Funrural, agroindústria e requalificação de atividades pelo critério da preponderância

Fábio Pallaretti Calcini

Este breve texto para nossa coluna é uma homenagem ao 36º Congresso Brasileiro de Direito Tributário promovido entre nos dias 21 a 23 de junho em São Paulo pelo IGA-Idepe, atualmente, sob a presidência do professor doutor Paulo Ayres Barreto.

Trataremos da tributação da agroindústria, tendo por enfoque a questão do critério da preponderância como forma de qualificar sua atividade e respectiva tributação para fins de contribuições previdenciária.

Sabemos que, embora a regra geral seja para as pessoas jurídicas empregadoras a tributação previdenciária sobre a folha/remuneração (artigo 22, da Lei n. 8212/91), no agronegócio isto dá de modo diverso.

Isto porque, como regra, em substituição à tributação sobre a folha/remuneração acima descrita, no caso de agroindústria, prevê o artigo 22-A da Lei n. 8.212/91 sobre o valor da receita bruta proveniente da comercialização:

“Art. 22A. A contribuição devida pela agroindústria, definida, para os efeitos desta Lei, como sendo o produtor rural pessoa jurídica cuja atividade econômica seja a industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros, incidente sobre o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção, em substituição às previstas nos incisos I e II do art. 22 desta Lei, é de: (Incluído pela Lei nº 10.256, de 2001).
I – dois vírgula cinco por cento destinados à Seguridade Social; (Incluído pela Lei nº 10.256, de 2001).
II – zero vírgula um por cento para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade para o trabalho decorrente dos riscos ambientais da atividade. (Incluído pela Lei nº 10.256, de 2001).”

Por força de previsão legal[1] estabelece que, tratando-se de agroindústria, este seria o regime obrigatório — e não facultativo — de tributação.

Segundo artigo 2º, VI, da Instrução Normativa nº 2110/2022, a agroindústria consiste no “produtor rural pessoa jurídica cuja atividade econômica seja a industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros”.

Para esta qualificação jurídica, sujeitando-se à contribuição incidente sobre a receita bruta (Funrural/RAT), a pessoa jurídica há de: (i) – exercer atividade rural; e (ii) – industrializar sua produção, podendo também adquirir de terceiros para esta finalidade.

Existe, portanto, uma conexão entre a atividade rural e o processo produtivo industrial.

Tal aspecto é relevante, uma vez que não podemos reconhecer como agroindústria, para fins desta legislação, uma pessoa jurídica que exerce determinada atividade rural, por exemplo, soja, todavia, a etapa fabril — industrial — não tem qualquer relação, exercendo atividade econômica dissociada, como por exemplo produção de vestuário. Embora exista dentro da mesma pessoa jurídica uma atividade e outra industrial, não se trata de agroindústria.

A grande questão, entretanto, decorre do fato de que a lei, muito menos a legislação infraconstitucional, estabelecem parâmetros a respeito da preponderância da atividade ou receita envolvida na operação a fim de determinar a tributação como agroindústria, segundo artigo 22-A, da Lei nº 8.212/91, ou se estaria na regra geral sobre a folha de salários/remuneração (artigo 22, da Lei n. 8.212/91) [2].

Equivale dizer: em que medida teremos a qualificação como agroindústria ou não? Pela preponderância?

Se a atividade rural for ínfima, havendo a pessoa jurídica adquirido em maior proporção de terceiros para seu processo industrial, isto excluiria a natureza de agroindústria? E a hipótese inversa, a pessoa jurídica exerce atividade rural, todavia, a maior parte dela destina diretamente à comercialização como produto agrícola (in natura), sendo reduzida a quantidade que utiliza como matéria-prima de seu processo industrial, o como seria? Ou, ainda, se a pessoa jurídica de fato tem processo rural com industrialização, no entanto, exerce outra atividade completamente autônoma? Como fica? Por fim, e se por alguma razão não houver receita agroindustrial como fase pré-operacional? Desqualifica?

São reflexões que a Lei e atos infralegais não regulam expressamente.

A jurisprudência do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) tem, no entanto, enfrentado situações semelhantes às questões postas.

Em geral, apesar de nossa discordância, a legislação infralegal estabelece que, no caso de agroindústria, a tributação será pelo total da receita bruta da pessoa jurídica auferida, salvo previsão legal em sentido contrário[3], incluindo-se aquelas de outras atividades autônomas que houverem, como comércio, indústria e serviço[4].

A situação, porém, se torna controversa se tais atividades econômicas autônomas auferirem mais receita — preponderância — do que aquela agroindustrial. A tributação, nesta hipótese, é mantida no artigo 22-A (receita) ou artigo 20 (folha)?

Não existem muitos precedentes, mas cabe destacar um julgamento da Câmara Superior do Carf:

“AGROINDÚSTRIA. NÃO ENQUADRAMENTO. Não se enquadra como agroindústria o produtor rural pessoa jurídica que, além da atividade rural, exercer, de forma preponderante, outra atividade econômica autônoma, seja comercial, industrial ou de serviços”[5].

Nesta decisão o critério da preponderância foi adotado para requalificar a tributação de referida pessoa jurídica, não a considerando uma agroindústria e, por conseguinte, excluindo a tributação sobre a receita e a deslocando para a remuneração ou folha.

Mas, como já apontado nos questionamentos, pode ocorrer de a pessoa jurídica não ter atividade econômica autônoma, todavia, a produção rural própria ou o posterior processo industrial não é preponderante, ou mesmo ínfimo.

A questão da qualificação tributária como agroindústria, para fins de tributação das contribuições previdenciárias sobre a receita artigo 22-A (Funrural/RAT), também possui julgamentos perante o Carf — quando se nota, em concreto, uma “produção ínfima”, seja da etapa rural ou agroindustrial.

A jurisprudência, em regra, reconhecendo, inclusive, nos casos concretos que existe uma conduta até de simulação, voltada à redução da carga tributária, tem desqualificado como agroindústria para fins fiscais previdenciários:

“REGIME FISCAL DO ART. 22-A DA LEI Nº 8.212, DE 1991. IMPOSSIBILIDADE DE ENQUADRAMENTO COMO AGROINDÚSTRIA. É indevida a aplicação do regime fiscal do art. 22-A da Lei nº 8.212, de 1991, à indústria cuja produção própria de madeira é irrelevante em relação àquela adquirida de terceiros, não podendo por isso ser qualificada como agroindústria.” [6]

O que podemos constatar para tais situações e decisões exemplificativas do Carf é a relevância do caso concreto e provas a fim de se diagnosticar quais atividades e operações efetivamente são as mais relevantes — preponderância — quanto à produção e/ou receita auferida a fim de se reconhecer a natureza de agroindústria ou não e, por conseguinte, a incidência da tributação obrigatória – tida como regra geral no agro — prevista no artigo 22-A, da Lei n. 8212/91.

A preponderância nos parece, em tese, uma forma de se buscar o enquadramento, no entanto, por ausência de previsão legal, entendemos que, em regra, havendo produção rural, utilizando para sua industrialização, ter-se-ia uma agroindústria para fins de tributação previdenciária.

A análise, no caso concreto, da preponderância ou produção ínfima, há de ser com cautela e não deve ser um critério puramente objetivo e matemático, cabendo avaliar todo o contexto jurídico e fático, sendo a desqualificação uma medida excepcional e cujo ônus da prova há de ser do Fisco.

Para ilustrar esta ponderação, o próprio Carf em julgamento de uma pessoa jurídica, tecnicamente tida como agroindústria, todavia, sem receita por estar fase pré-operacional, reconheceu a improcedência do auto de infração que havia a desqualificado para determinar a tributação sobre a folha/remuneração:

“LEGÍTIMO ENQUADRAMENTO DA RECORRENTE COMO AGRO-INDÚSTRIA DURANTE A FASE PRÉ-OPERACIONAL. Desconsideração do objeto social da empresa, face a fase inicial de operação, onde não houve a colheita agrícola e instalação de equipamento. Improcedência da fiscalização para desconsiderar o objeto social da empresa.Período preparatório que antecede o início efetivo da produção não desfigura e tão pouco descaracteriza a atividade fim, em si mesma, até que ela se torne efetivamente produtiva.
No caso em tela, agro-indústria possui uma fase operacional longa, ainda que não tenha problemas externos, como os apontados no presente recurso voluntário, e isto implica em períodos que podem ultrapassar dois ou três anos. DESCONSIDERAÇÃO DO OBJETO DA EMPRESA. Desconsideração do objeto social da empresa sem demonstrar a efetividade de outra atividade. A fiscalização não pode desconsiderar o objeto social da empresa sem demonstrar o exercício de outra atividade.
No caso em tela, por questões extra-vontade do contribuinte, a efetiva colheita e produção agro-industrial levou cerca de três anos, mas ainda assim a fiscalização desconsiderou ao seu objeto sem demonstrar outra atividade.” [7]

Em tais condições, são algumas considerações a respeito da tributação das agroindústrias para fins previdenciários, nos termos do artigo 22-A, da Lei nº 8.212/91, levando em consideração debates a respeito de eventual requalificação com base na preponderância ou produção ínfima.

[1] – Contribuição declarada constitucional pelo STF: “É constitucional o art. 22A da Lei nº 8.212/1991, com a redação da Lei nº 10.256/2001, no que instituiu contribuição previdenciária incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção, em substituição ao regime anterior da contribuição incidente sobre a folha de salários” (STF, Tema 281).

[2] Vamos encontrar a questão da preponderância para enquadramento das contribuições destinadas a terceiros e respectivo FPAS IN 2110/2022: “Art. 84. A classificação de que trata o art. 83 terá por base a principal atividade desenvolvida pela empresa, assim considerada a que constitui seu objeto social, conforme declarado nos atos constitutivos e nos dados cadastrais do CNPJ, observadas as regras abaixo, na ordem apresentada:I – a classificação será feita de acordo com o Quadro de Atividades e Profissões a que se refere o art. 577 da CLT, ressalvados os casos dispostos nos arts. 86 e 87 desta Instrução Normativa e as atividades em relação às quais a lei estabeleça forma diversa de contribuição; II – a atividade declarada como principal no CNPJ deverá corresponder à classificação feita na forma do inciso I, prevalecendo esta em caso de divergência; III – na hipótese de a empresa desenvolver mais de uma atividade, prevalecerá, para fins de classificação, a atividade preponderante, assim considerada a que representa o objeto social da empresa, ou a unidade de produto, para a qual convergem as demais em regime de conexão funcional; (CLT, art. 581, § 2º);IV – se nenhuma das atividades desenvolvidas pela empresa se caracterizar como preponderante, aplica-se a cada atividade o respectivo código FPAS na forma do inciso I. (CLT, art. 581, § 1º) Parágrafo único. Considera-se regime de conexão funcional, para fins de definição da atividade preponderante, a finalidade comum em função da qual 2 (duas) ou mais atividades se interagem, sem descaracterizar sua natureza individual, a fim de realizar o objeto social da empresa.”

[3] “§ 2o O disposto neste artigo não se aplica às operações relativas à prestação de serviços a terceiros, cujas contribuições previdenciárias continuam sendo devidas na forma do art. 22 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 10.256, de 2001). § 3o Na hipótese do § 2o, a receita bruta correspondente aos serviços prestados a terceiros será excluída da base de cálculo da contribuição de que trata o caput. (Incluído pela Lei nº 10.256, de 2001).

[4] “AGROINDÚSTRIA. PRÁTICA DE OUTRAS ATIVIDADE AUTÔNOMAS. IRRELEVÂNCIA. A contribuição substitutiva devida pela agroindústria à Previdência Social, incidente sobre a receita bruta de comercialização da produção, engloba também o valor oriundo da comercialização da produção própria e da adquirida de terceiros, industrializada ou não. Não se pode confundir os efeitos jurídicos de uma Pessoa Jurídica produtora rural praticar atividade autônoma com o caso desta mesma atividade ser praticada por uma agroindústria, já que a legislação é expressa ao determinar que a prática de atividades autônomas não influencia no regime de apuração das contribuições previdenciárias das agroindústrias. Ainda que a agroindústria explore, também, outra atividade econômica autônoma, a contribuição previdenciária incidirá sobre o valor da receita bruta dela decorrente” (.CARF, CSRF, Ac. 9202-010.464, j. 24/10/2022).

[5] CARF, CSRF, Ac. 9202­06.911 – 2ª Turma Sessão de 22 de maio de 2018.

[6] CARF, 2ª Seção, Ac. 2401-010.793.

[7] CARF, 2ª Seção, Ac. 2301-004.260, j. 03/12/2014.

Fábio Pallaretti Calcini

Doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), professor da FGV Direito-SP e Ibet e sócio tributarista da Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

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