IPI – Não incidência na importação de carro por pessoa física para uso próprio
Rafael Santiago Araujo
O Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, previsto constitucionalmente no artigo 153, IV, da Carta Magna, cuja competência tributária é da União Federal, tem como fato gerador as seguintes situações:
a) Importação (início do desembaraço aduaneiro);
b) Saída do estabelecimento industrial ou equiparado de produto industrializado;
c) Aquisição em leilão de produto abandonado ou apreendido;
d) Outras hipóteses específicas da lei, como no caso de saída de produtos de estabelecimentos equiparados a industrial ou a primeira saída por revenda de produtos importados etc.
Para o presente artigo, nos ateremos ao fato gerador ocorrente na importação, mais precisamente no desembaraço aduaneiro.
Antes, insta-nos destacar um caráter importante do IPI, que é o princípio da não-cumulatividade, conhecida pelos norte-americanos como value-added. Segundo tal postulado, em cada operação tributada pelo gravame em debate deve ser abatido o valor pago a título do imposto na operação anterior (art. 49 do CTN).
Com efeito, no momento da entrada de mercadorias tributadas pelo IPI, o Contribuinte planilha como crédito o que foi pago como tributo, ao passo que na saída de mercadorias, o valor do imposto é lançado contabilmente como débito.
No final da operação, se o débito for maior, recolhe-se o imposto. Por sua vez, se o crédito for maior, compensa-se na próxima operação. Tem-se aí a sistemática do princípio da não-cumulatividade.
Ocorre que, um tema recorrentemente discutido chegou ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, os quais já se manifestaram pela não incidência. Trata-se da não incidência do IPI sobre a importação de veículos por pessoa física para uso próprio.
A celeuma residia na impossibilidade do cumprimento do princípio da não-cumulatividade na importação de produto para uso próprio por pessoa física.
Explica-se: por não se tratar de uma transação mercantil, o contribuinte teria que arcar com o encargo do tributo, já que não poderia compensá-lo a título de crédito, visto que não houve a transferência da mercadoria para outrem. Ou seja, após a aquisição do bem pelo contribuinte, encerra-se o ciclo econômico, pois não se trata de uma transação de natureza mercantil.
Desse modo, não havendo transferência da mercadoria para terceiros, o contribuinte adquirente do bem teria que arcar com o ônus tributário em razão da impossibilidade de se valer do princípio da não cumulatividade.
Os defensores da incidência do imposto em tal operação alegam que o Código Tributário Nacional não faz distinção entre pessoa física ou jurídica, eis que o artigo 46 do referido diploma reza que o contribuinte do IPI é o importador ou quem a lei a ele equiparar.
No entanto, ao prosseguir por esse raciocínio, a questão esbarraria no artigo 49 do CTN, cuja redação é no sentido de que “(…) O imposto é não-cumulativo, dispondo a lei de forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados (…).”
Ocorre que, no caso de importação por pessoa física para uso próprio, por se tratar de consumidor final, o abatimento não poderia ser realizado, o que justifica a não incidência do IPI.
Deveras, do contrário, seria verdadeira afronta ao princípio da isonomia, pois para determinados contribuintes, que realizam a transação sobre o manto da natureza mercantil, é aplicável o princípio da não cumulatividade, de modo que o valor pago é repassado à operação futura, ao passo que para o consumidor final, não sendo possível repassar a quantia, teria que despender de recursos para arcar com os valores a serem recolhidos aos cofres federais.
Ademais, vale salientar que o princípio da não-cumulatividade está previsto na Constituição Federal (art.153, § 3º, II) e é cláusula pétrea, consistindo em garantia individual do cidadão, portanto, não podendo sofrer limitação na sua aplicação.
Destarte, na impossibilidade de se fazer valer o preceito constitucional da não-cumulatividade, não é razoável fazer arcar o consumidor final com tributo que por outros contribuintes, cujos quais praticam as operações de natureza mercantil, não seria devido pelo simples fato de que a eles é possível a aplicação da sistemática não-cumulatividade.
Não obstante, apesar da definição dada pelo STJ no que concerne a não incidência do IPI, a última palavra será dada pelo Supremo Tribunal Federal. A discussão teve repercussão geral reconhecida no bojo do RE nº 723.651, sob a Relatoria do Ministro Marco Aurélio, que entende pela constitucionalidade da incidência. A análise está em trâmite, com pedido de visto Ministro Roberto Barroso.
Entrementes, em que pese o entendimento externado pelo Ministro Marco Aurélio, entendemos pela inconstitucionalidade da incidência do IPI nas importações de veículos para uso próprio, uma vez que afronta diretamente o princípio da não-cumulatividade.
Rafael Santiago Araujo
Advogado Tributarista. Graduado pela Universidade Cruzeiro do Sul.