Exclusão dos descontos incondicionais e do custo do frete da base de cálculo do IPI

Letícia de Mello, Marciano Buffon

As constantes discussões acerca da composição da base de cálculo dos tributos impõem que se analise o tema com parcimônia, eis que, em meio ao caos tributário brasileiro, sempre há equívocos que podem incrementar o ônus do contribuinte que, devido à alta complexidade do sistema de apuração de tributos, suporta o custo de manter um controle efetivo dos tributos devidos. No âmbito do Imposto sobre Produto Industrializado, doravante IPI, tal problemática não passa desapercebida.

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Em termos classificatórios, elenca-se o IPI como um tributo incidente sobre o consumo. Contudo, tal incidência se dá tão somente em uma das fases do processo: a industrialização. É um tributo não cumulativo e indireto, cujo ônus econômico é suportado pelo contribuinte de fato.

A criação dessa espécie tributária se deu por meio da Lei nº 3.520 de 1958. Atualmente, tal figura se encontra prevista no artigo 153, inciso IV, da Constituição Federal, bem como no artigo 46, do Código Tributário Nacional, e é regulamentada pelo Decreto 7.212 de 2010 — que regulamenta a cobrança, fiscalização, arrecadação e administração do IPI.

No âmbito deste ensaio, dois assuntos serão abordados com a finalidade de esclarecer os contribuintes que ainda não tenham conhecimento acerca dos pontos. Primeiramente, analisar-se-á a exclusão, da base de cálculo do IPI, dos descontos incondicionais. Posteriormente, abordar-se-á a possibilidade de exclusão dos custos de frete da referida apuração — tema que, apesar de controvertido, vem sendo decidido em favor dos contribuintes.

Exclusão dos descontos incondicionais
Relativamente ao primeiro ponto, deve-se mencionar que o artigo 14 da Lei nº 4.502 de 1964, com a redação dada pelo artigo 15 da Lei nº 7.798 de 1989, previa que: “Salvo disposição em contrário, constitui valor tributável: (…) Não podem ser deduzidos do valor da operação os descontos, diferenças ou abatimentos, concedidos a qualquer título, ainda que incondicionalmente”.

Contudo, foi levado ao Supremo Tribunal Federal o seguinte questionamento: os descontos incondicionais compõem a base de cálculo do IPI para fins de apuração do quantum devido? Em observância à previsão legal contida na legislação supracitada, por muito tempo o desconto incondicional compôs a base de cálculo do IPI. Contudo, após o julgamento do Recurso Extraordinário nº 567.935, reconheceu-se a inconstitucionalidade formal do referido dispositivo, eis que se trata de uma matéria reservada à Lei Complementar e, portanto, não poderia ser objeto de lei ordinária, como o foi.

Posteriormente a isso, o próprio Senado editou a Resolução nº 1 de 2017, “suspendendo a execução do § 2º do art. 14 da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964, apenas quanto à previsão de inclusão dos descontos incondicionais na base de cálculo do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)”.

Assim, deve-se observar que todos os descontos incondicionais que afetem o valor final do produto não são considerados para fins de apuração do valor devido a título de IPI, pois o CTN estabelece, em seu artigo 47, inciso II, alínea I, que a base de cálculo do IPI é apurada a partir do “valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria”. Dessa forma, singelamente, se sobre o valor de R$ 100 incidir um desconto incondicionado de 10%, a base de cálculo do imposto é R$ 90.

Exclusão do valor do frete
Em relação a exclusão do valor do frete da base de cálculo do IPI, trata-se de uma questão atual e que já conta com posicionamentos a favor do contribuinte. A controvérsia que se impõe é nomeadamente acerca indevida inclusão do valor do frete na base de cálculo do IPI, eis que, conforme analisado anteriormente, o próprio CTN esclarece que a base de cálculo deste tributo é composta apenas do valor final da operação, ao qual logicamente não se acresce o custo de frete — que é um custo acessório e de logística que sequer é suportado como uma regra pelo sujeito passivo da obrigação tributária.

Pedro França/Agência Senado
Nesse passo, tem-se pleiteado ao Judiciário a declaração de inconstitucionalidade do artigo 14, §§ 1º e 3º, da Lei 4.502 de 1964, com redação dada pela Lei 7.789 de 1989.

O fundamento legal é o mesmo do caso analisado anteriormente, qual seja, o vício formal, eis que o tratamento legal acerca da base de cálculo de tributos é reservado à lei complementar.

Deve-se aduzir que no âmbito do TRF da 4ª Região, a Corte Especial deste Regional, no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade na AC nº 96.04.28893-8 e na AMS nº 9604594079, já declarou a inconstitucionalidade dos parágrafos 1º, 2º e 3°, do artigo 14, da Lei 4.502, de 1967.

No mesmo sentido, o próprio STF, no âmbito RE 926.064, já reconheceu que o Tema nº 84, que afirmou que a Lei 4.502, de 1967, padece de vício formal ao tratar da base de cálculo do IPI, estende-se à controvérsia relativa à inclusão do valor do frete na base de cálculo do IPI.

Vale ressaltar, que o entendimento judicial vem reconhecendo que, mesmo quando o valor do frete não estiver destacado na nota fiscal de venda, há o direito de excluir da base cálculo do IPI, desde que o estabelecimento produtor tenha arcado com seu ônus, pois nesse caso, logicamente, o custo do transporte está embutido no valor total dos produtos vendidos.

Logo, deve-se ter claro, em primeiro e superior plano, que a reserva de lei complementar sempre deve ser observada quando se tratar de base de cálculo de tributo, pois é uma exigência constitucional (artigo 146, III, “a”) que se inobservada macula de vício formal qualquer legislação infraconstitucional que intente tratar da matéria.

Por fim, a conclusão a ser considerada pelos leitores é que nem os descontos incondicionados e tampouco o valor do frete (mesmo quando não expressamente destacado na nota fiscal) compõe a base de cálculo para fins de apuração do valor devido ao Fisco a título de IPI.

Letícia de Mello, Marciano Buffon

Letícia de Mello
é mestranda em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), especialista em Direito e Processo Penal pela Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP), especializanda em Direito Penal Económico pelo Instituto de Direito Penal Económico Europeu (IDPEE) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em parceria com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), especializanda em Direito e Processo Tributário pela FMP, graduada em Direito pela Unisinos, com período de mobilidade acadêmica na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, professora convidada no programa de pós-graduação em Direito da Faccat e advogada criminalista.

Marciano Buffon
é pós-doutor em Direito pela Faculdad de Derecho de la Universidad de Sevilla (Espanha), doutor em Direito, (com ênfase em Direito do Estado) pela Unisinos, e período de pesquisa na Universidade de Coimbra (Portugal), mestre em Direito Público, advogado tributarista, com especialização em Direito Empresarial, professor de Direito Tributário na Unisinos São Leopoldo RS e em cursos de pós-graduação (especialização) em Direito Tributário em outras instituições, professor no Programa de Pós-Graduação em Direito (mestrado) da Unisinos e sócio/consultor jurídico-fiscal Buffon & Furlan Advogados Associados, membro do Conselho Técnico de Assuntos Tributários, Legais e Financeiros da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) e autor dos livros Tributação e Dignidade Humana: entre Direitos e Deveres Fundamentais e Tributação, Desigualdade e Mudanças Climáticas: como o Capitalismo Evitará seu Colapso.

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