Execução fiscal redirecionada para administradores de pessoas jurídicas diante da orientação do STF a respeito do tema e das portarias PGFN 180/2010 e RFB 2.284/2010

Walmir Luiz Becker

Em matéria de responsabilização de dirigentes de pessoas jurídicas por débitos fiscais das empresas por eles administradas controverteu-se, durante algum tempo, se a expressão infração de lei, mencionada no caput do art. 135 do CTN, compreenderia, inclusive, a lei tributária, ou se deveria ser entendida como uma referência exclusiva a leis do direito societário.

Se a expressão infração de lei compreendesse a lei em sentido geral, tinha-se como certo que os administradores de empresas poderiam ser responsabilizados, pessoalmente, por qualquer dívida tributária surgida durante o período de sua administração. Mas, se significasse apenas aquele agir em desconformidade com alguma norma do direito comercial (Leis das S/A., Lei das Sociedades Ltdas., etc.), o dirigente empresarial não poderia ser chamado pelo Fisco a responder por dívidas fiscais, a não ser que estas, evidentemente, fossem ocasionadas por uma atuação ilícita do ponto de vista das leis societárias, um proceder com excesso de poderes de gestão, ou, ainda, com desrespeito a disposições do contrato social ou do estatuto social.

De há muito que doutrina e jurisprudência se puseram de acordo quanto à interpretação correta dessa expressão vocabular do caput do art. 135 do CTN. Ela, sem dúvida, está a se referir à lei comercial ou societária, e não à lei tributária, de sorte que a falta de recolhimento de tributos pela empresa não implica, por si só, infração de lei, para fins de responsabilidade tributária de seus diretores, gerentes ou representantes legais.

De fato, no Recurso Especial n.º 1.101.728/SP, por exemplo, a 1.ª Seção do STJ, sob o regime de uniformização de jurisprudência (art. 543-C, do CPC), em decisão unânime, de 11.03.2009, firmou acórdão de cuja ementa extraímos o seguinte parágrafo:

“2. É igualmente pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que a simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, nem em tese, circunstância que acarreta a responsabilidade subsidiária do sócio, prevista no art. 135 do CTN. É indispensável, para tanto, que tenha agido com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto da empresa (EREsp 374.139/RS, 1ª Seção, DJ de 28.02.2005).”

Irrepreensível essa orientação jurisprudencial, na medida em que haveria uma subversão da ordem natural da sujeição passiva, posta nos artigos 121 a 138 do CTN, se administradores de pessoas jurídicas, mesmos os não acionistas, ou não quotistas, pudessem ser responsabilizados por débitos fiscais destas, ainda que as tivessem administrado com estrita observância da lei comercial, das cláusulas contratuais, das normas estatutárias, e dentro dos limites de seus poderes de gestão.

Sucede que, aos poucos, essa jurisprudência do STJ veio cedendo espaço e lugar à outra, do mesmo Tribunal Superior, que, na prática, faz com que, a priori, qualquer administrador de empresa possa vir a ter que responder em juízo por débitos fiscais desta, sem que se investigue, antes, suas causas. É que o STJ culminou por aceitar, sem maiores travas, a figura processual do redirecionamento da execução fiscal, largamente utilizada pelas Procuradorias da Fazenda Nacional.

O aludido redirecionamento tem como pressuposto lançamento de crédito tributário sob execução fiscal, lançamento este que poderá ter decorrido de verificação interna, na repartição fazendária, de declarações sobre débitos fiscais que os contribuintes prestaram para cumprirem obrigações acessórias, ou de fiscalização in loco, realizada em seus estabelecimentos por auditores ou agentes fiscais dos Tesouros nacional, estadual, distrital ou municipal.

Se, nessa revisão interna do cumprimento de obrigações acessórias, ou nesses trabalhos de fiscalização, o Fisco constatar alguma irregularidade fiscal de que resultou falta ou insuficiência no adimplemento de obrigação principal (pagamento de tributo), é lavrado, conforme a terminologia adotada, auto de infração, auto de lançamento, ou notificação fiscal, onde, de ofício, é formalizada a exigência do crédito tributário considerado devido. Para tanto, o auditor ou agente fiscal procede segundo as normas do art. 142 do CTN, ou seja, verifica a ocorrência do fato gerador, determina a matéria tributável, calcula o montante do tributo devido, identifica o sujeito passivo, e propõe a aplicação da penalidade cabível.

Formalizado, nesses moldes, o lançamento tributário, a identificação do sujeito passivo vinha sendo feita, via de regra, em nome do contribuinte, pessoa jurídica (art. 121, § único, I, do CTN). Eventuais responsáveis tributários, como os administradores da empresa do período a que se reportava o lançamento, costumavam ser deixados de lado nessa fase de cobrança do crédito tributário, e por uma razão muito simples. Para incluí-los no lançamento, o auditor fiscal teria que apurar primeiro sua responsabilidade tributária, o que poderia lhe tornar o trabalho de fiscalização mais complexo e demorado. Veremos, ao final, que isso mudou, ou deverá mudar, em face da Portaria PGFN 180/2010 e da Portaria RFB 2.284/2010.

Então, para sua comodidade, o agente fiscal identificava apenas o sujeito passivo natural, isto é, a pessoa jurídica inadimplente no cumprimento de obrigações tributárias. Vindo a impugnação ao lançamento tributário, instaurava-se o correspondente processo administrativo fiscal, ao término do qual, se procedente o lançamento,  constituído, assim, definitivamente, o crédito tributário, passava-se para a etapa de sua cobrança judicial.

Efetivamente, após a constituição em definitivo do crédito tributário, a qual só se aperfeiçoa com a decisão administrativa final (RE 94.462-1), inicia-se a fase de sua cobrança judicial, mediante atos que consistem  no termo de inscrição do crédito em Dívida Ativa, emissão da respectiva Certidão  de Dívida Ativa (CDA) e ajuizamento da Execução Fiscal. É, exatamente, nesse estágio de exigência do crédito tributário lançado ex officio que tem vez e guarida jurisprudencial, no Superior Tribunal de Justiça, a figura do redirecionamento da execução fiscal.

Nessa etapa de cobrança constritiva do crédito tributário três situações poderão surgir: primeira, a execução é ajuizada apenas contra o contribuinte, pessoa jurídica, não constando da CDA o nome ou nomes dos eventuais responsáveis tributários; segunda, a execução é proposta contra o contribuinte, pessoa jurídica, e contra seus administradores, cujos nomes estão na CDA; terceira, a execução é proposta somente contra a pessoa jurídica, mas os nomes de seus diretores, ou sócio-gerente constam da CDA.

Para a jurisprudência do STJ, assentada por sua 1.ª Seção, a partir do julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial n.º 702.232/RS, ocorrido em 14.09.2005, ratificada, posteriormente,  com a decisão proferida, também pela 1.ª Seção, no Recurso Especial n.º 1.104.900, de 25.03.2009, será dever do Fisco demonstrar a presença de um dos requisitos do art. 135 do CTN apenas quando ocorrer a primeira hipótese, vale dizer, se a execução fiscal tiver sido ajuizada contra a pessoa jurídica contribuinte, e somente depois, no curso do processo executivo, vier a ser redirecionada contra administrador não indicado na CDA.

Nesse caso específico, de falta de indicação do responsável na Certidão de Dívida Ativa é que o STJ admite incumbir à Fazenda Pública demonstrar a infração à lei, ao contrato social, aos estatutos, ou a dissolução irregular da sociedade, porquanto, ao ajuizar a execução, ela não teria se dado conta, como lhe era de mister,  da possível existência de responsabilidade pessoal dos administradores da pessoa jurídica executada.

Agora, se o nome de quem for considerado pelo Fisco como responsável tributário constar da Certidão de Dívida Ativa, nem é necessário que a execução fiscal seja proposta também contra ele. Prestigiando ao extremo a presunção relativa de certeza e liquidez da CDA, o STJ tem entendido que compete ao responsável tributário, diretor ou sócio-gerente, provar que o crédito fiscal executado não se deve a atos de gestão com excesso de poderes, contrariedade à lei, ou ofensa ao contrato ou estatuto social.

Assim, aplicando, com rigorismo inaudito, uma presunção relativa de certeza e liquidez de um título executivo extrajudicial, o STJ vem sujeitando aqueles que podem ser indicados como responsáveis tributários, nos termos do art. 135 do CTN, a produzirem absurdas e inconcebíveis provas negativas, quais sejam, a de que não cometeram infração à lei, não agiram em desacordo com disposições contratuais ou estatutárias que deveriam observar, ou que não dissolveram irregularmente sociedade de que participavam como sócios ou acionistas.

Ora, sabe-se que um título executivo pode ser judicial ou extrajudicial.  É judicial aquele que provém de um anterior pronunciamento jurisdicional, como a sentença condenatória no processo civil, a sentença penal, a sentença arbitral e a homologatória de transação ou conciliação, e, ainda, a sentença estrangeira homologada pelo STF. Título executivo extrajudicial é aquele ao qual a lei confere força executiva, como os títulos de créditos em geral (cheques, notas promissórias, letras de câmbio, etc.). A CDA é titulo executivo extrajudicial dotado de presunção relativa de certeza e liquidez (art. 204 do CTN e art. 3.º, § único, da Lei n.º 6.830/80).

Mas, conquanto seja um título executivo extrajudicial com os atributos de certeza e liquidez, a CDA tem particularidades que a distinguem bem dos demais títulos executivos extrajudiciais. Ela é resultante de uma série de atos praticados unilateralmente pelas Fazendas Públicas, as quais, teoricamente, deveriam controlá-los quanto a seus aspectos jurídicos, tanto os materiais quanto os formais, inclusive os que dizem respeito à sua legalidade e constitucionalidade. Porém, isso nem sempre ocorre.

Muitas vezes, tais atos administrativos são formalizados sob o influxo e inspiração de fontes infralegais da legislação tributária, como instruções normativas, portarias, pareceres fazendários, entre outras, cuja legalidade ou constitucionalidade, ainda que oportunamente questionadas pelo contribuinte, na fase do contencioso administrativo fiscal, não são levadas em conta pelo julgador administrativo.

Com efeito, após muita discussão doutrinária e jurisprudencial a respeito do assunto, a impossibilidade de um pronunciamento administrativo sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de um ato normativo ou de dispositivo legal consta da Lei n.º 11.941/09. Esse diploma legal, ao inserir o art. 26-A no Decreto n.º 70.235/72, que regula o Processo Administrativo Fiscal Federal (PAF), veio a proibir a análise de constitucionalidade de lei ou ato normativo por órgãos julgadores administrativos. Por isso que um deles, o CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) já editou Súmula (n.º 2),  ao teor da qual: “O CARF não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária.”

Sendo assim, não poucas vezes, lançamentos tributários calcados em atos normativos ilegais ou em disposição legal inconstitucional dão ensejo, ao término de processos administrativos fiscais, a emissão de CDA, sem que antes fosse assegurado ao contribuinte seu direito à ampla defesa, ao contraditório e, pois, ao devido processo legal (art. 5.º, LIV e LV da CF/88).

E o que dizer, então, com referência àquelas pessoas naturais que, por via da figura do redirecionamento da execução fiscal, são guindadas à sujeição passiva tributária, na condição de responsáveis tributários, com fundamento no art. 135, III, do CTN, sem que sequer tenham participado, anteriormente, do processo administrativo fiscal? Será lícito presumir-se, em relação a elas, alguma certeza ou liquidez da CDA, na qual seus nomes foram inseridos somente na fase de execução judicial?

Se dermos crédito à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que acima referimos, a resposta será afirmativa. Desde que seu nome conste da CDA, diretor ou sócio-gerente de pessoa jurídica terá que responder, judicialmente, por crédito tributário da empresa por ele dirigida.

Aliás, conforme já acentuamos, consoante decidido no acórdão do EREsp. n.º 702.232/RS, da 1.ª Seção do STJ, e nos múltiplos outros acórdãos proferidos, depois, por suas duas Turmas de Direito Público (1.ª e 2.ª), dita responsabilidade tributária poderá será atribuída a administrador da pessoa jurídica mesmo que este não tenha figurado no pólo passivo da  execução fiscal. Confira-se, a propósito, o acórdão do AgRg. no Recurso Especial n.º 1.299.179, julgado em 26.06.2012, do qual se transcreve o item 2 de sua ementa:

“2. O Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 1.104.900/ES, na sistemática do art. 543-C do CPC, firmou jurisprudência no sentido de que, se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, a ele incumbe o ônus da prova de que não ficou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no art. 135 do CTN.”

Entretanto, se voltarmos nossa atenção para o que decidiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 562.276, e, mais recentemente, no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n.º 608.426, vamos concluir que o simples fato de o nome do responsável tributário estar indicado na Certidão de Dívida Ativa longe está de ser suficiente para caracterizar tal responsabilidade.

No citado RE 562.276, o STF, em sua composição plena, e por unanimidade, declarou inconstitucional o art. 13 da Lei n.º 8.620/93, no qual estava prescrito que a simples condição de sócio de uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada bastava para configurar a responsabilidade solidária deste por débitos junto à Seguridade Social. Em seu voto, a relatora, Ministra Ellen Grace, teceu judiciosas considerações sobre os institutos da responsabilidade e da solidariedade em matéria tributária, deixando bem explicitado que:

“O art. 135, III, do CTN responsabiliza apenas aqueles que estejam na direção, gerência ou representação da pessoa jurídica e tão-somente quando pratiquem atos com excesso de poder ou infração à lei, contrato social ou estatutos. Desse modo, apenas o sócio com poderes de gestão ou representação da sociedade é que pode ser responsabilizado, o que resguarda a pessoalidade entre o ilícito (mal gestão ou representação) e a consequência de ter de responder pelo tributo devido pela sociedade.”

Confirmando o pensamento da Suprema Corte no que se refere à responsabilidade tributária de administradores de empresas por débitos fiscais destas, e no que diz respeito ao modo pelo qual essa responsabilidade deve ser apurada, o Ministro Joaquim Barbosa, em voto que proferiu no Ag. no RE 608.426, foi enfático:

“Os princípios do contraditório e da ampla defesa aplicam-se plenamente à constituição do crédito tributário em detrimento de qualquer categoria de sujeito passivo, irrelevante sua nomenclatura legal (contribuintes, responsáveis, substitutos, devedores solidários, etc.). Por outro lado, a decisão administrativa que atribui sujeição passiva por responsabilidade ou por substituição tributária deve ser adequadamente motivada e fundamentada, sem depender de presunções e ficções legais inadmissíveis no âmbito do Direito Público e do Direito Administrativo.”

Foi, certamente, em virtude desse claríssimo posicionamento do STF na questão da responsabilidade tributária de dirigentes de empresas, o qual, sem dúvida, se sobrepõe àquele adotado pelo STJ (EREsp. 702.232, REsp. 1.104.900 e AgRg no REsp. 1.299.179), que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional veio a baixar a Portaria PGFN n.º 180/2010, para determinar que a inclusão de responsável solidário na CDA deve ser feita somente após declaração fundamentada da autoridade fazendária competente acerca de uma das seguintes situações: a) excesso de poderes, b) infração à lei, c) infração ao contrato social ou estatuto, d) dissolução irregular da pessoa jurídica. Por sua vez, a Secretaria da Receita Federal do Brasil expediu orientação em idêntico sentido através da Portaria RFB n.º 2.284/2010.

Por conseguinte, e para finalizarmos, podemos concluir dizendo que os sujeitos passivos que estiverem questionando, administrativa ou judicialmente, responsabilidade tributária que lhes tenha sido imputada em decorrência do art. 135, III, do CTN, ou que vierem a questioná-la, poderão arguir, em sua defesa, se cabível e tempestiva tal arguição, os sobreditos precedentes do STF, bem como a nova orientação fazendária contida nas Portarias PGFN 180/210 e RFB 2.284/2010.

Se necessário, essa discussão sobre responsabilidade tributária, dependendo da situação particular de cada caso, poderá ser levada ao STF. Lembramos, aqui, por oportuno, que Renato Lopes Becho, autor de notáveis estudos sobre a responsabilidade tributária, em artigo intitulado “A Sujeição Passiva na Jurisprudência do STF” (in RDDT 201/135), expressou entendimento de que se trata, este, de tema de índole eminentemente constitucional.

Porto Alegre, 10 de setembro de 2012

Walmir Luiz Becker

Advogado em Porto Alegre. Membro do Instituto de Estudos Tributários - IET e Membro do Conselho Editorial da Revista de Estudos Tributários - RET

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