Implicações jurídicas do parcelamento de débito com a administração tributária

Arthur Dias

Como todos sabem, o Brasil suporta um sistema tributário altamente complexo. Um emaranhado de normas que surgem diuturnamente, sobrepondo-se umas às outras, em que, para regulamentar a aplicação de determinadas leis, são produzidas ainda mais normas — num sistema que parece preocupado, exclusivamente, com a arrecadação. Fora isso, tem-se a produção normativa dos tribunais, judiciais e administrativos, que, tendo a missão de aplicar o Direito, produzem diversas interpretações, muitas vezes conflitantes, incapazes de gerar a segurança jurídica necessária para que os agentes privados possam desenvolver os seus negócios.

Diariamente, empresas são autuadas em razão do descumprimento de alguma regra, portaria, instrução normativa, ou do preenchimento equivocado de alguma declaração — embora empreguem muitas pessoas e gastem dezenas de horas para cumprir com essas obrigações.

Ao ser notificado de alguma desses autuações, o contribuinte, na ânsia de regularizar a sua situação — ou pelo menos minimizar os danos que podem dali advir — pode ceder ao ímpeto de, apressadamente, firmar um parcelamento daquele débito com a administração tributária. Ocorre que essa pode não ser a melhor saída. Proceder a um parcelamento fiscal apressadamente, sem analisar se aquele débito cumpre com os requisitos mínimos exigidos pela lei, apenas para obter certidões de regularidade fiscal, ou impedir eventuais constrições, pode gerar consequências negativas para a empresa.

E essa análise é, ou deveria ser, feita por um profissional da área jurídica, que atue com a legislação tributária — e não somente por alguém da área financeira ou contábil, a quem, por vezes, escapa o conhecimento das consequências jurídicas.

Em se tratando de débito que venha no bojo de uma citação para pagamento ou oferta de bens em garantia, como é a citação em execução fiscal, o parcelamento tem o efeito de interromper a prescrição, pois denuncia a ciência do executado daquele débito, realizando a hipótese do inciso IV do parágrafo único do artigo 174 do CTN. Aliás, o mero pedido de parcelamento — ainda que este não seja deferido — interrompe a prescrição, conforme decidiu a 1ª Seção do STJ, ao editar a súmula 653: “o pedido de parcelamento fiscal, ainda que indeferido, interrompe o prazo prescricional, pois caracteriza confissão extrajudicial do débito”.

Esse também é o efeito quando o débito não é ainda objeto de cobrança judicial, pois o inciso IV do artigo 174 do CTN fala que a prescrição se interrompe por qualquer ato do devedor que importe em reconhecimento do débito, ainda que este ato seja extrajudicial.

Portanto, o pedido de parcelamento — que muitas vezes pode ser fruto do conselho de profissionais do setor financeiro ou contábil da empresa, conselho esse ofertado com a melhor das intenções — quando feito sem análise das questões jurídicas, como, por exemplo, a decadência ou a prescrição do crédito, ou o cumprimento, pela CDA, das exigências da lei específica, pode resultar, como se disse, em prejuízos para o contribuinte.

De fato, a requisição do parcelamento pode ter como resultado a frustração de uma prescrição viria a se configurar dali a algum tempo — retirando da empresa uma importante matéria de defesa caso a execução venha a seguir. E a prescrição, uma vez interrompida, tem sua contagem reiniciada por inteiro, “do zero”. Importa lembrar, por outro lado, que o parcelamento de débito já prescrito não “ressuscita” a possibilidade da sua cobrança pelo fisco.

Um outro erro a que uma análise apressada poderia levar é o contribuinte pensar que o parcelamento obrigatoriamente liberará bens bloqueados, como um veículo necessário para as atividades, ou mesmo valores bloqueados em contas bancárias.

Conforme definiu o STJ no julgamento REsp 1.696.270 – MG, o parcelamento fiscal só libera bens bloqueados se o bloqueio tiver sido feito após o parcelamento, do contrário, será mantido. Neste caso, restaria a possibilidade, a depender da análise do caso concreto, da substituição do bem constrito por fiança bancária ou seguro garantia, tendo o contribuinte que demonstrar a necessidade da aplicação do princípio da menor onerosidade.

A liberação de bens constritos, bloqueados ou penhorados, caso essas indisponibilidades tenham sido efetivadas antes do parcelamento, não será possível via parcelamento fiscal, ou seja, o parcelamento não tem o poder de liberar bens bloqueados, se esses bloqueios tiverem sido feitos antes do parcelamento. Caso as restrições tenham sido feitas após o parcelamento, serão, por óbvio, ilegais, pois o débito estará com sua exigibilidade suspensa.

Desse modo, vê-se que o parcelamento não é um remédio universal para as questões de solvência e regularidade das empresas. É, sim, instituto que tem auxiliado milhares de companhias a se manterem regulares e operantes — principalmente em tempos de crise, mas a adesão a qualquer parcelamento fiscal, seja qual modalidade for, não deve levar em conta somente o aspecto financeiro imediato, deve levar em consideração as consequências e implicações jurídicas, tão importantes quanto.

Arthur Dias

Advogado e pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

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