida remissão tributária já foi validada pelo STF, o qual entendeu que “é constitucional a lei estadual ou distrital que, com amparo em convênio do Confaz, conceda remissão de créditos de ICMS oriundos de benefícios fiscais anteriormente julgados inconstitucionais”.

Todavia, em sentido contrário à lei e à jurisprudência, alguns Estados ainda não extinguiram os créditos tributários, trazendo insegurança jurídica para diversos setores da economia e ferindo a confiança legítima dos contribuintes do Estado do Rio de Janeiro.

Isso porque os contribuintes acreditaram e confiaram nos Estados: (i) quando houve a instituição do benefício fiscal do ICMS via lei estadual; (ii) quando o ente defendeu a sua constitucionalidade em ADIs ajuizadas para contestá-lo, requerendo, inclusive, a modulação dos efeitos do acórdão desfavorável; e (iii) quando o próprio Estado tomou todas as providências burocráticas com o objetivo de remir tais créditos tributários.

O respeito à segurança jurídica também merece ser considerado quando se olha para o passado, já que muitas das normas estaduais julgadas inconstitucionais faziam parte de programas de desenvolvimento de determinados setores da economia mediante a instalação de empreendimentos, com atração de investimentos e consequente geração de empregos. Assim, diversas empresas se instalaram nesses Estados, o que provavelmente gerou um incremento na arrecadação estadual.

Ademais, alguns dos benefícios fiscais concedidos eram onerosos, ou seja, as empresas beneficiadas, para fazerem jus à diminuição do ICMS, deveriam cumprir determinadas contrapartidas, como, por exemplo, a expansão da sua capacidade produtiva e investimento mínimo de capital.

Dessa forma, manter as autuações em tela acaba por violar a confiança legítima do contribuinte brasileiro em nítida afronta ao princípio da segurança jurídica, gerando, ainda, enormes repercussões negativas para as empresas, tendo em vista que precisam registrar contabilmente a contingência em questão, indicar os valores em suas demonstrações financeiras, reportá-los a seus acionistas etc.

Ao se insistir na cobrança de tais créditos tributários, a eventual arrecadação pode até trazer receitas imediatas para o Estado, mas certamente haverá o afastamento de contribuintes de boa-fé no futuro, os quais optarão por fazer investimentos de grande porte em outros Estados da federação e, até mesmo, em outros países – fuga esta que, infelizmente, já vem ocorrendo.

Na lição de Fréderic Bastiat, “o que se vê” é aumento imediato da arrecadação pelos Estados, mas “o que não se vê” é a perda futura da arrecadação, com a fuga de investimento a longo prazo. Não podemos deixar que os nossos governantes quebrem (mais) essa janela dos nossos Estados.
sas informações

Janssen Murayama

Sócio-fundador do Murayama & Affonso Ferreira Advogados, mestre em Direito pela UERJ e fundador e membro do Conselho Consultivo do Grupo de Debates Tributários (GDT)

Gostou do artigo? Compartilhe em suas redes sociais

iplwin login

iplwin app