Fim do voto de qualidade no CARF: pode haver restituição de tributo em razão da aplicação retroativa da nova norma?

Edmar Oliveira Andrade Filho

Neste pequeno estudo pretendo discutir se é ou não possível haver aplicação retroativa da norma da Lei n. 13.988/20 que elimina o voto e qualidade nos julgamentos ocorridos no CARF. Pretendo discutir se a retroatividade, caso seja juridicamente justificável, implica ou não na obtenção do direito de restituição de tributos já pagos em razão de decisão desfavorável ao contribuinte que tenha sido proferida com base no critério de desempate conhecido como “voto de qualidade”. O tema foi suscitado nas razões apresentadas pelo Procurador Geral da República que defendeu o veto do artigo em documento enviado ao Presidente da República.

No referido documento o Procurador Geral considera que a norma – que foi, ao afinal, sancionada – retroage no campo penal e no campo tributário. A retroação no campo penal me parece óbvia porque o ajuizamento de ação penal com base em decisão administrativa em que não se provou – acima de qualquer dúvida razoável – a ocorrência de sonegação ou fraude (que são fatos determinantes da aplicação de multa agravada) constitui um verdadeiro escândalo, conforme sustentei no meu livro “Direito Penal Tributário”, editado em 2015.

No que concerne à retroação no campo tributário julgo conveniente reproduzir as razões apresentadas pelo Procurador Geral, a saber: “Por fim, do ponto de vista tributário, a aplicação retroativa do art. 19-E da Lei n.º 10.522/2002 poderá embasar inúmeros pedidos de restituição dos tributos e/ou valores acessórios recolhidos, em prejuízo ao erário”. Essa declaração está no fecho da petição e foi destacada em negrito.

Fora da esfera penal a retroatividade de uma norma é sempre excepcional nos casos em que a lei nova não contém preceito expresso sobre a retroação ou sobre a transição de um regime jurídico para outro. A despeito disso, parece certo que a nova norma não regula apenas um aspecto do processo administrativo; ela estabelece um critério objetivo de decisão em caso de empate na votação. Trata-se, portanto, de norma de direito material que não se limita a regular o processo de decisão tendo em vista que indica o que deve ser feito, que é a decisão em favor do contribuinte.

Com isso, a norma cria regra nova com diferentes e novos critérios que devem ser adotados para que seja obtida a constituição definitiva do crédito tributário. Não é relevante, para que reconheça o caráter de direito material dessa norma, o fato de que a decisão pode ser modificada por recurso da Fazenda Pública, nos casos em que cabível for.

Se a nova norma não tem caráter eminentemente processual (isto é, não regula exclusivamente matéria processual), parece claro que ela alcança as situações em que a constituição definitiva do crédito tributário ainda está em curso. Dada essa premissa, pelo menos dois argumentos acerca dos efeitos da nova norma podem ser apresentados.

Em primeiro lugar, é possível cogitar que a norma incide em favor do sujeito passivo em qualquer fase de um processo administrativo em andamento na data da publicação da lei, ou seja, qualquer ato administrativo praticado com base em qualquer regra do Decreto 70.235/72 após o advento da norma deve respeitar os novos critérios de constituição definitiva do crédito tributário para negar a prevalência do voto de qualidade contra o sujeito passivo. Em outras palavras, nenhum servidor público pode impulsionar o processo administrativo em que o crédito tributário exigido tenha sido confirmado com base no voto de qualidade. Em segundo lugar, e pelas mesmíssimas razões, é possível justificar aplicação da norma caso a constituição definitiva do crédito tributário ainda esteja sendo discutida no Poder Judiciário. Reitero que a norma não regula apenas a competência de órgãos julgadores; ela estabelece que os efeitos de decisão desfavorável ao contribuinte que tenha sido proferida por voto de qualidade não mais prevaleça, de modo que esse mandamento torna inválida a exigência fiscal que – hic et nunc –, seja justificada com base na decisão administrativa que contrarie o seu mandamento nuclear no sentido de que a decisão por voto de qualidade deva ser favorável ao contribuinte.

Num primeiro momento me inclinei para a primeira tese; depois de conversar com meu dileto amigo o professor Helenilson Pontes, fiquei convencido de que a segunda tese tem méritos inegáveis e que é a que deve prevalecer.

Feitas essas rasas ponderações, passo a responder à questão que formulei no título deste estudo. Se já houve pagamento é porque já ocorreu a constituição definitiva do crédito tributário (o pagamento extingue o crédito tributário) de modo que a norma não tem como ser aplicada. A obrigação de restituir só existiria se a norma anterior – que impunha a decisão com base no voto de qualidade – fosse declarada inconstitucional com efeitos retroativos, e isso está fora cogitação por ausência de razoabilidade. Em suma, portanto, parece claro que a nova norma não permite restituição de valores pagos, mas beneficia os contribuintes que ainda litigam no âmbito administrativo ou judiciário e que tenham contra si uma decisão proferida no CARF por voto de qualidade.

Edmar Oliveira Andrade Filho

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