Influência dos IFRS nas novas regras de preços de transferência

Edison Fernandes

Entre o fim de 2013 e meados de 2014, tramitou no Congresso Nacional a Medida Provisória nº627, que viria a ser convertida na Lei nº 12.973. Essa medida provisória adaptava a legislação dos tributos sobre o lucro (IRPJ/CSLL) e sobre a receita (PIS/COFINS) ao então “novo” marco regulatório da Contabilidade no Brasil, baseado nas International Financial Reporting Standards – IFRS.

Diferentemente do que ocorrera nos 30 anos anteriores, foi fortalecida a relação entre contabilidade e tributação, fruto dos estudos e dos debates durante a tramitação da mencionada medida provisória. Ao que parece, esses frutos continuam brotando.

No fim de 2022, foi editada a Medida Provisória nº 1.152, que dispõe sobre as novas regras de controle fiscal dos preços de transferência, aproximando a legislação brasileira às diretrizes da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

De maneira bastante resumida, essas regras estabelecem princípios que devem orientar a avaliação das transações entre partes relacionadas, de modo a compará-las com as transações de mercado, ocorridas entre partes independentes. Na leitura do texto da medida provisória de 2022, salta aos olhos a forte influência dos IFRS na nova regulamentação.

Os conceitos de partes relacionadas e de transações controladas podem ser identificados com os conceitos de controle (Pronunciamento Técnico do Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC 5 e CPC 36) e de influência (CPC 18 e CPC 19).

Para o que a MP 1.152 denomina de “delineamento da transação” – que, na verdade, trata-se da qualificação ou requalificação das transações –, cabe em tudo as diretrizes dos IFRS sobre a prevalência da essência sobre a forma (prevista expressamente na Estrutura Conceitual para Relatório Financeiro, conhecida como CPC 00).

Os critérios para identificação da natureza das transações são de semelhança gritante: termos contratuais; funções desempenhadas, inclusive riscos assumidos e remuneração percebida; características específicas do objeto (mercadoria, serviço ou direito); outras circunstâncias econômicas; e estratégia de negócio ou modelo de negócio, como se refere os IFRS.

Isso quer dizer que os técnicos da OCDE, ao elaborar suas diretrizes para o controle fiscal dos preços de transferência, seguiram as manifestações do International Accounting Standards Board – IASB (órgão responsável pelos IFRS)? É muito provável que não. No entanto, para a redação das regras brasileiras sobre o tema, acredito que muitas lições aprendidas e apreendidas durante a tramitação da MP 627 foram utilizadas na MP 1.152.

De qualquer maneira, a semelhança entre as diretrizes sobre controle fiscal dos preços de transferência e o padrão internacional das demonstrações financeiras não são mera coincidência.

No controle fiscal dos preços de transferência, busca-se a comparação entre transações que tenham o mesmo delineamento (qualificação). E os melhores instrumentos “inventados” até hoje para identificar os riscos e a remuneração, que qualificam as transações, inclusive sob a ótica jurídica, ainda são as demonstrações contábeis.

Edison Fernandes

Doutor em Direito pela PUC-SP, professor doutor da FEA-USP e da FGV Direito SP, titular da Academia Paulista de Letras Jurídicas

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