Energia elétrica – Demanda contratada – Base de cálculo do ICMS
José Benedito Miranda
O adequado dimensionamento do sistema elétrico – tema com o qual, a exemplo do regime de remuneração do serviço público concedido, se acha envolta a fixação da base de cálculo do ICMS – depende não só da quantidade de energia consumida, mas também da intensidade em que ela é consumida, denominada demanda de potência, que é a soma das cargas dos equipamentos elétricos a serem atendidas.
Para suprir as necessidades dos chamados consumidores intensivos, indústrias, "shopping centers" e alguns edifícios comerciais, classificados no Grupo A, atendidos em alta tensão, faz-se necessária uma rede de alta potência, com linhas de transmissão que operam em alta tensão e condutores com grandes bitolas, pois quanto mais intenso é o consumo da energia em dado espaço de tempo, maior é a potência utilizada e, consequentemente, a intensidade do fluxo da energia.
Como a intensidade do consumo depende da potência do aparelho em funcionamento e do tempo em que permanece ligado, quanto maior é a carga instalada, maiores serão os investimentos necessários para que a rede possa suportar um intenso fluxo da energia, segundo as peculiares necessidades de cada consumidor.
Nesse contexto, o consumidor intensivo de energia elétrica vê-se, então, obrigado a contratar com a concessionária o fornecimento de energia elétrica na intensidade requerida pela soma das cargas dos aparelhos elétricos a serem atendidos, expressa em "quilowatts", ajustando o valor da tarifa por cujo pagamento deverá responder.
Considerada, então, a finalidade que presidiu sua instituição, a tarifa de demanda destina-se a remunerar os investimentos feitos na rede e é devida integralmente pelo valor fixado no contrato, enquanto a tarifa de energia, exigida em razão da quantidade consumida, destina-se a suportar os custos de sua geração, segundo o autorizado magistério doutrinário de Walter T. Álvares (in "Instituições de Direito da Eletricidade", Ed. Bernardo Álvares, 1962, p. 449).
Entretanto, a linguagem judiciária ainda insiste em empregar a expressão fora de seu significado técnico e, não raramente, confunde e embaralha as expressões "demanda contratada" e "energia consumida", elegendo um nome ao invés do outro, pelo que deve-se adotar o rigor da terminologia do setor elétrico, já consagrada, não se admitindo o emprego de uma única expressão para designar duas realidades distintas, mesmo porque a adequada prestação da jurisdição depende substancialmente da propriedade da linguagem empregada.
Modalidade tarifária
O modelo tarifário leva em conta, então, os grupos e classes de consumidores, dividindo-os conforme a tensão de fornecimento (altas, médias e baixas tensões) e a atividade em que a energia é empregada (industrial, comercial, residencial, etc.), e, ao adotar a tarifa binômia, assim conhecida por abrigar valores distintos para a potência contratada e para a energia consumida, atende à necessidade de ratear os custos de forma proporcional ao impacto que cada consumidor causa ao sistema elétrico, com o que permite diferenciar o preço da energia consumida em grande intensidade (alta potência) daquela consumida em pequena quantidade (baixa potência), refletindo, por último, a composição dos custos de geração da energia e de disponibilização dos sistemas de distribuição para viabilizar um determinado consumo.
Os custos do serviço de fornecimento de energia elétrica para os consumidores atendidos em alta tensão são, pelo visto, repartidos entre os componentes tarifários de demanda de potência e de consumo de energia, de modo que cada grupo ou classe de consumidores possa responder pela fração que lhe couber, tal como estabelece o art. 14, do Decreto nº 86.463/81. Se assim não fosse, os pequenos consumidores estariam também arcando com os custos dos investimentos realizados pela concessionária para atender o específico segmento dos consumidores intensivos.
Por conseguinte, é fácil entender porque a contratação de uma determinada demanda de potência implica uma tarifação distinta, pois, se o consumo intensivo requisita demanda de potência maior, que, para ser atendida, exige da concessionária elevados investimentos na rede de distribuição, o valor devido deverá ser naturalmente superior ao daquele que não exigiu maiores inversões de capital.
Parafraseando Celso Antônio Bandeira de Mello, os melhoramentos introduzidos na rede de distribuição para os propósitos desejados constituem, assim, elementos instrumentais para adequada oferta do serviço concedido, cuja utilidade exprime-se, no caso, através do fornecimento da energia elétrica, a que servem e que, por isso mesmo a ele aderem. Visto sob tal perspectiva, o fornecimento da energia elétrica, com as características ajustadas em contrato, constitui um complexo que abarca, como componente seu, os custos dos melhoramentos introduzidos na rede de distribuição, em que se apóia e o preço da energia elétrica consumida, circunstância que realça a existência de um nexo lógico entre obras e serviços, ocorrente em todos ou quase todos os casos de prestação de serviço público.
Nesse contexto, mostra-se razoável que a concessionária pretenda se ressarcir dos elevados investimentos realizados e dos dispendiosos custos de manutenção com colocação da demanda contratada à disposição do consumidor intensivo, mediante a cobrança de uma tarifa específica, uma vez que, tratando-se de um serviço público concedido, tais inversões de capital devem ser necessariamente recuperadas, ainda que não venha a se utilizar, de forma contínua, no montante e intensidade contratados, da demanda solicitada no contrato, pois a qualquer“acréscimo de encargos ou mutação de condições de funcionamento do serviço que se reflitam sobre a equação patrimonial hão de corresponder as compensações pecuniárias restauradoras do equilíbrio inicial”, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello (“Curso de Direito Administrativo”, 21ª Ed., p. 702).
Nesse sentido, dispõe o Decreto nº 62.724/68, que estabelece normas gerais de tarifação para as empresas concessionárias de serviços públicos de energia elétrica:
"Art. 11. As tarifas a serem aplicadas aos consumidores do Grupo A serão estruturadas sob forma binômia, com uma componente de demanda de potência e outra de consumo de energia.
Art. 12. A demanda de potência faturável para as unidades consumidoras do Grupo A será a maior dentre as seguintes:
I – a maior demanda medida, integralizada no intervalo de quinze minutos durante o período de faturamento;
II – a demanda contratada, observado o disposto no art. 18 deste Decreto e no art. 3º do Decreto n. 86.463, de 13 de outubro de 1981".
É o chamado "custo da disponibilidade", presente na generalidade das tarifas de serviços públicos concedidos, que viabiliza a oferta de um serviço adequado, contínuo e ininterrupto, garantindo sua eficiência, circunstância que, ademais, legitima a obrigação imposta ao usuário do serviço público de arcar com o pagamento de uma tarifa mínima.
Com isso, preserva-se a equação financeira do contrato, mesmo porque, sem a garantia de uma retribuição mínima, que assegurasse a amortização dos investimentos realizados para atendimento de necessidades específicas do consumidor intensivo, ninguém assumiria a onerosa responsabilidade pela prestação de um serviço adequado de suprimento da energia nas condições desejadas pelo consumidor (REsp nº 609.332, Relatora Min. Eliana Calmon). Assim, a destinação do componente tarifário, no caso, constitui parte integrante da estrutura da própria obrigação assumida pelo consumidor.
Tratando-se, entretanto, de residências, lojas, agências bancárias, pequenas oficinas, edifícios residenciais e boa parte dos edifícios comerciais, classificados no Grupo B, atendidos em baixa tensão, as condições de fornecimento da energia elétrica não causam maior preocupação ao setor elétrico, residindo a razão pela qual pagam a tarifa monômia, isto é, são cobrados apenas pela energia que consomem, tendo a concessionária, não obstante, a garantia de uma tarifa mínima.
Base de cálculo do ICMS
A exemplo do tratamento dispensado à definição do contribuinte do imposto nela discriminado, a Constituição de 1988 confiou também ao domínio normativo de lei complementar a disciplina jurídica da definição da base de cálculo do ICMS, com o que deixou antever o legislador constituinte seu propósito de imprimir um tratamento homogêneo, de âmbito nacional, às matérias elencadas no art. 146, III, "a", da CF e, especificamente, no que concerne ao imposto de competência estadual, à definição da sua base de cálculo (CF, art. 155, § 2º, "i").
Nesse contexto, os conceitos de operação relativa à circulação de mercadorias, de prestação de serviços tributados pelo ICMS, do contribuinte e de sua base de cálculo, estão diretamente relacionados com diplomas normativos de âmbito nacional, válidos, por mecanismos de integração, para todo o território nacional, por expressa previsão constitucional, sendo vinculantes, por conseguinte, para o legislador ordinário e para o aplicador da lei.
A exigência de lei complementar se explica, uma vez que, "sendo um imposto nacional de competência dos Estados, com implicações várias decorrentes do princípio da não-cumulatividade, à evidência, teria que possuir um regramento supra-ordinário maior que o dos outros impostos, a fim de evitar conflitos desnecessários e violações à estabilidade do sistema. Esta é a razão pela qual pormenorizou o constituinte as áreas maiores de atuação da lei complementar no que diz respeito ao ICMS", segundo o autorizado magistério doutrinário de Ives Gandra da Silva Martins ("O Sistema Tributário na Constituição", Saraiva, 6ª edição, p. 632).
Nesse sentido, Geraldo Ataliba ("Normas Gerais na Constituição – Leis Nacionais, Leis Federais e seu Regime Jurídico", in Estudos e Pareceres de Direito Tributário – Vol. 3. São Paulo. RT, 1980, p. 15/16) e Sacha Calmon Navarro Coelho ( “Curso de Direito Tributário Brasileiro”, 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 105), entre outros.
Do encargo, desincumbiu-se a Lei Complementar nº 87/96, que, em seu art. 13, I, dispõe que a base de cálculo do ICMS é o valor da operação, acrescentando, em seu § 1º, II,"a" e "b", que esse valor deve compreender todas as demais despesas imputadas ao adquirente da mercadoria.
No que respeita, especificamente, às operações com energia elétrica, a generalidade daquele enunciado veio a ser particularizado pelo art. 9º, § 1º, II, da mesma lei complementar, ao autorizar o legislador ordinário a atribuir a responsabilidade pelo recolhimento do imposto às empresas distribuidoras de energia elétrica, desde a produção até a última operação, sendo seu cálculo efetuado sobre o preço praticado na operação final, que incorpora, naturalmente, todos os custos incorridos desde a produção até a entrega da energia ao consumidor final.
No caso de fornecimentos de energia elérica, em que a concessionária se obriga por assegurar também o fluxo mínimo de energia necessário para atender as cargas instaladas, mesmo em horário de ponta, os atributos mensuráveis do fato gerador do imposto são determinados por meio de dois critérios distintos, que consideram o valor da energia consumida e o preço da demanda estipulado no contrato.
Na dicção da lei complementar, o valor da operação, vale dizer, do negócio jurídico de que resulte a entrega da mercadoria, não comporta a exclusão de qualquer parcela debitada ao consumidor, sendo esta a única interpretação possível que se pode extrair dos artigos 9º, § 1º, II e 13, I, e § 1º, II, "a", da LC 87/96, mesmo porque quando pretendeu excluir algum elemento da base de cálculo do imposto, a própria Constituição o fez (CF, art. 155, § 2º, XI), não deixando assim qualquer espaço para atuação do intérprete ou para o aplicador da lei.
Isso significa que, em tema de fornecimento de energia elétrica, o "valor da operação" deve corresponder ao valor da nota fiscal/fatura cobrado pela concessionária, não se limitando, então, ao valor da quantidade de energia elétrica consumida, um dos componentes da tarifa de energia, pois deve incluir também o valor integral do outro componente relativo à demanda contratada, pois, se assim não fosse, a base de cálculo do imposto mostrar-se-ia insuficiente para traduzir o valor real da operação, que pressupõe a integração de todos os elementos que são adicionados ao custo da mercadoria e cobrados pela concessionária. E a inclusão do valor desse componente tarifário na base de cálculo do ICMS deve-se dar, então, na exata medida com que, como parcela do preço, concorre para a determinação do valor da fatura de energia elétrica.
E assim importa que seja, basta ver a simetria existente entre as despesas acrescidas ao custo das mercadorias vendidas e o custo da disponibilização da demanda contratada, agregada ao fornecimento da energia elétrica, uma vez que ambos decorrem de um negócio jurídico único, concorrendo um e outro para a formação do preço final, mesmo porque, à ótica da jurisprudência do STF, nem a lei dos Estados está autorizada a promover a exclusão dos juros acrescidos nas vendas a prazo da base de cálculo do ICMS, pois tal iniciativa, à falta de previsão em lei complementar, equivaleria à concessão de benefício fiscal sem a observância do procedimento previsto no art. 155, § 2º, XII, "g", da CF, segundo o que decidido no julgamento da ADI/MG 84.
Ademais, para a Suprema Corte, como a legislação do ICMS não diferencia as operações de venda à vista ou a prazo, legitima-se a inclusão dos juros na base de cálculo do ICMS, uma vez que o fato gerador é a circulação da mercadoria. (AI 807.613, Rel. Min. Joaquim Barbosa; AI 805.951, Rel. Min. Celso de Mello; AgRg no Ag 488.717, Rel. Min. Gilmar Mendes; AgR-AI 453.995, Rel. Ricardo Lewandowski; RE 363.539, Rel. Min. Carlos Britto; AgRg -AI 289.724, Rel. Min. Néri da Silveira e AgRg -AI 228.242, Rel. Min. Carlos Velloso, inter plures).
Parece intuitivo, por conseguinte, que o delineamento do campo impositivo do ICMS traduz emanação que resulta, primariamente, da própria Constituição Federal, razão pela qual deve existir uma correlação lógica entre o fato gerador enunciado no art. 155, II, da CF e o montante sobre o qual deve incidir o imposto.
Nesse particular, a jurisprudência do STJ não discrepa, uma vez que, para ela, a venda a prazo revela modalidade de negócio jurídico único, no qual o vendedor oferece ao comprador o pagamento parcelado do produto, acrescendo-lhe um "plus" ao preço final, razão pela qual o valor desta operação integra a base de cálculo do ICMS, na qual se incorporam, assim, o preço "normal" da mercadoria (preço de venda à vista) e o acréscimo decorrente do parcelamento" (REsp 1.106.462; Ag 1.303.763; AI 289.724-AgR; AI 228.242-AgR e AI 364.281, entre outros).
Do mesmo modo, o imposto incide sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios (CF, art. 155, § 2º, IX, "b"), como, aliás, tem decidido o STJ (REsp 1.203.185 e REsp 990.739).
E não é por outra razão que idêntico tratamento dispensa-se ao valor do frete, quando incluído no preço da mercadoria ou quando efetuado pelo próprio remetente ou por sua conta e ordem (LC 87/96, § 1º, II, "b”), uma vez que referida despesa integra o valor da operação, razão pela qual deve ser levada em conta para fins de cálculo e pagamento do imposto (REsp nº 884.705 e REsp nº 596.873).
Não é de estranhar que assim seja, pois é o mesmo tratamento que normalmente se dispensa às demais despesas acrescidas ao preço da mercadoria, basta ver que, se o comerciante vende com a obrigação de entregar o produto (preço CIF, custo, seguro e frete), óbvio que o preço será superior ao da modalidade FOB ("free on board" ou livre a bordo), em que a obrigação de retirar a mercadoria é do adquirente.
É o que também ocorre com a inclusão do valor relativo à assinatura básica de telefonia, na base de cálculo do ICMS sobre a prestação de serviços de comunicação (Resp 1.022.257), cujo valor mínimo, segundo a jurisprudência daquela Corte, destina-se a garantir a viabilidade econômica do serviço – princípio informador da formação das demais tarifas dos serviços públicos concedidos -, tendo o consumidor, por contrapartida, uma franquia de sua utilização, pagando o custo dos impulsos excedentes.
Em todas essas hipóteses, entre outras, o valor da operação, para fins de cálculo do imposto devido, compreende, portanto, todas as despesas debitadas ao consumidor final ainda que inscritas na nota fiscal sob diferentes rubricas. Desses valores agregados ao preço da mercadoria cuida especificamente o art. 13, § 1º, II, "a" e "b", da LC 87/96.
Embora desnecessário, porque existente disposição legal expressa, demonstrada a similitude essencial entre as situações equiparadas, importa que seja dispensado ao componente tarifário da conta de energia o mesmo tratamento assegurado às operações equiparadas, uma vez que os supostos fáticos em que repousam são essencialmente iguais nos aspectos importantes e diferentes apenas nos aspectos secundários.
Mas, a se socorrer da analogia, mostra-se oportuna a aplicação da figura do precedente judicial, que, mercê de timbrar a interpretação dos sistemas do "civil law" e do "common law", consubstancia técnica de aprimoramento da aplicação isonômica do Direito, a recomendar, portanto, que, para "casos iguais", "soluções iguais" (RE 433.896, Min. Cármen Lúcia), ou, a se preferir, "ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio".
Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça recusa-se a conferir idêntico tratamento à tarifa destinada a remunerar os investimentos feitos pela concessionária para assegurar o fornecimento da energia elétrica com as características solicitadas pelo consumidor intensivo, assim o fazendo a partir da premissa segundo a qual, pressupondo a incidência do ICMS o efetivo consumo da energia, o valor do componente da tarifa a ser considerado na determinação da base de cálculo do imposto é o correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada, como tal considerada a demanda medida (REsp 960.476), por decorrência de uma equiparação estabelecida entre a energia consumida e a demanda de potência utilizada no período de faturamento, para dispensar a ambas as situações um tratamento jurídico único.
Há sérias e fundadas dúvidas sobre o acerto dessa orientação que tem presidido a formação da jurisprudência do Tribunal a respeito do tema, bastando dizer que dela diverge o que anteriormente decidido no REsp 983.814, Relator o Min. Castro Meira, para quem "A Lei Complementar 87/96, que regula o ICMS em âmbito nacional, em nenhum momento determina ser fato gerador do imposto o consumo de bens ou serviços".
Exatamente porque os contornos relativos à hipótese de incidência do ICMS já se acham estabelecidos na Constituição, não é dado ao aplicador da lei inserir elemento estranho à descrição do núcleo de sua materialidade da incidência, ou condicionar a incidência do imposto a qualquer circunstância superveniente, visto que, assim agindo, estará se distanciando de sua regra-matriz constitucional. Ou, por outras palavras, o elemento consumo só se transformaria em um conceito jurídico se o legislador complementar estabelecesse – ele próprio – que o fato gerador é o consumo ou que a incidência do ICMS sobre as operações relativas à circulação de mercadorias somente se aperfeiçoa com seu consumo.
Nesse sentido é a advertência que se colhe do magistério de Alcides Jorge Costa ("ICM na Constituição e na Lei Complementar". Ed. Resenha Tributária. SP, 1978, pág. 77) e de Paulo de Barros Carvalho (Hipótese de Incidência do ICM, RDT, nº 11/12, p. 261).
Ademais, como a potência contratada constitui mecanismo fundamental para administrar a segurança e a estabilidade do sistema elétrico, importa que a potência utilizada seja monitorada a cada quinze minutos, por equipamento próprio, para fins de aferição de que esteja sendo respeitado o cálculo da demanda máxima contratada e disponibilizada, pois seu uso acima dos quilowatts contratados – a revelar sua contratação em montantes inferiores aos necessários – pode gerar riscos de incêndio e quedas de fornecimento, ensejando, exatamente por isso mesmo, a aplicação da tarifa de ultrapassagem, por demais onerosa. Em tal situação – e apenas para esse propósito – mostra-se útil a medição da demanda utilizada.
Ademais disso, a medição da demanda não se presta mesmo para a determinação do valor do componente tarifário, uma vez que seu valor mínimo, por cujo pagamento comprometeu-se contratualmente o consumidor, estando fixado a valores certos, não sofre, por conseguinte, qualquer redução, ainda a medição revele, no período de faturamento, uma utilização inferior aos quilowatts contratados.
Diversamente, tratando-se de consumo de energia elétrica, a tarifa aplicada é valorada pela quantidade efetivamente consumida pelo estabelecimento, sendo o kWh sua unidade de medida, pois essa é a referência para a quantificação da obrigação de pagamento a cargo do consumidor. São critérios diversos para a mensuração da base de cálculo do imposto, que devem ser observados.
Parece imprópria, além de desnecessária, a equiparação procedida pela jurisprudência hoje predominante, mesmo porque a dicção legal é inequívoca, quando define que a base de cálculo do ICMS incidente sobre as operações relativas ao fornecimento de energia elétrica é o valor da operação, nele compreendidas todas as demais despesas debitadas ao concumidor final.
Por outro lado, e ao contrário do que afirmado e diversamente do que ocorre com a energia elétrica, bem móvel por equiparação legal, que pode então circular e ser objeto do comércio, a demanda contratada, por expressar simplesmente a intensidade de consumo da energia elétrica, para atender a soma das cargas instaladas, não é passível de circulação e nem pode ser consumida, a exemplo das demais despesas debitadas ao consumidor final.
Assim, se a demanda de potência contratada constitui-se em unidade de medida do componente tarifário, evidentemente que de mercadoria ou de coisa móvel não se trata e se não é e nem pode ser a ela equiparada, fica de todo impossibilitada a transferência de sua titularidade, pelo que se esvazia o principal fundamento do acórdão que se converteu no leading case da jurisprudência do STJ.
Ademais disso e fosse esse o caso, equiparar, segundo Tércio Sampaio Ferraz Jr., significa pôr em relação de igualdade o que é parelho, semelhante, sendo a analogia o instrumento básico da equiparação. A analogia, por sua vez, define-se como a subsunção de um fato para o qual não há norma à "facti species" de outra, no pressuposto de que entre ambos os supostos fáticos exista uma semelhança, isto é, que sejam essencialmente iguais nos aspectos importantes e diferentes apenas nos secundários. Segue daí que possíveis semelhanças devem ser apontadas tendo em vista razões e efeitos jurídicos e não meras semelhanças artificais, ditadas por critérios quaisquer de conveniência.
Pelo visto, a equiparação sugerida procede, entretanto, a uma igualação artificial entre duas realidades essencialmente desiguais, pois afirma a existência de uma igualdade por semelhança à qual não se subsumem as situações contempladas, ante as dessemelhanças entre elas existentes. Assim, tendo a equiparação por fundamento uma similitude essencial entre os elementos a equiparar, não parece fosse esse o caso de sua adoção.
Sendo assim e como a base de cálculo lógica e típica no ICMS, na hipótese de energia elétrica, é o valor de que decorrer sua entrega ao consumidor, este valor outro não poderá ser, por conseguinte, senão aquele que constituir objeto da fatura emitida pela concessionária, por abrigar naturalmente todos os custos incorridos desde a geração até a entrega do produto, residindo aí o motivo pelo qual a base de cálculo deve ser o "quantum" destacado na nota fiscal/fatura, eis que, então, "O ICMS deve incidir sobre o valor real da operação, descrito na nota fiscal de venda do produto ao consumidor" (AgRg/REsp nº 625.001, Relator Min. Castro Meira).
Assumindo a delimitação da base de cálculo do ICMS contornos constitucionais, uma vez que destinada a dimensionar a expressão financeira do fato tributável delineado no art. 155, II, da CF (AI 767.105, Relatora Min. Cármen Lúcia), a palavra final será dada pela Suprema Corte, quando julgar o RE 593.824/SC, Relator Min. Ricardo Lewandowski, pois, para o Plenário virtual da Corte, a matéria é relevante e transcende os interesses das partes envolvidas no litígio.
José Benedito Miranda
Procurador do Estado em Belo Horizonte (MG), ex-procurador-geral da Fazenda Estadual de Minas Gerais