IS e IPI como instrumentos de sobretaxação de itens nocivos à saúde ou ao meio ambiente

Luiz Carlos Junqueira Franco Filho

Um dos novos tributos previstos na reforma tributária é o Imposto Seletivo (IS), já apelidado como imposto do pecado, por incidir sobre bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.

A tributação voltada a itens considerados nocivos à sociedade não é uma novidade, pois o IPI já exerce esse papel, sobretaxando, por exemplo, cigarros e bebidas alcoólicas. O IPI não é um imposto restrito a itens nocivos, mas permite a aplicação de alíquotas distintas conforme o grau de essencialidade do produto, de maneira que produtos essenciais sejam desonerados ou tributados segundo alíquotas reduzidas, e produtos supérfluos sejam submetidos a alíquotas mais elevadas.

A partir de 2027, no entanto, o IPI ficará restrito a produtos nacionais ou importados que concorram com aqueles fabricados na Zona Franca de Manuais (ZFM), de forma a preservar os incentivos fiscais regionais que lhe são constitucionalmente assegurados. Por conta dessa alteração do perfil do IPI, caberá ao novo IS exercer a função de sobretaxar itens nocivos à saúde ou ao meio ambiente, até porque a Constituição proíbe a incidência cumulativa do IS com o IPI (artigo 126, III, ‘b’, do ADCT).

No entanto, o IS não é exatamente um sucessor do atual IPI, cabendo destacar algumas das principais diferenças entre eles.

Sistema de tributação

A primeira delas diz respeito à sistemática de tributação, que em regra é plurifásica não cumulativa para o IPI e monofásica para o IS, que incidirá em apenas uma vez ao longo da cadeia econômica do bem ou do serviço (produção, extração, comercialização ou importação — CF, artigo 153, inciso VIII c/c §6º, inciso II)

Já no que tange à sua materialidade, o IS é, em tese, mais abrangente do que o IPI, pois o primeiro pode recair sobre bens ou serviços, desde que previstos em lei complementar, ao passo que o último é restrito a produtos industrializados. A extração mineral e as apostas são exemplos de bens e serviços que serão gravados pelo IS, mas não podem ser alcançados pelo IPI.

Além disso, apesar de o IPI fazer as vezes de imposto do pecado, a graduação de suas alíquotas deve obedecer a seletividade levando em conta a essencialidade dos produtos alcançados pela tributação, o que não necessariamente guarda correspondência com o grau de nocividade do produto. Itens de luxo, como equipamentos de golfe, são supérfluos, mas em princípio não prejudicam a saúde nem o meio ambiente, ao passo que certos veículos poluidores, como caminhões e ônibus, são essenciais. Sob esse prisma, o IS é um tributo mais adequado para sobretaxar itens nocivos, por não estar atrelado apenas à essencialidade.

Spacca
De outro lado, a estrutura de normas que a Constituição exige para a cobrança do IS sobre determinado bem ou serviço é muito mais complexa e rígida do que para o IPI.

Alcance do IPI e do IS
Embora restrito a produtos industrializados, até 2026 o IPI segue alcançando uma vasta gama desses produtos e suas alíquotas podem ser modificadas por decreto, com efeitos imediatos, sem observar a regra da anterioridade. Se, por exemplo, um estudo técnico concluir que um determinado produto industrializado é nocivo a saúde e, por conta disso, pode ser considerado supérfluo [1], o chefe do Poder Executivo poderá elevar imediatamente a alíquota do IPI.

Já a instituição do IS está sujeita à reserva de lei complementar e a majoração de suas alíquotas à reserva de lei ordinária e às regras de anterioridade, de maneira que a instituição do IS sobre um bem ou serviço será muito mais complexa e morosa. Em primeiro lugar seria necessária uma nova lei complementar para incluir tal bem ou serviço entre aqueles sujeitos ao IS, o que demanda aprovação por maioria absoluta das duas casas do congresso. Em seguida será necessária uma nova lei ordinária para definir a alíquota do IS.

Implementação dos impostos
Depois de concluídas todas as etapas legislativas para instituir IS sobre determinado bem ou serviço e definir sua alíquota, a sua cobrança só poderá ser iniciada no ano seguinte ao da publicação da Lei Ordinária e não antes de noventa dias após data dessa publicação. Em suma, decisão de sobretaxar um produto hoje pode ser implementada em poucos dias por meio da majoração da alíquota de IPI, mas, com o advento do IS, poderá levar anos para se concretizar.

Embora o perfil constitucional do IS seja mais abrangente do que o IPI, só estarão sujeitos ao novo imposto os bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente previstos na Lei Complementar (LC) 214/25. Além disso, os bens materiais devem estar relacionados no Anexo XVII desse diploma, identificados pelo seu código de classificação na Nomenclatura Comum do Mercosul — Sistema Harmonizado (NCM/SH). [2]

O conceito de rol taxativo, hoje tão presente no ISS, seguirá sendo aplicado no novo IS, com a diferença de que cada item do rol não comporta interpretação ampla como ocorre no ISS.

O artigo 406, inciso V, da LC 214/25, por exemplo, inclui as bebidas açucaradas no rol de bens e serviços sujeitos ao IS, mas o Anexo XVII só faz referências aos produtos classificados no código 2202.10.00 do NCM/SH, que corresponde basicamente a refrigerantes e refrescos. Em contrapartida, bebidas classificadas em outros códigos do NCM/SH, como néctares de frutas e achocolatados, não serão tributados pelo IS, a menos que a Lei Complementar 214 seja alterada, o que não é trivial.

Em suma, a tributação específica de itens considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente passará por mudanças significativas com a substituição do atual IPI pelo IS. A estrutura normativa muito mais rígida do IS assegura mais direitos e segurança jurídica aos contribuintes e aos consumidores, mas retira do governo federal a agilidade para utilizar o “imposto do pecado” como um instrumento de política pública em prol da saúde e do meio ambiente. Resta saber se esse novo modelo será capaz de induzir comportamentos de consumo mais saudáveis e sustentáveis ou será apenas mais uma fonte de arrecadação para o Estado.

[1][1] Reitere-se que nem todo bem nocivo é necessariamente supérfluo.

[2] Serviços e bens imateriais como os concursos de prognósticos e “fantasy sports” também estão relacionados no mesmo Anexo XVII, mas não há remissão a um sistema de classificação e codificação, como a Nomenclatura Brasileira de Serviços (NBS).

Luiz Carlos Junqueira Franco Filho

é advogado tributarista da CBLM Advogados.

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