Exclusão do ISS da base do PIS/Cofins em software e serviços de TIC

Sergio Paulo Gomes Gallindo, Helena Loiola Persona e Stephanie Felix Sieber

Até o julgamento do Recurso Extraordinário nº 574.706, admitida com repercussão geral, realizado em 15/3/2017 pelo pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), tanto as operações com incidência tributarias de ICMS quanto as com incidência de ISS eram operadas sob a consideração de que as alíquotas incidiam sobre o faturamento e integravam da base de cálculo do PIS/Cofins. O julgamento do Recurso Extraordinário nº 574.706 afastou a hipótese de o ICMS integrar a base de cálculo do PIS/Cofins.

Na esteira deste julgamento, tramita no STF o RE nº 592.615/RS que trata da controvérsia sobre a inclusão do ISS na base de cálculo do PIS e da Cofins na esteira de um mandado de segurança impetrado pela Viação Alvorada, objetivando o reconhecimento do direito líquido e certo de excluir os valores correspondentes ao ISS da base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins, com base na postulação de que o referido recolhimento não integra o conceito de receita ou faturamento da empresa.

O Imposto Sobre Serviço de qualquer natureza, de competência dos municípios e do Distrito Federal, tem como hipótese de incidência a prestação de serviços, que também abarca o uso e gozo de bens intangíveis, de acordo com o disposto na lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003, LC 116.

A arrecadação é carreada inteiramente para o erário dos municípios e do DF. O contribuinte, sujeito passivo da obrigação tributária, é o prestador de serviço ou o licenciador do uso e gozo do bem intangível. A alíquota mínima é de 2%, conforme disposto na Emenda Constitucional 37/2022, artigo 3º e no artigo 8º da LC 11. A alíquota máxima é fixada em 5%, conforme à LC 116, artigo 8 º, inciso II. A cobrança do ISS é condicionada a lei municipal ou distrital, que devem dispor as alíquotas para cada hipótese de incidência, nos termos da LC 116 e da lista anexa à Lei.

O PIS, Programa de Integração Social, instituído pela Lei Complementar nº 07/1970, e a Cofins, Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social; instituída pela Lei Complementar 70/1991, são tributos de competência da União. O PIS tem três modalidades de contribuição, a saber, sobre o faturamento ou total de receitas auferidas, sobre a importação e sobre a folha de pagamento. A Cofins tem duas modalidades de taxação, a saber, sobre o faturamento ou total de receitas auferidas e sobre a importação. As alíquotas do PIS e Cofins cumulativos incidentes sobre o faturamento são 0,65% e 3%, respectivamente. Enquanto, que as do regime não cumulativo são de 1,65% e 7,6%, respectivamente.

A exclusão do ISS da base de cálculo do PIS/Cofins acarreta uma queda de arrecadação decorrente das novas alíquotas efetivas resultantes da bipartição das alíquotas de PIS e Cofins e o isolamento da alíquota de ISS, em comparação com a alíquota efetiva calculada com base na aplicação da conjugação das alíquotas nominais de PIS, Cofins e ISS.

O interesse na matéria para os setores de Software e Serviços de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), decorre da importância desses setores como geradores de produção e emprego. Segundo dados da Brasscom, Associação das Empresas de TIC e de Tecnologias Digitais, a produção de software e de serviços de tecnologia corresponde a 51,4% do total da produção do setor de TIC, que é de R$ 293 bilhões, bem como, é responsável por 781.144 profissionais, 71% da força de trabalho do setor, estampando remuneração média de 2,9 vezes a remuneração média do trabalhador brasileiro. A redução da onerosidade tributária desses setores pode gerar efeitos multiplicadores para a economia, gerando mais produção, renda, emprego e, até arrecadação adicional decorrente do aumento da produção.

Com o objetivo aquilatar a queda de arrecadação decorrente da exclusão do ISS da base de cálculo do PIS/Cofins para software e serviços de TIC, o presente artigo buscou os bancos de dados oficiais da carga tributária brasileira, bem como, avaliou os cenários de recuperação parcial da queda de arrecadação, por meio da dinâmica do mercado com os efeitos da redução da onerosidade tributária sobre a produção, renda e emprego.

De acordo com o estudo Carga Tributária no Brasil, de 2017, publicado pela Receita Federal[1], a arrecadação do PIS/Cofins é aberta entre o regime não cumulativo, com R$ 182 bilhões em 2017, e o regime cumulativo, com R$ 73 bilhões. A arrecadação do ISS, reportada como cumulativa, foi de R$ 56 bilhões no mesmo período.

Levando-se em conta que o Simples corresponde a um regime próprio de arrecadação com a aglutinação de vários tributos e que a CSLL e o IPRJ não são tributos sobre consumo, depreende-se que o CTB 2017 informa que a arrecadação tributária do PIS/Cofins, sob a égide do regime cumulativo, é decorrente de operações sujeitas à incidência de ISS, a saber, operações de prestação de serviços ou de uso e gozo de bens intangíveis, tais como software.

Com efeito, na composição do setor de serviços a maior parte das empresas operam sobre regime de lucro presumido, o que leva necessariamente ao regime cumulativo, ademais as cadeias produtivas da prestação de serviços ou de licenciamento bens intangíveis são curtas, o que mitiga a onerosidade do regime cumulativo. À vista disso, é razoável supor o recolhimento do PIS/Cofins e do ISS para serviços segundo o regime cumulativo.

Lançando mão dos dados de arrecadação do PIS/Cofins cumulativo do relatório CTB 2017 da Receita, é possível calcular a receita bruta, como sendo a razão entre o valor da arrecadação, a saber R$ 73 bilhões, pela alíquota nominal do PIS/Cofins, 3,65%. A receita bruta encontrada para 2017 é de R$ 1.999 bilhões. A receita líquida pode ser, então, encontrada pela subtração da arrecadação do PIS/Cofins cumulativo e a arrecadação do ISS do montante da receita bruta. A receita líquida encontrada para 2017 é de R$ 1.870 bilhões.

As alíquotas do PIS e da Cofins no regime cumulativo, dispostas pela União são, respectivamente 0,65% e 3%. Ocorre que, diferentemente do PIS e Cofins, há uma profusão de alíquotas de ISS, na medida em que são vários os Municípios que o adotam por meio de lei municipal, conforme disposto o Sistema Tributário Nacional. As alíquotas são determinadas para as hipóteses de incidência dentre as elencadas na lista anexa à LC 116. Todavia, por meio da razão da arrecadação do ISS, a saber de R$ 56 bilhões em 2017, sobre a receita líquida, de R$ 1.870 bilhões. Tem-se, como resultado, uma alíquota efetiva média do ISS de 3,02%, que representa a onerosidade tributária do setor de serviços.

A partir da alíquota efetiva média do ISS é possível calcular a alíquota nominal média do ISS de 2,93%, computada pela seguinte equação:

Alíquota Nominal Média ISS = -11+Alíquota Efetiva Média ISS-1

Como o ISS faz parte da base de cálculo do PIS/Cofins deve-se calcular a Alíquota Efetiva a partir das Alíquotas Nominais determinadas pelos entes federados, a saber, a União, no caso do PIS/Cofins, e os municípios e DF, no caso do ISS. As alíquotas nominais são informalmente referidas como alíquotas por dentro, possivelmente a indicar que não refletem a carga tributária efetiva. O cálculo da alíquota efetiva para a alíquotas nominais englobando PIS, Cofins e ISS se dá como se segue:

Alíquota Efetiva = 11- Alíquota Nominal PIScumulativo- Alíquota Nominal Cofinscumulativo- Alíquota Nominal ISS-1

Dessa forma, foi possível encontrar a alíquota efetiva englobando PIS, Cofins e ISS de 7,04%.

Para analisar o efeito da queda de arrecadação da exclusão do ISS da base de cálculo do PIS/Cofins em software e serviços de TIC, utilizou-se a base de dados “Arrecadação do PIS/Cofins por divisão econômica Cnae por regime de tributação do lucro (a preços correntes)” da Receita para 2017. Essa base traz a arrecadação do PIS e da Cofins por código de Classificação Nacional das Atividades Econômicas (Cnae), segregadas por regime de tributação do lucro, a saber: lucro real, lucro presumido, simples e outros [2]. A partir dessa base, separou-se os Cnaes das divisões 62 (atividades dos serviços de tecnologia da informação) e 62 (atividades de prestação de serviços da informação) para compor o setor de software e serviços de TIC.

A arrecadação de PIS/Cofins para o setor de software e serviços de TIC em 2017 pelo regime de tributação sobre lucro real e lucro presumido foi de R$ 3,3 bilhões. Com base nessa arrecadação de PIS/Cofins, foi possível calcular a receita bruta do setor de interesse pela razão entre o valor da arrecadação, pela alíquota nominal do PIS/Cofins de 3,65%. O valor calculado da receita bruta de software e serviços de TIC foi de R$ 90,7 bilhões. A arrecadação de ISS de software e serviços de TIC é de R$ 2,6 bilhões, obtida através da multiplicação da alíquota nominal média do ISS de 2,93% pela receita bruta.

A exclusão do ISS da base de cálculo do PIS/Cofins faz com que seja necessário calcular as novas alíquotas efetivas as resultantes da bipartição das alíquotas e o isolamento da alíquota de ISS. A alíquota efetiva do PIS/Cofins passa a ser 3,79%, segundo o seguinte cálculo:

Alíquota Efetiva= 11- – Alíquota Nominal PIScumulativo- Alíquota Nominal Cofinscumulativo-1

As alíquotas efetivas do ISS passam a ser as respectivas alíquotas nominais estabelecidas pelos legisladores municipais. Assim sendo, para efeito deste artigo, a alíquota efetiva média do ISS passa a ser as alíquota nominal média do ISS, de 2,93%. Vislumbra-se, de plano, uma redução da onerosidade tributária em face da diminuição das alíquotas efetivas de ambos os tributos.

As alterações das alíquotas efetivas levam à queda de arrecadação. A queda da alíquota efetiva do PIS/Cofins, para 3,79%, leva à queda da arrecadação do PIS/Cofins de R$ 3,310 milhões para R$ 3,213 milhões, representando uma queda de arrecadação de R$ 97 milhões. A queda da alíquota efetiva média do ISS, para 2,93%, leva à queda da arrecadação do ISS de R$ 2.655 milhões para R$ 2.578 milhões, representando uma queda de arrecadação de R$ 78 milhões. A queda de arrecadação total, que é a somatória das suprarreferidas, é de R$175 milhões, o que corresponde uma redução de 2,93% da arrecadação total. Ademais, observa-se a queda da receita bruta de R$ 90.679 milhões para R$ 90.601 milhões.

Assumindo que o montante da queda de arrecadação seja alocado em algum uso produtivo ou consumo dos agentes econômicos, a redução da onerosidade terá efeitos multiplicadores, gerando mais produção, renda, emprego assim como, arrecadação adicional. Para verificar o impacto econômico da queda de arrecadação da exclusão do ISS da base de cálculo do PIS/Cofins para software e serviços de TIC foi utilizado o modelo insumo-produto. Esse modelo funciona como uma fotografia econômica, mostrando como os setores estão relacionados entre si, ou seja, quais setores suprem os outros de serviços e produtos e quais setores compram de quem.

Se utilizando da Matriz Insumo-Produto publicada pelo Nereus/USP [3] para 2017, foram estimados os multiplicadores totais de produção, renda e emprego para os setores de Software e Serviços de TIC. Esses multiplicadores estimam os efeitos de mudanças exógenas sobre a produção; sobre a renda ganha pelas famílias e sobre os empregos que são gerados por essas mudanças. Adotamos, neste artigo, a premissa de que a mudança exógena considerada é a redução da onerosidade tributária.

A redução da onerosidade tributária de R$ 175 milhões para software e serviços de TIC é capaz de aumentar a produção da economia em R$419 milhões, a renda em R$ 119 milhões e gerar 3.115 novos postos de trabalho.

O aumento da produção pela redução da onerosidade tributária levará a um aumento de arrecadação do PIS/Cofins e do ISS. A arrecadação adicional calculada é de R$ 15,3 milhões para PIS/Cofins e de R$12,3 milhões para ISS. O total da arrecadação adicional de R$ 27,5 milhões faz com que a queda de arrecadação de R$ 175 milhões, seja parcialmente recuperada pela arrecadação adicional, passando para R$ 147 milhões, uma redução de 15,8%.

Esses resultados mostram que, apesar da queda de arrecadação, a exclusão do ISS da base de cálculo do PIS/Cofins é capaz de gerar mais produção, renda, emprego e arrecadação adicional devido à redução da onerosidade tributária.

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Referências
BRASSCOM. Relatório Setorial 2021. https://brasscom.org.br/pdfs/relatorio-setorial-de-tic/, acessado em 05/09/2022.

GUILHOTO, J.J.M (2010). “Análise de Insumo-Produto: Teoria e Fundamentos”.

GUILHOTO, J.J.M. e U. Sesso Filho (2005). “Estimação da Matriz Insumo-Produto a Partir de Dados Preliminares das Contas Nacionais”. Economia Aplicada. Vol. 9. N. 2. Abril-Junho. pp. 277-299

GUILHOTO, J.J.M., U.A. Sesso Filho (2010). “Estimação da Matriz Insumo-Produto Utilizando Dados Preliminares das Contas Nacionais: Aplicação e Análise de Indicadores Econômicos para o Brasil em 2005”. Economia & Tecnologia. UFPR/TECPAR. Ano 6, Vol 23, Out./Dez. ISSN 1809-080X.

NEREUS, USP, Núcleo de Economia Regional e Urbana da Universidade de São Paulo. Sistema de Matrizes de Insumo-Produto, Brasil (2010-2018). Disponível em:

RFB, Receita Federal do Brasil. “Arrecadação do PIS/Cofins por divisão econômica CNAE por regime de tributação do lucro (a preços correntes)”, Disponível em: Acesso em agosto de 2022.

RFB, Receita Federal do Brasil. Carga Tributária no Brasil 2017 (CTB): Análise por Tributos e Base de Incidência. Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros, 2018. Disponível em .

Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5659/MG, Acordão.

[1] O último CTB que publicou as divisões de tributos cumulativos e não-cumulativos por tipo de tributos sobre bens e serviços foi publicado em novembro de 2018, referente aos dados de 2017

[2] Outros refere-se às entidades imunes, isentas; lucro arbitrado e outras situações;

[3] A matriz está disponível em: , acesso em 08/08/2022 e seguem a metodologia de Guilhoto e Sesso Filho (2010) e Guilhoto e Sesso Filho (2005)

Sergio Paulo Gomes Gallindo, Helena Loiola Persona e Stephanie Felix Sieber

Sergio Paulo Gomes Gallindo é presidente da Brasscom, advogado, mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e mestre em Ciência da Computação pela University of Texas at Austin.

Helena Loiola Persona é especialista em inteligência e informação da Brasscom, doutoranda em Teoria Econômica na Unicamp e mestre em Economia Aplicada pela UFSCar.

Stephanie Felix Sieber é analista sênior de inteligência e informação da Brasscom e cursa pós-graduação em Ciência de Dados na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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