Frações de Ações Bonificadas

Jeferson Roberto Nonato

Quando uma Sociedade Anônima aumenta seu capital social, transferindo, contabilmente, valores das contas das Reservas de Capital ou das Reservas de Lucros, deve ela observar, com rigor, as disposições do art. 169 da Lei 6.404/76. Segundo este mandamento legal, o evento importa necessariamente em:

a) Aumento do valor nominal das ações, ou;

b) Distribuição de novas ações, correspondente ao aumento, entre os acionistas, na proporção do número de ações que possuírem.

O aumento o valor nominal acontece quando o capital da companhia é, estatuariamente, composto por ações sem valor nominal.

Em se tratando da distribuição de novas ações, a companhia deve atender ao disposto no §3º do art. 169 da Lei nº 6.404/76 que determina:

"§ 3º As ações que não puderem ser atribuídas por inteiro a cada acionista serão vendidas em bolsa, dividindo-se o produto da venda, proporcionalmente, pelos titulares das frações; antes da venda, a companhia fixará prazo não inferior a 30 (trinta) dias, durante o qual os acionistas poderão transferir as frações de ação"

A hipótese estampada neste §3º somente terá aplicação no caso de ser impossível o ato aritmético de se atribuir cada indivíduo acionista, por inteiro, certo numero de ações. Quando o fenômeno acontece surge a figura do "Titular de Fração".

Por seu turno a companhia distribuidora das novas ações assume, de forma compulsória, o papel de depositária destas frações de ações, enquanto o titular da fração assume o polo ativo em negócio de depósito necessário, consoante regra vigente em nosso atual Código Civil que dispõe:

Artigo 647. É depósito necessário:
I – o que se faz em desempenho de obrigação legal;

Durante o prazo de transcorrência deste Depósito Necessário é dever da companhia tomar providencias para o bom desempenho da missão que lhe é imposta pela Lei, qual seja vender estas frações, em procedimento especial da Bolsa de Valores (Instrução CVM 168 de 1.991, alterada pela Instrução CVM nº 252 de 1.996), visando entregar o produto da venda a cada titular de fração.

O ato de venda das frações, embora capitaneado pela companhia, se afirma como negócio realizado por dever legal, visto que a companhia opera como mera depositária. Assim cuida-se de uma venda de ações "sui generis".

De forma absolutamente resumida, esta é a disciplina comercial do evento societário. Resta agora examinar os reflexos na seara tributária.

O primeiro ponto a ser destacado diz respeito à gratuidade havida, pelo acionista, no caso de Ações Bonificadas. Para receber estas ações o acionista não faz nenhum desembolso financeiro. Porém a Lei Tributária exige que a bonificação seja quantificada financeiramente pelo valor das reservas capitalizadas que proporcionalmente corresponda a cada acionista.

Assim temos que embora as ações sejam adquiridas sem nenhum pagamento, a Lei Tributária faz surgir o arquétipo do "Custo Fiscal de Aquisição", conforme se depreende do disposto no §1º do art. 47 da Instrução Normativa RFB nº 1.022 de 2.010, verbis:

Artigo 47. Nos mercados à vista, o ganho líquido será constituído pela diferença positiva entre o valor de alienação do ativo e o seu custo de aquisição, calculado pela média ponderada dos custos unitários.
§ 1º No caso de ações recebidas em bonificação, em virtude de incorporação ao capital social da pessoa jurídica de lucros ou reservas, considera-se custo de aquisição da participação o valor do lucro ou reserva capitalizado que corresponder ao acionista ou sócio, independentemente da forma de tributação adotada pela empresa".

Este artigo 47 está destinado a regrar a apuração do Ganho Líquido no segmento do Mercado a Vista da Bolsa de Valores. É límpido o texto legal no sentido de afirmar que o ganho líquido deve ser apurado comparando-se o valor da alienação com o custo de aquisição, sendo este ultimo informado pela média ponderada de todos os custos unitários, sejam eles decorrentes de aquisição por compra ou por bonificação.

O que não se pode confundir nesta situação são as duplas consequências do evento ações bonificadas. O valor financeiro da bonificação, em quantidade de ativos, deve ser descortinado em seus efeitos no patrimônio jurídico do acionista; o efeito imediato (rendimento) e o efeito mediato (custo fiscal de aquisição).

No que concerne ao efeito imediato temos que houve aumento da riqueza do acionista sem nenhuma contraprestação financeira. Este aumento de riqueza estaria sujeito à tributação caso não houvesse a isenção prevista na letra "a" do inciso XVII do art. 6º da Lei nº 7.713 de 1.988, que se transcreve:

Lei nº 7713 de 1.988
Artigo 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas:
XVII – os valores decorrentes de aumento de capital:
a) mediante a incorporação de reservas ou lucros que tenham sido tributados na forma do art. 36 desta Lei;

Quanto ao efeito mediato temos que observar o mandamento posto no art. 47 da I.N. RFB nº 1.022 de 2.010 que é o dever do acionista, investidor em renda variável, de manter o custo médio dos ativos adquiridos atualizado, independentemente da ocorrência da venda. Isto implica dizer que na data da aquisição de ativos, o controle de estoque deve ser sensibilizado com o registro da nova aquisição, respeitando-se, com todo rigor, a ordem cronológica dos eventos e os respectivos custos de aquisição. Para este procedimento é indiferente se as ações foram compradas ou recebidas em bonificação, por aumento de capital social com reservas.

Em se tratando de números inteiros de ações bonificadas dever-se-á considerar como data de aquisição aquela em que o agente de custódia do investidor efetuar o definitivo crédito do numero de ações bonificadas, permitindo desde logo que o titular dos ativos possa comandar ordens de venda das ações. Assim para efeitos de atualização do custo médio de aquisição bastará tomar esta data e o custo fiscal unitário de aquisição dos ativos bonificados para se chegar ao novo custo médio ponderado levando-se em consideração a quantidade de ativos possuídos antes da bonificação.

Quando for o caso de atribuição de frações de ações, surge a dificuldade em se compatibilizar o que disposto na Lei Comercial com o que disposto na Lei Tributária.

A Lei Comercial aventa duas hipóteses, a saber, no caso do acionista bonificado:

a) Exercer seus direitos pela transferência dos mesmos;

b) Receber em dinheiro o produto da venda de seus direitos.

Em caso de transferência dos direitos, tudo que está posto, em relação ao acionista bonificado, será aplicado em relação ao sucessor daquele que efetuou a transferência dos direitos.

Este ato de transferência assume a configuração jurídica de um ato autônomo em relação aos atos previstos no art. 169, da Lei nº 6.404/76, que são impostos à companhia emissora de ações e à Bolsa de Valores. No aspecto tributário esta transferência também não implicará em assunção de custo fiscal de aquisição de direitos, eis que, este somente será atribuído ao sucessor do acionista que efetuou a transferência por instrumento particular.

Em situação de pagamento em dinheiro, qual seria, então, a data do surgimento das titularidades sobre as frações de ação, para efeitos tributários?

Os efeitos temporais dos atos jurídicos que compõe o plexo de deveres instrumentais, nesta matéria, precisam ser analisados sob dois pontos de vista; o primeiro, do ponto de vista da companhia emissora das ações bonificadas; o segundo, do ponto de vista do acionista bonificado.

Os deveres instrumentais da companhia emissora agrupam-se como um ato jurídico complexivo (um todo composto de várias partes) que têm início com a aprovação da assembleia, passando pela efetiva capitalização das reservas, pela escrituração das atribuições dos números inteiros das ações bonificadas, pela venda especial das frações de ação, e encerrando com a entrega do produto da venda ao titular de cada fração de ação. Muito embora todos estes procedimentos se aperfeiçoem com a prática do ultimo ato necessário, têm-se como data do fato gerador da obrigação societária, da companhia emissora, a data da assembleia que aprovou a bonificação. Esta data instaura a relação jurídica entre a companhia emissora das ações bonificadas e os acionistas.

Instaurada a relação jurídica, surge para o acionista o direito abstrato que decorre da norma jurídica que disciplinou a situação de fato (direito objetivo ou direito "norma agendi"). Todavia o que importa para o acionista investidor não é o direito objetivo; é a concretização material do direito subjetivo, cuja marca fundamental é o poder de ação do credor contra o devedor que violou seu direito.

Enquanto não acontecer todos os eventos futuros e previstos na relação jurídica, não se perfaz o direito subjetivo do acionista (situação jurídica que caracteriza o que se conhece por expectativa de direito).

Voltando ao tema central que é a apuração do ganho ou da perda em renda variável, em situação de fração de ação bonificada, temos que:

a) No papel de depositária, e em procedimento especial de venda a companhia emissora deve vender todas as frações de ações;

b) A liquidação financeira desta venda especial segue as mesmas regras para operações em mercado a vista de ações, ou seja, a liquidação financeira acontece em D+3;

c) Somente no quarto dia útil após a venda das ações é que a companhia emissora poderá entregar, em dinheiro, os valores das vendas das frações, aos respectivos titulares.

Enquanto todos estes procedimentos não forem concretizados, o acionista bonificado só tem a expectativa de direito e não o direito subjetivo aperfeiçoado. Portanto a data a ser considerada para fins de imputação ao controle de estoque do acionista bonificado será a data do efetivo crédito financeiro.

Atente-se que neste caso não é o crédito financeiro igual ao "custo fiscal da aquisição da fração"; este custo deverá ser apurado pela expressão numérica da fração recebida, devidamente multiplicada pelo valor do custo fiscal de capitalização, estabelecido, pela companhia, para emissão de uma ação.

Por todo exposto assentamos nosso entendimento de que o acionista contemplado com fração de ação que foi alienada pela companhia emissora, faz jus à isenção relativa aos pequenos negócios no mercado a vista de ações, parametrizado pelo total de vendas não superior a R$ 20.000,00 no respectivo período de apuração. Quando a companhia vende as frações de ação o faz por dever legal, no papel de depositária transitória dos direitos dos acionistas.

Muitos diriam que o todo escrito é preciosismo visto que os valores envolvidos são imateriais. Todavia a Lei não permite que tal evento seja apartado dos demais que possam ser praticados pelo investidor em renda variável. Pode ele ser uma pequena parte de um todo envolvendo mercado a vista, mercado de opções, ou de futuros ou mesmo de termos.

Seria muito bem vinda uma construção jurídica que incorporasse o Princípio da Imaterialidade, difuso em nosso ordenamento, para assentar um tratamento tributário simples e uno para este evento frações de ação. Todavia, até hoje, ela não existe.

Jeferson Roberto Nonato

Graduado pela EASP/FGV. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil aposentado com especialidade no sistema financeiro. Instrutor da ESAF. Consultor Tributário com especialidade no IRPJ.

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