Exportações e crédito de PIS/Cofins do frete na formação de lote
Fábio Pallaretti Calcini
Como é de conhecimento, o agronegócio brasileiro possui grande vocação para as exportações, conquistando a primeira posição como exportador e produtor de diversos produtos agropecuários, tais como, soja, café, carnes, suco de laranja, açúcar, entre outros.
Para se realizar uma venda ou comercialização para o exterior — leia-se exportação — é muito comum e usual que a mercadoria seja encaminhada, via transporte terrestre, aquaviário ou ferroviário (frete), ao porto para a “formação de lote”.
Isto porque, naturalmente, os produtos agropecuários, ao chegar no porto, não se destinam diretamente aos navios que levarão ao comprador no exterior. Na maioria das vezes, são entregues em recintos alfandegários — armazéns — que mantém o produto até atingir a quantidade suficiente para carregamento do navio e consequente saída ao seu destino.
Tal procedimento é recorrente, especialmente, em nosso país, onde grande parte de tais produtos, inclusive, são transportados até o porto por caminhões (via terrestre).
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Com isso, torna-se forçoso o procedimento do transporte de tais mercadorias até o porto, para recintos alfandegários, seja para atingir a quantidade necessária para se carregar os navios, diante da operação de venda acordada, como também para aguardar que estes estejam disponíveis para carregamento.
Daí porque, o transporte para a formação de lote visando à exportação dos produtos agropecuários, de modo algum, diante da realidade fática, operacional e negocial, pode ser considerado uma mera opção logística.
Crédito de PIS/Cofins do frete em tais operações
Estas ponderações são relevantes, uma vez que o frete — transporte — de tais produtos agropecuários permite, tecnicamente, a escrituração do crédito de PIS/Cofins no regime não cumulativo, principalmente, com fundamento no artigo 3º, II e IX, das Leis n. 10.833/2003, uma vez que preceitua:
Art. 3o Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:
(…)
II – bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2o da Lei no 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da Tipi;
(…)
X – armazenagem de mercadoria e frete na operação de venda, nos casos dos incisos I e II, quando o ônus for suportado pelo vendedor.
Ora, nos parece que, tecnicamente, haveria direito ao crédito de PIS/Cofins, diante do princípio da não cumulatividade, uma vez que: (i) – houve o serviço de transporte da mercadoria ; (ii) – serviço prestado por pessoa jurídica estabelecida no Brasil; (iii) – serviço de transporte tributado por PIS/Cofins. [1]
Somente estes atributos já levariam a justificar a necessidade, em um honesto e efetivo regime não cumulativo, ao crédito para abatimento ou recuperação de PIS/Cofins.
Mas, além destes aspectos, o transporte — frete — de tais mercadorias comercializadas pelo agronegócio, em verdade, pode ser reconhecido como um serviço essencial para o exportador, uma vez ele somente pode efetivar e concluir sua operação de venda ao exterior, se alguém transportar a mercadoria até o porto para que seja levado ao seu destino final por navios ao seu comprador.
Até porque, soa obvio e até ridículo dizer, mas soja não tem pé ou asas e não consegue se locomover sozinha até o seu destino final. Portanto, sem tal serviço essencial — teste da subtração — a pessoa jurídica não consegue desempenhar sua atividade econômica e, muito menos, auferir receita bruta em decorrência da comercialização dos produtos agropecuários destinados ao exterior — exportação.
Sob este ponto de vista, poderia tal serviço de transporte ser qualificado como um insumo, uma vez que se trata de item essencial ao processo produtivo da empresa exportadora, que é a comercialização ao exterior de seus produtos — atividade fim.
Além disso, a legislação, como citada acima, também concede o direito ao crédito quanto ao “frete na operação de venda”. Aqui nos parece ainda mais evidente o direito, uma vez que, quando do envio dos produtos agropecuários para o porto a fim de se realizar a formação de lote destinado à exportação, estamos diante exatamente de uma operação de venda.
O envio ao porto dos produtos agropecuários se dá, exatamente, por que houve a formação de um negócio jurídico chamado de compra e venda, porém, tendo como comprador, alguém domiciliado no exterior. Equivale dizer: quando se envia um produto agropecuário ao porto, tem-se, evidentemente, uma operação de venda — comercialização — já firmada, sendo que a formação de lote em armazéns gerais no porto ocorre, exatamente, para se dar cumprimento ao contrato avençado na sua respectiva quantidade a ser enviada ao navio que levará ao exterior — exportação — até seu destinatário final.
Bem por isso, ao frete até o porto para formação de lote já seria de uma operação de venda, no entanto, para o exterior, exigindo certos procedimentos e formalidades inerentes à exportação.
Certamente, o leitor mais consciente irá concordar com a viabilidade do crédito e até se questionar então da razão deste singelo artigo.
Polêmica jurisprudência do Carf sobre o tema
Ocorre, porém, que, para nossa surpresa, o tema na jurisprudência do Carf ainda é polêmico e inspira muita atenção dos contribuintes.
Spacca
Em levantamento a respeito da jurisprudência a partir de 2019, constatamos que tivemos 16 casos julgados [2], 9 foram favoráveis, enquanto 7 desfavoráveis aos contribuintes. Embora a maioria das decisões do Carf reconheça o direito ao crédito de PIS/CofinsS quanto frete na formação de lote para exportação, o ponto que nos chama muito a atenção é o inusitado fato de que na Câmara Superior o posicionamento é favorável ao Fisco, havendo, em recentes julgamentos de 2024, votação unânime! [3] Isso mesmo, unânime!
Para não restar dúvida, abaixo a planilha com os julgamentos do Carf a respeito do tema:
câmara turma acórdão data decisão
1ª 2ª 3102-002.523 18/06/2024 favorável (unânime)
2ª 1ª 3201-009.229 21/09/2022 favorável (maioria)
2ª 2ª 3202-001.758 18/06/2024 favorável (unânime)
3ª 1ª 3301-012.532 27/04/2023 desfavorável (qualidade)
3ª 1ª 3301-012.752 28/06/2023 favorável (maioria)
3ª 1ª 3301-010.151 27/04/2021 favorável (unânime)
4ª 1ª 3401-010.936 28/09/2022 favorável (maioria)
4ª 1ª 3401-012.659 29/02/2024 favorável (unânime)
4ª 1ª 3401-009.071 25/05/2021 favorável (unânime)
4ª 1ª 3401-008.994 28/04/2021 favorável (unânime)
4ª 1ª 3401-008.306 20/10/2020 desfavorável (unânime)
4ª 1ª 3401-006.738 20/08/2019 desfavorável (unânime)
4ª 1ª 3401-006.938 29/09/2019 desfavorável (unânime)
4ª 1ª 3401006.124 23/04/2019 desfavorável (maioria)
Superior – CSRF 9303-014.975 08/04/2024 desfavorável (unânime)
Ssuperior – CSRF 9303-013.075 11/04/2022 desfavorável (voto de qualidade)
Razões para negativa do crédito: equívocos
Em geral, a negativa do crédito pela jurisprudência, em especial, da Câmara Superior se dá com fundamento no entendimento de que o frete de produtos acabados entre estabelecimentos não é operação de venda, muito menos insumo.
O primeiro e grave equívoco é dar tratamento idêntico ao frete destinado à exportação, mediante formação de lote, e aquele entre estabelecimentos do mesmo contribuinte no tocante ao produto acabado. [4]
Reprodução
Notadamente, não se trata do mesmo tipo de negócio jurídico e operação, uma vez que, quando o exportador envia o produto agropecuário, via transporte — frete — para o porto, já existe, desde o início, uma operação de venda ou comercialização. Todavia, por questões operacionais e de logística, torna-se impossível que o caminhão já desembarque, um a um, o produto dentro do navio.
Como já esclarecido, a mercadoria ao chegar ao porto, resta armazenada em um recinto alfandegário, de onde, a de depender do navio atracar e da quantidade da venda, é levada para o respectivo carregamento e consequente envio ao exterior pelo transporte marítimo.
Voltamos a repetir: (i) – quando a mercadoria é destinado ao porto, já existe uma operação de venda – comercialização – para o exterior; e (ii) – inclusive, esta é a atividade fim de tais empresas vendedoras; (iii) – o desembarque inicial dos produtos em armazéns, para a formação de lote, não é uma mera opção ou liberalidade logística, mas justificada por razões fáticas e operacionais que, em momento algum, alteram a essência da operação inicial, que é de venda ou comercialização para o exterior — exportação.
Não estamos diante, portanto, de um mero frete entre estabelecimentos de produtos acabados, mas, verdadeiramente, um transporte — tido como um serviço essencial — de uma operação de venda ao exterior, sendo a formação de lote um desdobramento operacional e usual desta, diante das peculiaridades e necessidades que existem para se destinar a mercadoria ao navio que irá transportador ao comprador internacional.
Aliás, atentando-se a estes aspectos e reconhecendo, acertadamente, o direito ao crédito, podemos citar a seguinte decisão do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais):
“COFINS. PIS. FRETE. FORMAÇÃO DE LOTE. POSSIBILIDADE. Ao transferir a mercadoria para porto ou armazém alfandegado a mercadoria já se encontra vendida, com destino a território estrangeiro. A transferência para silos deve-se a questões logísticas. A soja é mercadoria geralmente transportada solta (inobstante existam contêiner de grãos) nos navios. Uma vez nos silos a soja é embarcada nos navios por meio de dutos e, posteriormente segue para a exportação. Em verdade, o que descreve a fiscalização é simplesmente inviável – além de ilegal. Ainda que seja possível o documento de transporte descrever o frete da origem ao destino (por exemplo, no transporte multimodal) não há embarque direto de nenhum bem exportado em equipamento de transporte antes de armazenado em terminal alfandegado. O transporte ao porto, portanto, é parte do frete de venda, ainda que para a formação de lote.” [5]
Este posicionamento, ao contrário das justificativas equivocadas das decisões desfavoráveis, sobretudo, da Câmara Superior, demonstra que, realmente, compreenderam a operação e, por conseguinte, levou ao reconhecimento do direito ao crédito do frete de PIS/Cofins em tais casos.
Além do próprio fato de ser um serviço de transporte notadamente essencial e envolver uma operação de venda (ao exterior), é importante notar que esta interpretação está em harmonia com as diretrizes da não cumulatividade que nunca devem ser ignoradas. Ao negar este crédito, que representa um alto custo da operação de venda dos exportadores, torna, em parte, a operação cumulativa, em detrimento da própria sistemática de tais tributos.
E o mais grave: torna o transporte custo das mercadorias exportadas, ou seja, leva à exportação de tributos!
Ora, como é de conhecimento, nosso texto constitucional preconiza a imunidade nas receitas de exportação, seja direta ou indireta (artigo 149, § 2º, CF). Ao negar o crédito do valor pago a título do frete, o tributo de PIS/Cofins que incidiu na operação, tornou-se custo e foi exportado com o produto, em total contrariedade com o preconizado pelo princípio do destino e garantido pelo texto constitucional. Dentro deste ponto de vista, cabe mencionar outro precedente interessante do Carf:
“FRETE NA REMESSA PARA FORMAÇÃO DE LOTES DE EXPORTAÇÃO. CONTRIBUINTE INDUSTRIAL E EXPORTADOR. REMESSA ESSENCIAL. RECEITA IMUNE. CRÉDITO RECONHECIDO.
Sendo a contribuinte exportadora, conclui-se que sem o transporte interno que leva a mercadoria produzida até o porto ou aeroporto, a atividade de exportação não pode ser iniciada (inciso II art. 3º Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003).
O frete interno que está incorporado ao preço final da mercadoria exportada, constitui receita de exportação que, por sua vez, está sob a guarida da imunidade (§ 2º, inciso I, art. 149, CF e inciso I dos artigos 5º e 6º, respectivamente, das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003)”. [6]
Não resta dúvida, portanto, de que o tema do crédito de PIS/Cofins quanto ao frete na formação de lote na exportação merece muita reflexão pelo Carf, especialmente, da Câmara Superior, sob pena de onerar indevidamente o contribuinte, principalmente, o agronegócio, e o pior, descumprir a não cumulatividade, imunidade das exportações e a própria legalidade, diante da clara previsão no artigo 3º, II e IX, da Lei nº 10.833/2003.
Como é comum dizer no tema de PIS/Cofins e os créditos da não cumulatividade, é preciso compreender as peculiaridades do caso concreto, especialmente, operação realizada, mas, principalmente, a realidade de nosso país!
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[1] Sabemos que a partir da Lei n. 14.440/2022, é possível credito presumido de transportador autônomo pessoa física, bem como crédito básico no percentual de 75% da alíquota de 7,6% e 1,65% quanto às transportadoras no SIMPLES NACIONAL. (art. 3º, §§ 19 e 20, da Lei n. 10.833/2003).
[2] Naturalmente, a quantidade de julgamentos foi maior, no entanto, casos do mesmo contribuinte e turma na mesma data foram considerados um único julgamento.
[3] – CARF, CSRF, Ac. 9303-014.975, j. 08/04/2024.
[4] Embora nos pareça existir crédito do frete também nas operações entre estabelecimentos, na hipótese de exportação, é ainda mais evidente.
[5] – CARF, Ac. 3401-009.071 – 3ª Seção de Julgamento / 4ª Câmara / 1ª Turma Ordinária, j. 25/05/2021.
[6] – CARF, Ac. 3401-012.659 – 3ª Seção de Julgamento / 4ª Câmara / 1ª Turma Ordinária, j. 29/02/2024.
Fábio Pallaretti Calcini
doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), professor da FGV Direito SP e Ibet e sócio tributarista Brasil Salomão e Matthes Advocacia.