Estorno unilateral de créditos do ICMS – inconstitucionalidade a visão do Superior Tribunal de Justiça – STJ

Rinaldo Maciel de Freitas

Estorno unilateral de créditos do ICMS – inconstitucionalidade a visão do Superior Tribunal de Justiça – STJ

O STJ, no RMS nº 38041, declarou inconstitucional a Resolução nº 3.166/2001 de Minas Gerais, que glosa unilateralmente créditos de ICMS, com base no art. 8º da LC nº 24/1975


O estorno de créditos do ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços feitos pelos Estados como forma de combater a conhecida “Guerra Fiscal” partem de mera suposição e podem ser elididos por prova em contrário nos termos do parágrafo único do art. 204 do Código Tributário Nacional:


“no setor das infrações subjetivas, em que penetra o dolo ou a culpa na compostura do enunciado descritivo fato ilícito, a coisa se inverte, competindo ao Fisco, com toda a gama instrumental dos seus expedientes administrativos, exibir os fundamentos concretos que revelem a presença do dolo ou da culpa, como nexo entre a participação do agente e o resultado material que dessa forma se produziu. Os embaraços dessa comprovação, que nem sempre é fácil, transmudam-se para a atividade fiscalizadora da Administração, que terá a incumbência intransferível de evidenciar não só a materialidade do evento como, também, o elemento volitivo que propiciou ao infrator atingir seus fins contrários às disposições da ordem jurídica vigente” (Carvalho, Paulo de Barros – Direito Tributário, Linguagem e Método – página 954 – 3ª Edição – SP – Noeses – 2009).

 

Aqui reside outro impeditivo legal para o Estado. O art. 102 do Código Tributário Nacional dispõe que a legislação tributária vigora exclusivamente no território da entidade política que a emana e não há como um Estado exigir a apresentação de documentos de contribuintes doutros Estados Federados.

 

A lição de Roque Carrazza é no sentido de que, se o Estado de destino entende que os benefícios fiscais outorgados pelo Estado de origem a seus contribuintes infringem o art. 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal, por seu turno, não pode transformar o contribuinte do Estado de destino em sua longa manus, para que ele controle a constitucionalidade e a legalidade de benefícios fiscais:

 

“Em suma, problemas emergentes da chamada “guerra fiscal” entre as unidades federadas se resolvem na Suprema Corte, e não às expensas de contribuintes que adquiriram de boa-fé mercadorias e, ainda por cima, têm em mãos, documentando as operações mercantis realizadas, notas fiscais formalmente em ordem” (Carrazza, Roque Gomes – ICMS – 14ª Edição – página 364 – São Paulo – Malheiros – 2009).

Evidente que a concessão de benefícios fiscais não autorizados fere o art. 155, II, 2º, XII, “g” da CF de 1988, matéria pacífica no âmbito dos tribunais superiores, no entanto não autoriza seja ferido o art. 155, II, 2º, I do mesmo diploma.

 

É pacífico no STF – Supremo Tribunal Federal o entendimento de que Estados não podem conceder unilateralmente benefícios fiscais não autorizados pela maioria desses e do Distrito Federal, em respeito ao inciso XII, “g” do art. 155, II, § 2º da Constituição Federal, tendo julgado procedentes todas as Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade neste sentido, no entanto, não há qualquer decisão, inclusive do STJ – Superior Tribunal de Justiça autorizando estorno de créditos, a não ser que estivessem amplamente demonstrados por provas inequívocas, porque igualmente feriria o art. 155, II, 2º, I do mesmo diploma, conforme regra-matriz do imposto:

 

“O primado da não-cumulatividade é uma determinação constitucional que deve ser cumprida, assim por aqueles que dela se beneficiam, como pelos próprios agentes da Administração Pública. E tanto é verdade, que a prática reiterada pela aplicação cotidiana do plexo de normas relativas ao ICM e ao IPI consagra a obrigatoriedade do funcionário, encarregado de apurar a quantia devida pelo ‘contribuinte’, de considerar-lhes os créditos, ainda que contra a sua vontade” (A Regra-Matriz do ICM, tese de livre-docência, apresentada na Faculdade de Direito da PUC/SP, 1981, inédita, página 377).

Neste sentido é que ousamos no livro Freitas, Rinaldo Maciel – ICMS – Do Imposto sobre o Consumo à Guerra Fiscal – São Paulo – Editora Fiscosoft – 2011, afirmar que a Lei Complementar nº 24, de 07 de janeiro de 1975 não foi recepcionada na sua totalidade, porque, seu art. 8º fere o princípio da não cumulatividade do imposto:

 

Processual Civil e Tributário. Recurso Especial. Alínea “a”. Violação a Convênio do ICMS Editado no âmbito do Confaz.

 

Conceito de Lei Federal. 1. Os convênios do ICMS, editados pelo CONFAZ nos termos da LC 24/75, via de regra, não se incluem no conceito de “lei federal”, para fins de interposição de recurso especial fundado na alínea “a” do inciso III do art. 105 da CF/88. 2. Exceção é o Convênio ICMS n.º 66/88 que teve origem na autorização dada pelo art. 34, § 8º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT para que os Estados regulassem provisoriamente o ICMS, nos termos da LC 24/75, até que o Congresso Nacional editasse a lei complementar desse imposto. 3. Esse Convênio, até a edição da LC 87/96, serviu como regra geral de caráter nacional para o ICMS, extraindo seu fundamento de validade diretamente do Texto Constitucional, o que não se observa relativamente aos demais convênios do Confaz. 4. Recurso especial não conhecido

 

 (STJ – Superior Tribunal de Justiça – REsp 1.137.441/MG. – Processo nº 2009/0081861-6 – Primeira Seção – Relatora: Ministra Eliana Calmon – 09/06/2010).

 

Sendo este o mesmo entendimento do professor Roque Antônio Carrazza:

“Tal ‘glosa de créditos’ ou, em termos mais técnicos, ‘anulação dos créditos relativos às operações mercantis anteriormente realizadas’, absolutamente não se sustenta, ao lume do princípio da não-cumulatividade do ICMS. Também não encontra amparo no art. 8º, da Lei Complementar 24/1975, que, por ir além dos ditames do art. 155, § 2º, XII, ‘g’, da Carta de 1988, não passou pelo fenômeno da recepção” (Carrazza, Roque Antônio – ICMS – 15ª Edição – Malheiros – 2011).

Este foi o entendimento da 1ª Seção do STJ – Superior Tribunal de Justiça no RMS 38041 que entendeu que o mecanismo de reação à guerra fiscal por Minas Gerais não é legítimo e, estamos cansados de fazer esta sustentação junto ao Conselho de Contribuintes do Estado. Concluiu a 1ª Seção do STJ que, em operações interestaduais, o valor efetivamente recolhido na operação anterior de que tratam os artigos 19 e 20 da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, não pode levar em consideração elementos extrínsecos à operação anterior, equivalendo este valor ao imposto constante da nota fiscal apresentada pelo adquirente da mercadoria.

 

O art. 8º da Lei Complementar nº 24, de 07 de janeiro de 1975, conflita com os artigos 19 e 20 da Lei nº 87/1996 considerando que o artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) prescreve que “A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”. Portanto, revogação tácita ou indireta, embora não expressamente estabelecida pela nova lei, portanto, a Resolução 3.166/2001 na parte que veda apropriação de créditos é inconstitucional:

 

Ação declaratória – ICMS – Resolução nº 3.166/2001 – vedação de apropriação de crédito de ICMS, nas operações interestaduais com incentivos fiscais – princípio da não-cumulatividade – Recurso Provido.

 

 As limitações impostas ao princípio da não-cumulatividade pelas leis complementares, convênios e regulamentos são inconstitucionais; da Carta Magna constam apenas como exceção à tal princípio a isenção e a não-incidência, não podendo a legislação infraconstitucionais criar outras. O princípio da não-cumulatividade consiste no realizar o abatimento, na operação posterior, do imposto incidente e pago na operação anterior. CF, art. 155, § 2º, I. Impossibilidade da vedação do crédito em razão da redução da base de cálculo do imposto. II. RE provido. Não provimento do agravo – RE 355422 AgR/MG, Ministro Carlos Velloso, DJ 28-10-2004

 

(TJMG – Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Apelação Cível nº 1.0024.05.773735-5/001 – Relator: Desembargador Alvim Soares – 06/02/2007).

 

Essa incompatibilidade consiste justamente na verificação do conflito residente entre o artigo 8º da Lei nº 24/75 e os dispostos nos artigos 19 e 20 da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, prevalecendo esta última na medida em que compatível com o texto constitucional: lex posterior derogat priori. Não seria razoável conceber a aplicação simultânea de duas leis contraditórias :

Art. 20 Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação.

 

A não-cumulatividade do imposto é linear, ensejando a observação de créditos diante de operações sucessivas. Determinação constitucional que deve ser cumprida pela Administração Pública, observando a regra constitucional nos termos do inciso I, do § 2º, do artigo 155 da Constituição Federal, não podendo a lei limitar a não-cumulatividade do imposto:

 

Agravo Regimental. Tributário. ICMS destacado nas notas fiscais emitidas pela fornecedora. Direito ao creditamento. Princípio da não-cumulatividade.

 

Demanda Declaratória que Reconhecera a não Incidência do ICMS sobre os Serviços de composição gráfica nas embalagens personalizadas. Estorno dos Créditos pelos Adquirentes das Mercadorias. Impossibilidade. 1. O direito de crédito do contribuinte não decorre da regra-matriz de incidência tributária do ICMS, mas da eficácia legal da norma constitucional que prevê o próprio direito ao abatimento (regra-matriz de direito ao crédito), formalizando-se com os atos praticados pelo contribuinte (norma individual e concreta) e homologados tácita ou expressamente pela autoridade fiscal. Essa norma constitucional é autônoma em relação à regra-matriz de incidência tributária, razão pela qual o direito ao crédito nada tem a ver com o pagamento do tributo devido na operação anterior. 2. Deveras, o direito ao creditamento do ICMS tem assento no princípio da não-cumulatividade, sendo assegurado por expressa disposição constitucional, verbis: “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (…) II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (…) § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal; (…)” (grifo nosso) 3. O termo “cobrado” deve ser, então, entendido como “apurado”, que não se traduz em valor em dinheiro, porquanto a compensação se dá entre operações de débito (obrigação tributária) e crédito (direito ao crédito). Por essa razão, o direito de crédito é uma moeda escritural, cuja função precípua é servir como moeda de pagamento parcial de impostos indiretos, orientados pelo princípio da não-cumulatividade. 4. Destarte, o direito à compensação consubstancia um direito subjetivo do contribuinte, que não pode ser sequer restringido, senão pela própria Constituição Federal. Evidenciado resulta que a norma constitucional definiu integralmente a forma pela qual se daria a não-cumulatividade do ICMS, deixando patente que somente nos casos de isenção e não-incidência não haveria crédito para compensação com o montante devido nas operações seguintes ou exsurgiria a anulação do crédito relativo às operações anteriores (artigo 155, § 2º, II). 5. Ressoa inequívoco, portanto, que o direito de abatimento, quando presentes os requisitos constitucionais, é norma cogente, oponível ao Estado ou ao Distrito Federal. A seu turno, os sucessivos contribuintes devem, para efeito de calcular o imposto devido pela operação de saída da mercadoria do seu estabelecimento, abater o que antes e, a título idêntico, dever-se-ia ter pago, a fim de evitar a oneração em cascata do objeto tributado, dando, assim, plena eficácia à norma constitucional veiculadora do princípio da não-cumulatividade. Percebe-se, assim, que o creditamento não é mera faculdade do contribuinte, mas dever para com o ordenamento jurídico objetivo, não lhe sendo possível renunciar ao lançamento do crédito do imposto, mesmo que tal prática lhe fosse conveniente. Sequer a própria lei poderia autorizá-lo a tanto, sob pena de patente inconstitucionalidade. 6. Nesse diapasão, não se afigura legítima a exigência de estorno dos créditos de ICMS, porquanto a empresa agiu no estrito cumprimento da regra-matriz de direito ao crédito, uma vez ter-lhe sido regularmente repassado o tributo pela empresa fornecedora quando da aquisição das embalagens personalizadas, consoante destacado nas notas fiscais – documentos idôneos para tanto -, gerando a presunção de incidência da exação na operação anterior. 7. Deveras, a relação fiscal se estabelece entre o sujeito com competência tributária e o contribuinte, de sorte que o eventual crédito do fisco em relação ao primeiro contribuinte do imposto não pode ser exigido de outrem, o qual pela lei não é seu substituto tributário nem sucessor. In casu, a recorrente pagou o tributo e o primeiro contribuinte depositou-o, levantando-o após, com a anuência do Estado, que não pode pretender reavê-lo de quem implementou o seu dever (Precedente da Primeira Turma: REsp 782987/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 13.03.2007, DJ 09.04.2007). 8. Agravo regimental desprovido

 

(STJ – Superior Tribunal de Justiça – AGRESP – Agravo Regimental no Recurso Especial – 1065234 – Processo nº AGRESP 200801283783 – Primeira Turma – Relator: Ministro Luiz Fux – 15/06/2010).

 

Considerando a taxatividade da Resolução nº 3166/2001, e a não-cumulatividade, a Fazenda mineira não pode proceder ao estorno, conforme entende Roque Antônio Carrazza:

 

“Retomando o exemplo, o adquirente tem jus ao aproveitamento integral do crédito, se a nota fiscal destaca o ‘valor cheio’ do imposto (12%); mesmo que o fornecedor da mercadoria tenha sido contemplado por benefício (no caso, um fictício crédito presumido de 8%), que não encontra respaldo em convênio interestadual” (Carrazza, Roque Antônio – ICMS – 15ª Edição – Malheiros – 2011).

Rinaldo Maciel de Freitas

Graduado em Filosofia pelo Instituto Agostiniano de Filosofia. Membro da Sociedade Brasileira de Filosofia Analítica. Graduado em Direito pela Faculdades Integradas do Oeste de Minas (FADOM). Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários (APET). Pós-Graduando em Direito Público. Formação Extra Curricular: Ética/UEMG – Arbitragem/UFMG – Psicologia Jurídica/UEMG – Classificação Fiscal de Produtos/Aduaneiras.

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