Impedimento do exercício das garantias constitucionais do sujeito passivo tributário
Diana Bittencourt
Por Diana Bittencourt
Exige-se do sujeito passivo tributário a comprovação da existência de um requisito de licitude – designado por Propósito Negocial – para as operações societárias que tenham por resultado a redução da arrecadação tributária aos cofres públicos, configurando um planejamento tributário.
Na inexistência de comprovação de existência de referido requisito de licitude, o sujeito passivo da relação jurídico-tributária, encontra-se sujeito à possibilidade de o planejamento tributário por ele realizado ser, seja na via administrativa – Carf – ou na judicial, invalidado por mais que tenha sido realizado licitamente.
Em adição, observa-se que esse Propósito Negocial, que se apresenta como um requisito de licitude, não é um pressuposto jurídico de validade de um planejamento tributário, mas se define como um motivo extrafiscal, razão pela qual, no âmbito jurídico, é ontologicamente impossível defini-lo, tendo em vista que o “propósito” de realização de uma determinada operação societária, que decorra em economia tributária, está abrangido por um contexto social e econômico extremamente amplo, no qual se encontra inserido o sujeito passivo da relação jurídico-tributária.
Ademais, vale lembrar que faz parte da boa administração de toda empresa a busca pela utilização adequada de seus recursos, objetivo que contempla a perquirição da economia tributária, no sentido de se buscar modelos menos onerosos, como se busca em relação a todas as demais despesas da empresa.
Sob esse prisma de análise, evidencia-se que a validade de um planejamento, que tem por conteúdo uma operação societária, está condicionada a um requisito de licitude – Propósito Negocial – cujo sentido é definido ontologicamente em consonância com a livre-iniciativa, consubstanciada no art. 170 da Constituição Federal de 1988 (CF/88), inerente à exploração de qualquer atividade econômica por uma sociedade empresária no país.
O ponto fulcral dessa problemática está na forma que o fisco interpretará referida operação, a qual, em que pese estar vinculada a uma liberalidade econômica, assegurada constitucionalmente, que é exercida com base no que não é juridicamente proibido, pode ser interpretada como um negócio jurídico simulado para fins de omissão de receita passível de tributação.
Nessa hipótese, o sujeito passivo tributário – contribuinte/responsável – estaria incorrendo na prática de um crime contra a ordem tributária tipificado na Lei n°. 8.137/1990, o que, de fato, implica um cenário de incerteza jurídica, bem como de inobservância do próprio Princípio da Estrita Legalidade no Direito Penal devido à discricionariedade no processo de validação do que seria um “Propósito Negocial” legítimo para a autoridade administrativa.
Portanto, nesse cenário de incerteza, é crucial distinguir uma política de economia do empresário de uma operação manifestamente abusiva e que tenha o intuito , ou melhor, o dolo específico de ocultar de forma fraudulenta a ocorrência do fato gerador da administração tributária.
Exigir o Propósito Negocial como causa antecedente que justifique a realização de uma determinada operação, a qual se configura como um Planejamento Tributário, na visão de Alberto Xavier, além de ilegal por não haver previsão normativa expressa nesse sentido, mostra-se também inconstitucional por violar princípios contemplados na Constituição Federal de 1988: Exercício Regular de Direito; Segurança Jurídica e Livre Exercício da Atividade Econômica.
Esses princípios constitucionais, de fato, são os que legitimam o contribuinte e /ou responsável tributário a, dentro dos sentidos passíveis de extração do texto normativo tributário, escolher por ter sua atividade econômica enquadrada no sentido normativo que represente, no âmbito de exploração de seu objeto social, menor arrecadação tributária.
Tal comportamento do contribuinte, visando a reduzir o custo tributário inerente a sua atividade econômica, encontra-se salvaguardado pelos princípios constitucionais do Exercício Regular de Direito e Livre Exercício da Atividade Econômica, tendo em vista que ele opta, valendo-se das aberturas existentes na própria legislação tributária, por enquadrar a atividade da sua empresa em um texto legal que lhe proporcione uma economia tributária.
Quanto à Segurança Jurídica dessa escolha do contribuinte em realizar um planejamento tributário, ela fica sujeita à invalidação pelo poder judiciário ou pelo próprio Carf caso seja desprovida de um Propósito Negocial, o que, certamente, gera um cenário de instabilidade jurídica, no qual o contribuinte que racionaliza e maximiza a exploração da sua atividade econômica, pode ter sua operação, que represente economia tributária, invalidada.
Essa incerteza jurídica, na verdade, beneficia o sujeito passivo tributário ineficiente, que não age com o escopo de expandir seus negócios e, dessa forma, propulsionar o próprio desenvolvimento econômico e social do país mediante o emprego eficiente dos recursos financeiros que lhe são proporcionados ante à economia tributária decorrente da realização de um planejamento tributário.
Nesse sentido, o que se defende, nesse artigo, é o entendimento segundo o qual só se mostraria ilícito um determinado planejamento tributário na hipótese em que o sujeito passivo ao invés de agir, licitamente, com o intuito de reduzir sua carga tributária, opta por agir de forma intencional a fim de ocultar do credor – Fisco – os fatos tributáveis por ele praticados mediante uma conduta fraudulenta.
Esse ato intencional, de forma evidente, é o que comprometeria a licitude do intento do contribuinte em obter uma economia tributária, o que não se opera na hipótese em que ele, de forma lícita, agindo dentro dos sentidos passíveis de extração da legislação tributária, opta por enquadrar sua atividade no sentido que culmine no surgimento de uma obrigação tributária menos onerosa.
Dessa forma, partilhando-se do entendimento de Alberto Xavier, em termos de Direito Tributário, dever-se-ia operar a tipificação de uma determinada situação fática como infração tributária para fins de persecução criminal somente na existência de uma conduta ardilosa e intencional do contribuinte com o fito de driblar o Fisco mediante a prática de outros atos também tipificados como um ilícito penal.
Agir dentro dos sentidos normativos passíveis de extração de um determinado texto-normativo tributário, bem como valer-se de estruturas jurídicas lícitas para obter redução da carga tributária, mostra-se como um exercício regular do direito de explorar uma atividade econômica da forma que se mostre mais vantajosa no mercado, o que corresponde à garantia constitucional prevista como livre-iniciativa, e que está diretamente relacionada à racionalização da exploração de uma atividade econômica pelo próprio sujeito passivo tributário, a qual gera efeitos positivos não só no âmbito econômico, mas também no social.
Portanto, o que seria crível dentro da conduta antijurídica criminalmente – fato típico, ilícito e culpável – , quando se observa as condutas descritas nos artigos 1º. e 2º. da Lei 8.137/90 tem-se, igualmente, o dolo como tipo subjetivo, é a interpretação consistente na presença do elemento subjetivo do injusto, consistente no especial fim de agir (eximir-se total ou parcialmente de pagamento de tributos) para ocultar fraudulentamente a ocorrência do fato gerador.
Dessa forma, escriturar uma determinada operação societária dentro das brechas oferecidas pela própria legislação tributária engloba garantias constitucionais asseguradas ao empresário, como livre-iniciativa e exercício regular de direito, correspondendo a uma conduta que deve ser interpretada pela jurisprudência brasileira como atípica para fins de persecução penal e enquadramento na Lei n°. 8.137/90.
Diana Bittencourt
Sócia do Bittencourt Advogados; advogada pela Faculdade de Campinas (FACAMP); pós-graduanda em Direito Penal Econômico e Corporativo pelo Instituto de Direito Público (IDP/SP) com enfoque em Crimes Empresariais e Tributários, Processo Penal e Leis Penais Especiais; especialista em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (GVLaw/SP); e membro da Comissão de Direito Penal Econômico da OAB/SP.