Imposto Seletivo e tributação regulatória

Pedro Merheb

A Emenda Constitucional nº 132/2023 reconfigurou os eixos da extrafiscalidade no Brasil ao renovar os fundamentos constitucionais da tributação seletiva, até então rasamente endereçada pela disciplina relativa ao IPI e ao ICMS na Constituição. A mera alusão à seletividade, da qual se extrai apenas que o ônus tributário deve ser inversamente proporcional à essencialidade dos bens, foi substituída por uma referência direta ao risco à saúde e ao meio ambiente como expressão da materialidade tributária.

A função extrafiscal passa a ser expressamente vinculada à proteção da saúde e do meio ambiente, indicando que o Imposto Seletivo assume uma vocação sobretudo regulatória dos bens que se propôs a tutelar. Essa característica não é estranha à extrafiscalidade praticada no Brasil pelo IPI e pelo ICMS, que há muito desincentivam o consumo de bens temerários à saúde com alíquotas maiores. A premissa, isto é, a redução do consumo pelo agravamento da alíquota, permanece em função do caráter indutivo da nova espécie tributária, entretanto, com a dimensão ambiental e o refinamento metodológico articulados pela EC nº 132/2023 e pela Lei Complementar nº 214.

Na condição de uma medida eminentemente regulatória, não obstante a sua natureza tributária, a administração do Imposto Seletivo não pode se furtar a práticas determinantes para o sucesso de políticas públicas. Assim, ao editar o regulamento aplicável ao Imposto Seletivo, cabe ao chefe do Poder Executivo da União, prever:

Spacca

1. A elaboração de análises ex-ante e ex-post das alíquotas como um todo, bem como dos critérios para graduação ou redução a zero da alíquota nas hipóteses admitidas pelo legislador;

2. Definição de metas específicas;

3. Cooperação entre a Receita Federal e os ministérios da Saúde e do Meio Ambiente para monitoramento dos resultados;

Tais previsões decorrem não de um capricho, de um aceno cosmético do poder regulamentar à higidez regulatória, mas da seriedade técnica que impõe a tutela dos imperativos contemplados pela exação em comento.

Extrafiscalidade ficará ainda mais rarefeita
Sem embargo, o aperfeiçoamento regulatório do Imposto Seletivo não se dá apenas em sede regulamentar. Apesar dos avanços empreendidos ao longo da gestação da LC nº 214/2025, como a inclusão de bebidas açucaradas entre as hipóteses de incidência, o seu alcance ainda destoa das tendências mais reputadas em health taxes, visto que alimentos ultraprocessados seguem intocados pelo raio de incidência do Imposto Seletivo. Além das falhas materiais, a exagerada largueza do prazo para avaliação ex-post sob a redação atual do artigo 476 da LC nº 214 do exige pronta revisão pelo legislador [1].

A extrafiscalidade do Imposto Seletivo, já sutilmente esmaecida pela hipótese de que eventual redução da arrecadação pós-IPI será compensada pela receita do IS (artigo 477, LC nº 214), se tornará ainda mais rarefeita sem o zelo pela governança regulatória que lhe cabe enquanto política pública.

[1] Nesse sentido, acerta o Projeto de Lei Complementar nº 30/2025 ao propor que a avaliação em referência se dará anualmente e não em cinco anos como fixa a redação vigente.

Pedro Merheb

é relator do GT sobre o imposto seletivo da Comissão Especial da Reforma Tributária da OAB-DF e advogado.

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