Imposto Seletivo e extração de bens minerais
Lina Santin
A Emenda Constitucional (EC) 132/2023 inseriu o inciso VIII ao artigo 153 da Constituição Federal, atribuindo competência à União para instituir o Imposto Seletivo (IS) sobre a “produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar”.
O inciso I do parágrafo 6º do artigo 153 estabelece que “não incidirá sobre as exportações” e o inciso VI determina que “na extração, o imposto será cobrado independentemente da destinação (…)”. Ao dispor que “independe da destinação”, referido inciso VI não faz exceção expressa ao inciso I, de modo que não está se sobrepondo ao comando que exclui sua incidência sobre as exportações.
Da interpretação desses dispositivos em conjunto extrai-se que o Imposto Seletivo (i) não incide sobre exportações; e (ii) na extração será cobrado independentemente da destinação, ou seja, independente da sua “finalidade” ou “utilização”, ou seja, tanto faz se será destinado à um aparelho de saúde, por exemplo, um raio-X, ou se para fabricação de um carro.
Contudo, a atual redação do artigo 410, V, do Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024 – originalmente apresentado pelo Poder Executivo, aprovado pela Câmara dos Deputados e agora em trâmite perante o Senado Federal – prevê a ocorrência do fato gerador do Imposto Seletivo no momento “da exportação de bem mineral extraído”.
Defende-se, assim, que ao prever que a incidência do Imposto Seletivo sobre a extração e bens minerais “independente da destinação”, a EC 132/2023 teria autorizado a sua cobrança inclusive sobre a exportação, entendendo que a palavra destinação foi empregada no sentido de “territorialidade”, referindo-se ao “local de destino”, ou seja, ainda que remetido para território estrangeiro.
Não nos parece que essa interpretação resista à uma análise holística do sistema econômico – dado o efeito nocivo para o comércio internacional e balança comercial brasileira – e jurídico, vez que a imunidade tributária sobre exportações rege todos os tributos sobre o consumo em vigor, conforme comandos constitucionais para ISS (artigo 156, parágrafo 3º, II), ICMS (artigo 155, parágrafo 2º, X, “a”) e IPI (artigo 153, parágrafo 3º, III); bem como comandos legais para PIS (artigo 5º, III, Lei 10.637/2002), e Cofins (artigo 6º, III, Lei 10.833/2003).
Essa seria a primeira vez a admitirmos a tributação de exportações, contrariando também a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmada sob a égide da Constituição Federal. Nas palavras do ministro Gilmar Mendes: “As imunidades relacionadas à exportação que são albergadas pela nossa Constituição Federal desde a sua redação originária trazem, sim, como princípio norteador a ideia de não exportar tributos” (RE 704.815).
Outro aspecto que chama atenção é o fato do Imposto Seletivo ter em sua origem a natureza de um “Excise Tax”, imposto especial utilizado para desestimular o consumo de determinados itens em razão de seus efeitos nocivos. Daí o apelido de “Sin Tax” ou “Imposto do Pecado”, uma vez que onera comportamentos como o vício do cigarro, jogos de azar, dentre outros. É neste sentido que o Imposto Seletivo brasileiro foi instituído, complementando o modelo IVA-dual do IBS e da CBS, sujeitos ao princípio da neutralidade.
Ora, é inevitável nos perguntarmos: é interesse do Estado brasileiro desestimular a extração de bens minerais? Como exemplo, podemos citar o minério de ferro, terceiro produto mais exportado pelo Brasil, atrás apenas da soja e do petróleo. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), as exportações do produto geraram aos cofres brasileiros cerca de US$ 30 bilhões no ano passado.
Outra indagação relevante é: o bem mineral é prejudicial à saúde ou ao meio ambiente? A resposta correta é: depende. Existem alguns bens minerais que fazem mal à saúde, como o silício, o amianto, o urânio, dentre outros. Esse não é o caso do minério de ferro, mineral mais extraído no Brasil e também o mais exportado.
Não se nega que a atividade de extração mineral possa causar impactos ao meio ambiente, mas essa é uma questão que deve ser resolvida pela adoção de processos cada vez mais sustentáveis, impulsionados pela instituição de normas, órgãos regulatórios e fiscalização eficientes, não pela cobrança do Imposto Seletivo. Ressalte-se que a extração de minério de ferro no Brasil já é considerada uma atividade de baixa emissão de carbono.
A extração mineral é necessária para viabilizar a transição energética pela qual ainda patinamos e pouco evoluímos nos últimos anos, sem deixar de citar a recente aprovação da Política Nacional de Transição Energética (PNTE) ocorrida em 26 de agosto último: há minérios essenciais à viabilização de tecnologias limpas.
De acordo com o estudo “Minerals for Climate Action: The Mineral Intensity of the Clean Energy Transition”, produzido pelo Banco Mundial, mais de três bilhões de toneladas de minérios e metais serão necessários para viabilizar a implementação e o armazenamento de energia eólica, solar e geotérmica, por exemplo.
A última questão que nos resta responder como nação é: qual o pecado que se pretende tributar? O pecado da extração de um bem importante para economia brasileira? O pecado da exportação de um bem relevante para nossa balança comercial? O pecado da extração de um bem que em si não faz mal à saúde e ao meio ambiente? O pecado da extração de um bem essencial para a transição energética?
Conforme já dissemos, pecado e virtude são os lados opostos da mesma moeda. O nosso futuro Imposto Seletivo será como remédio ou veneno: a depender da dose e da aplicabilidade, teremos um ou outro.
Lina Santin
pesquisadora do NEF/FGV e sócia de Salusse Marangoni Parente e Jabur Advogados