É preciso criar incentivo fiscal para estimular conteúdo de vídeo on demand

Magno de Aguiar Maranhão Junior

A receita de serviços de TV e vídeo transmitidos pelo sistema over the top (OTT) no Brasil, já no ano de 2015, ultrapassava 503 milhões de dólares, consoante retratado pelo statista[1]. O que significa uma participação significativamente maior que os vizinhos México, Argentina, Chile e Colômbia. Haja vista que o Brasil conta com um percentual elevado da distribuição da base de assinantes dos serviços da Netflix na América Latina.

Na sequência, segundo pesquisa realizada pela consultora Frost & Sullivan, o Brasil já é considerado o 8º mercado consumidor dos serviços OTT no mundo. Nesse diapasão, dados de mercado comprovam que o crescimento do consumo dos serviços OTT é inversamente proporcional ao decréscimo dos serviços de TV por assinatura[2]. De acordo com a pesquisa, a TV paga, por exemplo, apresentou uma queda de 100,9 milhões de domicílios para 97,1 milhões, enquanto o vídeo OTT cresceu de 28 milhões para 50,3 milhões.

Nessa toada, o mercado de comunicação e da publicidade digital também está em ascensão. O Interactive Advertising Bureau (IAB), em parceria com a comScore, desenvolveu um estudo para analisar os números de investimentos em publicidade digital e o crescimento desse mercado. Os dados do estudo AdSpend 2017 foram apresentados, em março, no evento promovido pelo IAB.

Esperava-se um crescimento de 12% nos investimentos em publicidade digital em relação à 2015, porém, essa estimativa foi superada e teve um aumento de 26%, totalizando R$ 11,8 bilhões[3]. Por outro lado, segundo dados da PricewaterhouseCoopers, desde 2013 os gastos com publicidade em serviços online superam os gastos na televisão aberta, bem como os da TV por assinatura[4].

Portanto, já é uma realidade que os serviços OTT prestados em plataformas da internet tem um faturamento muito significativo com publicidade e outros mecanismos. E, na seara do mercado audiovisual, se destaca a ferramenta do vídeo on demand (VOD), que devido a sua expansão, urge a necessidade de regulamentação para permitir a realização de políticas públicas de fomento no setor e seu desenvolvimento.

Na Europa, os países membros da União Europeia, já contam com uma regulação para serviços de VOD desde a publicação da Diretiva de Serviços de Comunicação Social Audiovisual (Audiovisual Media Services Directive – AVMSD), de 10 de março de 2010. A diretiva explica, de modo genérico, regras aplicáveis a todos os Estados membros, visando garantir uma harmonização mínima entre os tratamentos regulatórios que cada Estado membro define para os segmentos de mercado por ela contemplados.

Nesse sentido, alguns países incrementaram as normatizações com especificidades, tal como a República Tcheca, Alemanha e a França, que optaram por criar um tributo específico a ser revertido para o fundo setorial. Já a Bélgica, Espanha, Itália e Portugal resolveram criar mecanismos de investimento direto para acelerar o setor.

Registre-se, ainda, que a França e a Itália criaram faixas de isenção tributária com base em um valor de receita líquida anual previamente definido visando estimular a concorrência e permitir a manutenção e ingresso de novos players no mercado.

No caso do Brasil, a Agência Nacional do Cinema (Ancine), no âmbito da Instrução Normativa 104, definiu o VOD logo em seu artigo 1º como o “conjunto de atividades encadeadas, realizadas por um ou vários agentes econômicos, necessárias à prestação dos serviços de oferta de um conjunto de obras audiovisuais na forma de catálogo, com linha editorial própria, para fruição por difusão não-linear, em horário determinado pelo consumidor final, de forma onerosa”.

De conseguinte, pecou ao estabelecer indevidamente, consoante explanado no artigo publicado na ConJur em dia 24 de agosto de 2017 sob o título “Ancine extrapola poder regulamentar ao tributar publicidade na internet”[5], por intermédio do artigo 24, parágrafo 2º da IN 95, de 08 de dezembro de 2011, o que seriam “outros mercados”, criando assim tributos por vias transversas, inclusive para o VOD. Confira-se.

(…)

§2º Entende-se por Outros Mercados os seguintes segmentos:

I – Vídeo por demanda;

II – Audiovisual em mídias móveis; (Revogado pelo art. 43 da Instrução Normativa n° 105)

III – Audiovisual em transporte coletivo; e

IV – Audiovisual em circuito restrito.

V – Publicidade audiovisual na Internet. (Incluído pelo art. 2º da Instrução Normativa nº 134)

(…)

Tal iniciativa engendrada por ato infra legal viola o disposto no artigo 150 da Constituição Federal, in verbis.

Art 150 CF. “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados e aos Municípios:

I – Exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. (…)”

Desse modo, conforme já esposado em artigo mais específico sobre o tema, houve flagrante extrapolação do poder regulamentar da agência naquela ocasião.

Doravante, ocorreu uma segunda tentativa da Ancine de tratar do tema VOD quando, na ocasião, publicou uma notícia regulatória sugerindo a imposição de cotas de conteúdo nacional nas plataformas de vídeo on demand, tendo recebido críticas pertinentes e duras da Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), vinculada ao Ministério da Fazenda. Dentre as quais, no parecer analítico 85/COGCP/SUCON/SEAE/MF[6], destaca-se a constatação de que os dados disponibilizados em consulta pública não permitiam identificar coerência entre a proposta apresentada e o problema demonstrado, sem olvidar a ausência de alternativas estudadas, tampouco as consequências da imposição das cotas.

É de se notar que a imposição de balizas limitadoras em modelos de negócios não amadurecidos no mercado, pode acarretar em uma inibição de ingresso de novos agentes de mercado, prejudicando assim o seu desenvolvimento no país, podendo inclusive criar um ambiente anti-concorrencial. Portanto, é indispensável a construção de novos paradigmas regulatórios para salvaguardar a normatização do VOD.

Nesse sentido, o próprio Conselho Superior de Cinema (CSC), que rechaçou a ideia prematura de cotas de conteúdo nacional nesse momento incipiente, vem empreendendo esforços para construir esses novos paradigmas.

Note-se que o Conselho Superior do Cinema já havia consolidado suas ideias sobre o VOD em um documento confeccionado em 17 de dezembro de 2015, oportunidade em que realizou a identificação dos principais elementos que caracterizam o vídeo sob demanda. Quais sejam: (a) um serviço de comunicação de conteúdos audiovisuais; (b) organizado em catálogo; (c) ofertado ao público em geral ou a assinantes; (d) de maneira não linear; (e) por meio de redes de comunicação eletrônica, dedicadas ou não; f) com finalidade comercial, sendo remunerado diretamente pelo usuário (por meio de compras avulsas ou assinatura) e/ou por venda de espaço publicitário, e (g) implica responsabilidade editorial do provedor, referente à seleção, organização e exposição dos conteúdos nos catálogos[7].

E, finalmente, o tratamento tributário do serviço, vislumbrado como matéria chave para a equação de viabilidade dos empreendimentos de vídeo sob demanda. Ainda segundo o conselho, “a forma atual, entendido como outros mercados nos termos da MP 2228-1, a contribuição é devida sobre a oferta de cada título do catálogo, sem considerar seus resultados econômicos. Esse tratamento tende a constituir uma barreira significativa para os pequenos provedores e a restringir a quantidade e diversidade de títulos nos catálogos. O desafio, neste caso, é construir um novo modelo tributário que permita a sustentabilidade do VoD em seus diversos formatos, sem descuidar da arrecadação da Condecine, cujos valores têm papel fundamental no financiamento do setor audiovisual”[8].

Ante o exposto, fica evidente que há necessidade de se criar um novo paradigma condizente com a Constituição Federal e com as leis brasileiras para evitar a insegurança jurídica dos regulados. Portanto, são três pilares a serem considerados para o estabelecimento desse novo paradigma para a regulamentação de VOD no Brasil.

Em primeiro lugar, deve ser firmada, legal e explicitamente, a competência da Ancine para regular a matéria, seguida de definições legais e básicas sobre os serviços de VOD, amparadas pelos seus princípios e objetivos primordiais.

Em seguida, deve se ter em mente que é precipitada qualquer conclusão taxativa de que há necessidade de imposição de cotas de conteúdo nacional nas plataformas de VOD. Sendo certo que não se pode usar o caso das TVs por assinatura como exemplo, uma vez que são segmentos de mercado diferentes, com públicos que perquirem objetivos diversos em graus de amadurecimento e momentos distintos.

Por derradeiro, é fundamental pensar na construção de uma nova modalidade de Condecine para fins de tributação, que pode ser denominada de “Condecine-VOD”. Modelo este não pode ser ajustado aos modelos de Condecine previstos no artigo 32 da MP 22228-01/01[9] e seu parágrafo único. Com o fito de respeitar as balizas constitucionais limitadoras do poder de tributar, incluindo os princípios da tipicidade, da legalidade estrita, da igualdade, etc., é imperiosa a definição de um tipo de contribuição de intervenção no domínio econômico com fato gerador próprio e específico, com fundamento em lei formal.

Sem olvidar que para a construção do marco legal do VOD, deve se perquirir as vantagens competitivas de criarem faixas de isenção tributária com base em um valor de receita líquida anual previamente definido visando estimular a concorrência, permitindo a manutenção e o ingresso de novos players no mercado, tal como fizeram a França e a Itália. Bem como se estudar uma política de incentivo fiscal com o fito de reduzir a carga do tributo para o agente econômico e, por outro lado, estimular a produção e a distribuição de conteúdo dentro do Brasil.

[1] Disponível em: . Acesso em 28 de novembro de 2017.
[2] Disponível em: . Acesso em 28 de novembro de 2017.
[3] Disponível em: . Acesso em 28 de novembro de 2017.
[4] Disponível em: . Acesso em 28 de novembro de 2017.
[5] Disponível em: . Acesso em 28 de novembro de 2017.
[6] Disponível em: . Acesso em 29 de novembro de 2017.
[7] Disponível em: . Acesso em 29 de novembro de 2017.
[8] Idem.
[9] No bojo do artigo 32 da MP 2.228-01/01, segundo a doutrina, encontram-se: a Condecine Licença, a Condecine Telecom, a Condecine Publicitária e a Condecine Rendimento.

Magno de Aguiar Maranhão Junior

Advogado, professor de Direito Público e Privado e especialista em regulação da Agência Nacional do Cinema (Ancine).

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