Duas questões controvertidas sobre a contribuição previdenciária substitutiva sobre a receita bruta

Alessandro Mendes Cardoso

I – Introdução

Com o objetivo de iniciar a desoneração da tributação sobre a folha de pagamentos de alguns setores da economia, o Governo Federal editou a Medida Provisória nº 540 em 02/08/2011, instituindo a sistemática substitutiva da incidência da contribuição patronal de 20% sobre a folha de pagamentos dos empregados, prevista no art. 22, I e II da Lei n. 8.212/91, pela incidência sobre a receita bruta, sendo excluídas as vendas canceladas e descontos incondicionais e as receitas de exportação. De acordo com a Medida Provisória seriam beneficiadas as empresas que prestassem exclusivamente serviços de Tecnologia da Informação (TI) e Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) (artigo 7º, com alíquota de 2,5%) e setores como o calçadista, de vestuário, de couro (artigo 8º, com alíquota de 1,5%) e sua vigência seria limitada a 31/12/2012.

Após alterações no seu texto, a MP foi convertida na Lei nº 12.546 de 14/12/2011 que estendeu a vigência da substituição da nova contribuição social para dezembro de 2014 e também incluiu as empresas de Call Center no rol das que estão submetidas ao novo regime de tributação da contribuição para a seguridade social à alíquota de 2,5% sobre a receita bruta.

Posteriormente, foi publicada a MP 563, recentemente convertida na Lei nº 12.715 de 17 de setembro de 2012. A nova legislação ampliou ainda mais o rol das empresas beneficiadas pelo novo regime de tributação, incluindo as atividades: plásticos, materiais elétricos, transporte rodoviário e aéreo, autopeças, naval, móveis e hotéis. Cabe ressaltar que de acordo com a Lei nº 12.715/2012, as alíquotas determinadas sobre a receita bruta foram divididas em: 1% para as empresas que produzem determinados produtos industriais (identificados pelo código da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI) e 2% para o setor de serviços como Call Center, TI, TIC, hoteleiro e design houses. Mais recentemente, no dia 28/12/12 foi editada a Medida Provisória nº 601, que entre outras alterações, incluiu novos setores na sistemática substitutiva, como as empresas de manutenção e de reparação de embarcações e as de varejo que exercem as atividades listadas no seu Anexo. Além disso, excluiu da sistemática substitutiva as empresas aéreas internacionais de bandeira estrangeira de países que estabeleçam, em regime de reciprocidade de tratamento, isenção tributária às receitas geradas por empresas aéreas brasileiras.

A nova contribuição sobre a receita bruta substitui apenas a contribuição patronal de 20% sobre a folha de pagamentos para as atividades vinculadas, não substituindo as demais contribuições incidentes sobre a folha de salário como: salário-educação, seguro de acidente do trabalho – RAT/SAT, FGTS, e contribuições do Sistema "S" – SEBRAE, SESC/SENAC, SESI/SENAI. Além disso, o empregador deverá continuar retendo e recolhendo a contribuição da parte do empregado sobre a folha de salários.

Existe, ainda, a possibilidade de o contribuinte ficar em regime misto, com a conjugação dos dois sistemas de tributação, isso na hipótese em que o contribuinte aferir outras receitas que não as provenientes das atividades elencadas nos artigos 7º e 8º da Lei nº 12.546/11, em percentual superior a 5% (cinco) por cento do total de suas receitas. Nesse caso, tributará na sistemática substitutiva as receitas das atividades vinculadas a esse regime; e também manterá a tributação via o regime de folha, reduzindo-se o valor da contribuição a recolher ao percentual resultante da razão entre a receita bruta de atividades não relacionadas aos serviços de que trata o caput do art. 7º ou à fabricação dos produtos de que trata o caput do art. 8º e a receita bruta total, apuradas no mês.

Ocorre que várias dúvidas e questionamento têm surgido nas empresas vinculadas ao sistema substitutivo, no que se refere a sua correta operacionalização. E a partir de Consultas Fiscais apresentadas por contribuintes, a Receita Federal tem exteriorizado o seu entendimento sobre os questionamentos formulados.

E nesse contexto, foram publicadas recentemente as Soluções de Consulta nº 160 e 161, que trouxeram o entendimento da Receita Federal sobre dois pontos controversos da incidência da contribuição substitutiva sobre a receita bruta: a) a primeira, sobre a incidência ou não da contribuição previdenciária sobre a remuneração, total ou parcialmente, para a competência do décimo-terceiro salário, caso no curso do ano a empresa teve período sujeito a essa incidência; b) e, ainda, sobre a incidência ou não da contribuição previdenciária sobre a remuneração, quando do pagamento de condenação trabalhista, ocorrido em período que a empresa está, total ou parcialmente, vinculada ao regime substitutivo.

O presente artigo tem como objetivo a análise do posicionamento externado pela Receita Federal sobre os dois temas, tendo em vista a legislação aplicável.

II – Incidência sobre o décimo terceiro salário

A respeito da incidência ou não da contribuição previdenciária sobre a remuneração, de forma total ou parcial, para a competência do décimo-terceiro salário, caso no curso do ano a empresa teve período sujeito a essa sistemática de tributação, a Receita Federal do Brasil recentemente publicou a Solução de Consulta nº 160/12, que apresenta a seguinte ementa:

SOLUÇÃO DE CONSULTA nº 160, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2012
ASSUNTO: Contribuições Sociais Previdenciárias
EMENTA: CONTRIBUIÇÃO SUBSTITUTIVA. EMPRESAS QUE EXERCEM OUTRAS ATIVIDADES ALÉM DAQUELAS SUJEITAS AO REGIME SUBSTITUTIVO. BASE DE CÁLCULO. CONTRIBUIÇÃO SOBRE O DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO.
1. A empresa que exerce, conjuntamente, atividade sujeita à contribuição substitutiva prevista no artigo 8º da Lei nº 12.546, de 2011, e outras atividades não submetidas à substituição, deve recolher:
a) a contribuição sobre a receita bruta em relação aos produtos que industrializa e que se acham submetidos ao referido regime;
b) a contribuição previdenciária incidente sobre a folha de pagamento prevista no art. 22, incisos I e III, da Lei nº 8.212, de 1991, mediante aplicação de redutor resultante da razão entre a receita bruta dos produtos/atividades não sujeitos ao regime substitutivo e a receita bruta total, utilizando, para apuração dessa razão, o somatório das receitas de todos os estabelecimentos da empresa (matriz e filiais).
2. Se a receita bruta decorrente de atividades não contempladas no art. 8º da Lei nº 12.546, de 2011, for igual ou inferior a 5% (cinco por cento) da receita bruta total, o recolhimento da contribuição previdenciária deverá ser feito sobre a receita bruta total auferida no mês, não sendo devida a contribuição sobre a folha de pagamento prevista nos incisos I e III do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991, e, se a receita bruta oriunda de atividades não previstas no art. 8º for igual ou superior a 95% (noventa e cinco por cento) da receita bruta total, as contribuições previdenciárias deverão ser recolhidas integralmente nos termos do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991, não sendo devida a contribuição sobre a receita bruta.
3. A base de cálculo da contribuição substitutiva prevista nos artigos 7º e 8º da Lei nº 12.546, de 2011, é a receita bruta, considerada sem o ajuste de que trata o inciso VIII do art. 183 da Lei nº 6.404, de 1976, e com exclusão das vendas canceladas, dos descontos incondicionais concedidos, da receita bruta de exportações, do IPI, se incluído na receita bruta, e do ICMS, quando cobrado pelo vendedor dos bens ou prestador dos serviços na condição de substituto tributário.
4. A receita bruta que constitui a base de cálculo da contribuição substitutiva a que se referem os arts. 7º a 9º da Lei nº 12.546, de 2011, compreende a receita decorrente da venda de bens nas operações de conta própria, a receita decorrente da prestação de serviços e o resultado auferido nas operações de conta alheia.
5. Em cada ano-calendário, no período em que a empresa não estiver submetida ao regime substitutivo previsto no art. 8º da Lei nº 12.546, de 2011, ou ao regime misto de que trata o § 1º do art. 9º da referida Lei, será devida a contribuição previdenciária sobre o décimo terceiro salário na forma do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991, apurada proporcionalmente a esse período, sem incidência do redutor de que trata o inciso II do § 1º do art. 9º da Lei nº 12.546, de 2011.
6. Em cada ano-calendário, no período em que a empresa estiver submetida exclusivamente ao regime substitutivo previsto no art. 8º da Lei nº 12.546, de 2011, não será devida a contribuição previdenciária sobre o valor do décimo terceiro salário proporcionalmente a esse período.
7. Em cada ano-calendário, no período em que a empresa estiver submetida ao regime misto previsto no § 1º do art. 9º da Lei nº 12.546, de 2011, será devida a contribuição previdenciária sobre o décimo terceiro salário na forma do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991, apurada proporcionalmente a esse período, com incidência do redutor descrito no inciso II do § 1º do art. 9º da Lei nº 12.546, de 2011, utilizando-se para cálculo desse redutor a receita bruta acumulada nos doze meses anteriores ao mês de dezembro.
DISPOSITIVOS LEGAIS: Constituição Federal de 1988, art. 195, § 13; Medida Provisória nº 540, de 2011, arts. 8º e 9º; Medida Provisória nº 563, de 2012, art. 45; Medida provisória nº 582, de 2012, arts. 1º e 2º; Lei nº 12.546, de 2011, arts. 8º e 9º; Lei nº 12.715, de 2012, arts. 55, 56, 78 e 79; Lei nº 8.212, de 1991, art. 22, I e III e art. 28, § 7º; Instrução Normativa RFB nº 971, de 2009, art. 94; Instrução Normativa RFB nº 1.110, de 2010, art. 6º; Parecer Normativo RFB nº 3, de 2012; Ato Declaratório Executivo Codac nº 86, de 2011, art. 1º; Ato Declaratório Executivo Codac nº 93, de 2011, arts. 3º, 4º, 5º e 6º; Ato Declaratório Executivo Codac nº 47, de 2012, art. 1º.
MÁRIO HERMES SOARES CAMPOS – Chefe – 6ª Região Fiscal (grifamos)

A Solução de Consulta apresenta o entendimento da Receita Federal sobre o corte temporal e a necessidade de proporcionalização de regimes, no que se refere à competência do décimo-terceiro salário. Em síntese, foi apresentado o seguinte posicionamento:

1) no período em que o contribuinte estiver sujeito exclusivamente ao regime substitutivo, não haverá incidência da contribuição sobre folha na competência do décimo-terceiro salário;

2) já no período em que o contribuinte não estiver submetido ao regime substitutivo previsto no art. 8º da Lei nº 12.546, de 2011, ou ao regime misto de que trata o § 1º do art. 9º da referida Lei, será devida a contribuição previdenciária de 20% sobre a remuneração, em face do décimo terceiro salário, apurada proporcionalmente a esse período;

3) por fim, no período em que a empresa estiver submetida ao regime misto previsto no § 1º do art. 9º da Lei nº 12.546, de 2011, será devida a contribuição previdenciária de 20% sobre a remuneração, em face do décimo terceiro salário, apurada proporcionalmente a esse período, e com a incidência do redutor descrito no inciso II do § 1º do art. 9º da Lei nº 12.546, de 2011.

A base legal da incidência proporcional sobre o décimo-terceiro salário se encontra nos parágrafos 3º e 4º do artigo 9º da Lei nº 12.546/11:

Art. 9º Para fins do disposto nos arts. 7º e 8º desta Lei:
§ 3º Relativamente aos períodos anteriores à tributação da empresa nas formas instituídas pelos arts. 7º e 8º desta Lei, mantém-se a incidência das contribuições previstas no art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, aplicada de forma proporcional sobre o 13º (décimo terceiro) salário.
§ 4º Para fins de cálculo da razão a que se refere o inciso II do § 1º, aplicada ao 13º (décimo terceiro) salário, será considerada a receita bruta acumulada nos 12 (doze) meses anteriores ao mês de dezembro de cada ano-calendário. (grifamos)

Dessa forma, em cada ano-calendário, o contribuinte deverá identificar qual regime de tributação previdenciária no qual esteve vinculado (exclusivamente sobre a folha, exclusivamente sobre a receita, ou misto), para definir o tratamento a ser dado à remuneração paga aos seus empregados, a título de décimo-terceiro salário.

Nos casos em que durante todo o curso do ano-calendário o contribuinte estiver sujeito apenas um dos regimes, folha ou receita, não há dúvida, com a aplicação da regra concernente ao sistema de tributação exclusivo.

Contudo, dúvida surge sobre a legalidade da referida disposição legal, na situação em que o contribuinte, no curso do mesmo ano-calendário, teve alterada a sua tributação para o regime substitutivo ou o regime misto, previstos nos artigos 8º e 9º da Lei nº 12.546/11.

No entendimento da Receita Federal, nesta situação haverá a incidência da contribuição previdenciária de 20% sobre a remuneração, que deverá incidir proporcionalmente ao período no qual o contribuinte esteve sujeito exclusivamente a esse sistema de tributação, mesmo que ao final do ano-calendário, quando normalmente ocorre o pagamento efetivo do décimo-terceiro ou de sua última parcela, o contribuinte já esteja abarcado pela contribuição substitutiva ou o regime misto. A única diferença, no caso do regime ser misto, é a aplicação do redutor previsto no inciso II do § 1º do art. 9º da Lei nº 12.546, de 2011, no cálculo da parcela correspondente a aplicação desse regime.

A determinação legal citada e a sua interpretação pela Receita Federal, partem do princípio de que o décimo-terceiro salário teria uma espécie de "fato-gerador complexivo", que vai sendo constituído no curso do ano-calendário, com o seu encerramento com o pagamento efetuado em dezembro de cada ano-calendário.

Entretanto, além de questionável, tal determinação produz consequências relevantes para os contribuintes que foram inseridos no sistema substitutivo de tributação previdenciária pela Lei nº 12.715/12, com eficácia a partir de agosto de 2012.

Para essas empresas, quando do pagamento do décimo-terceiro do ano-calendário de 2012 aos seus funcionários, o seu sistema de tributação previdenciário, exclusivo ou misto, é o da incidência sobre a receita bruta em substituição ao regime original sobre a remuneração.

E apesar de já eficaz o regime substitutivo, a Receita Federal entende que a empresa deverá proporcionalizar a tributação sobre a competência do décimo-terceiro salário, com a incidência da contribuição sobre folha no período anterior a entrada em vigor do regime substitutivo.

Assim, tendo entrado em vigor o regime substitutivo, no exemplo considerado, em agosto de 2012, a empresa deverá proporcionalizar o valor do décimo-terceiro salário aos seis meses de incidência do regime de folha (janeiro a julho de 2012), com a incidência da contribuição de 20% sobre o resultado dessa proporção.

Na prática, a Receita Federal busca reduzir o efeito da chamada "desoneração da folha" sobre o pagamento do décimo-terceiro, com a manutenção da tributação de 20% sobre parcela dessa remuneração.

Ocorre que é defensável que o entendimento da Receita Federal é juridicamente incorreto e abusivo.

No caso do décimo-terceiro salário, o fato gerador da contribuição previdenciária sobre folha ocorre no momento do seu pagamento, nos termos expressos dos artigos 52, III, "h" e 96 da Instrução Normativa RFB nº 971/09, com exceção da antecipação no caso de recisão do contrato de trabalho. Cite-se:

Art. 52. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador da obrigação previdenciária principal e existentes seus efeitos:
III – em relação à empresa:
h) no mês do pagamento ou crédito da última parcela do décimo terceiro salário, observado o disposto nos arts. 96 e 97;

Art. 96. O vencimento do prazo de pagamento das contribuições sociais incidentes sobre o décimo terceiro salário, exceto no caso de rescisão, dar-se-á no dia 20 de dezembro, antecipando-se o prazo para o dia útil imediatamente anterior se não houver expediente bancário naquele dia.
Parágrafo único. Caso haja pagamento de remuneração variável em dezembro, o pagamento das contribuições referentes ao ajuste do valor do décimo terceiro salário deve ocorrer no documento de arrecadação da competência dezembro, considerando-se para apuração da alíquota da contribuição do segurado o valor total do décimo terceiro salário.

Para essa análise não é necessário, nem mesmo, se lançar mão do entendimento de que o fato gerador da contribuição previdenciária sobre a remuneração ocorre sempre no seu pagamento e não na data da execução do trabalho, tema do próximo item; já que mesmo se entendendo que o fato gerador é aferido no regime de competência (momento em que a remuneração se torna legalmente devida), não se tem dúvida de que o pagamento do décimo-terceiro somente é exigível pelo empregado em novembro (vencimento da primeira parcela) e no dia 20/12 (vencimento da segunda parcela).

Sobre a vinculação do fato gerador da contribuição previdenciária ao regime de competência, materializando-se no momento em que exigível o pagamento da remuneração, recentemente se manifestou a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em decisão relatada pelo Ministro Joaquim Barbosa, e assim ementada:

PROCESSUAL CIVIL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DESTINADA AO CUSTEIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. REMUNERAÇÃO. DEFINIÇÃO DO CRITÉRIO TEMPORAL: REGIME DE COMPETÊNCIA OU REGIME DE CAIXA. 1. Falta ao acórdão recorrido o debate acerca das questões específicas invocadas nas razões de recurso extraordinário. 2. Aplica-se à tributação da pessoa jurídica, para as contribuições destinadas ao custeio da seguridade social, calculadas com base na remuneração, o regime de competência. Assim, o tributo incide no momento em que surge a obrigação legal de pagamento, independentemente se este irá ocorrer em oportunidade posterior. Agravo regimental ao qual se nega provimento. (RE 419612 AgR / PR – AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO – Rel. o Min. Joaquim Barbosa do STF – julgado em 01.03.2011 – DJe-065 DIVULG 05-04-2011 PUBLIC 06-04-2011)

O Superior Tribunal de Justiça também apresenta precedentes nesse sentido:

TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. LEI 9.783/99. FATO GERADOR. PERCEPÇÃO DA REMUNERAÇÃO. GRATIFICAÇÃO NATALINA. MÊS DE DEZEMBRO.
1. O fato gerador da contribuição previdenciária prevista na Lei 9.783/99 é a percepção da remuneração pelo servidor ou pensionista.
2. A regra é aplicável à gratificação natalina, sendo irrelevante, para esse fim, que a aquisição do direito à referida verba dê-se ao longo do ano, a cada mês ou fração superior a 15 dias (Lei 8.112/90, art. 63).
3. Sendo assim, nos moldes do art. 144 do CTN, a tributação da verba deve ser feita em conformidade com a lei vigente no momento do pagamento, que é ordinariamente o mês de dezembro (Lei 8.112/90, art. 64).
4. Recurso especial provido. (REsp 462986/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/05/2005, DJ 30/05/2005, p. 214)

TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. SERVIDORES PÚBLICOS. DÉCIMO-TERCEIRO SALÁRIO (GRATIFICAÇÃO NATALINA). ANO DE 1999.
INCIDÊNCIA SOBRE A TOTALIDADE DA GRATIFICAÇÃO.
1. "O fato gerador da contribuição previdenciária prevista na Lei 9.783/99 é a percepção da remuneração pelo servidor ou pensionista.
A regra é aplicável à gratificação natalina, sendo irrelevante, para esse fim, que a aquisição do direito à referida verba dê-se ao longo do ano, a cada mês ou fração superior a 15 dias (Lei 8.112/90, art. 63)" (REsp 462.986/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, DJ de 30.05.2005, p. 214). No mesmo sentido: REsp 873.308/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJ de 31.10.2006, p. 275).
2. Recurso Especial provido.
(REsp 461030/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/04/2007, DJe 03/09/2008 – grifamos)

O Ministro Teori Zavaski, ao proferir seu voto no julgamento do Recurso Especial nº 462.986/RS, corretamente diferenciou o fato gerador da incidência da contribuição previdenciária sobre o décimo-terceiro salário, que é o seu pagamento, do requisito legal da percepção do direito a este, que ocorre ao final do ano. Cite-se:

No caso dos autos, tem-se que o fato gerador da contribuição previdenciária é o efetivo recebimento da remuneração pelo servidor, que ocorre, normalmente, a cada mês de dezembro (Lei 8.112/90, art. 64). Não tem qualquer relevância, nesse âmbito, a circunstância de que a aquisição do direito ao décimo terceiro salário dê-se ao longo do ano, a cada mês ou fração superior a 15 dias (Lei 8.112/90, art. 63).

A evidenciar a impossibilidade de que se considere ocorrido mês a mês o fato gerador da contribuição incidente sobre o décimo-terceiro, e constituído o respectivo crédito tributário, está o fato de que sua base de incidência somente é conhecida no mês de dezembro de cada ano, de acordo com a regra do art. 63, caput, da Lei 8.112/90, que dispõe que:

"A gratificação natalina corresponde a 1/12 (um doze avos) da remuneração a que o servidor fizer jus no mês de dezembro, por mês de exercício no respectivo ano".

O Ministro traz na sua argumentação a regra do artigo 63 da Lei nº 8.112/90, por estar analisando uma questão vinculada ao regime de remuneração dos servidores públicos civis da União Federal. Mas a mesma lógica jurídica se aplica a remuneração dos trabalhadores do ramo privado, já que o artigo 1º da Lei nº 4.090/62 deixa expresso que o direito a percepção dessa verba ocorre em dezembro de cada ano, ao dispor que:

"No mês de dezembro de cada ano, a todo empregado será paga, pelo empregador, uma gratificação salarial, independentemente da remuneração a que fizer jus."

A correta delimitação do momento da ocorrência da contribuição previdenciária sobre a remuneração não deixa dúvida que, havendo o pagamento da primeira e da segunda parcela do décimo-terceiro em meses nos quais já vigente a contribuição substitutiva, não é possível a exigência, mesmo que proporcional, da contribuição de 20% sobre essa remuneração.

Caso contrário, teríamos a incidência da contribuição sobre um fato ocorrido quando não mais vigente, para o contribuinte vinculado a contribuição substitutiva, a norma de incidência do artigo 22 da Lei nº 8.212/91; ou, ainda, quando a sua vigência se dá pelo regime misto instituído pela Lei nº 12.546/11.

O artigo 22 da Lei nº 8.212/91 é expresso no sentido que a contribuição incide sobre a remuneração paga, devida ou creditada, a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que prestem serviços ao contribuinte, e destinadas a retribuir o trabalho prestado.

Já o décimo-terceiro salário somente é devido na data legalmente fixada para o pagamento da primeira parcela e do seu complemento, que ocorrem, respectivamente até o mês de novembro e 20 de dezembro. Antes disso não ocorreu nenhum dos fatos que geram a incidência tributária, que é o pagamento/creditamento ou a possibilidade de sua exigibilidade pelo beneficiário da remuneração.

Não por outro motivo, o já citado artigo 52 da Instrução Normativa nº 971/09 diferencia o momento da incidência da contribuição sobre a remuneração mensal, daquela referente ao pagamento do décimo terceiro salário. Vide:

Art. 52. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador da obrigação previdenciária principal e existentes seus efeitos:
(…)
III – em relação à empresa:
a)no mês em que for paga, devida ou creditada a remuneração, o que ocorrer primeiro, a segurado empregado ou a trabalhador avulso em decorrência da prestação de serviço;
(..)
h) no mês do pagamento ou crédito da última parcela do décimo terceiro salário, observado o disposto nos arts. 96 e 97; (grifamos)

A norma, não de forma gratuita, não vinculou o momento da incidência da contribuição sobre o décimo-terceiro ao momento em que é devida a verba, e sim exclusivamente ao seu pagamento ou crédito, confirmando que o fato do direito a sua percepção ocorrer no curso do ano, não elide que o seu fato gerador somente ocorre quando da sua liquidação.

A dissociação da exigência tributária da correta delimitação do aspecto temporal da norma de incidência, contraria o princípio da legalidade e a regra do artigo 144 do Código Tributário Nacional, segundo a qual:

"O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada."

Portanto, consideramos sólido o entendimento de que a inclusão do parágrafo 3º ao artigo 9º da Lei nº 12.546/11, pela Lei nº 12.715/12, é ilegal, por contrariar o próprio aspecto temporal da norma de incidência do artigo 22 da Lei nº 8.212/91, fazendo incidir a tributação sobre fato não mais alcançado pela sua previsão legal.

III – Incidência no pagamento de condenação trabalhista

A Receita Federal ao exarar a Solução de Consulta nº 161/12, exteriorizou o seu entendimento sobre como se dá a incidência da contribuição previdenciária substitutiva sobre os pagamentos decorrentes de decisões trabalhistas, conforme a seguinte ementa:

SOLUÇÃO DE CONSULTA nº 161, DE 21 DE DEZEMBRO DE 2012
ASSUNTO: Contribuições Sociais Previdenciárias
EMENTA: CONTRIBUIÇÃO SUBSTITUTIVA. EMPRESAS QUE EXERCEM OUTRAS ATIVIDADES ALÉM DAQUELAS SUJEITAS AO REGIME SUBSTITUTIVO. BASE DE CÁLCULO. CONTRIBUIÇÃO DECORRENTE DE RECLAMATÓRIAS TRABALHISTAS.
1. A empresa que exerce, conjuntamente, atividade sujeita à contribuição substitutiva prevista no artigo 8º da Lei nº 12.546, de 2011, e outras atividades não submetidas à substituição, deve recolher: a) a contribuição sobre a receita bruta em relação aos produtos que industrializa e que se acham submetidos ao referido regime; b) a contribuição previdenciária incidente sobre a folha de pagamento prevista no art. 22, incisos I e III, da Lei nº 8.212, de 1991, mediante aplicação de redutor resultante da razão entre a receita bruta dos produtos/atividades não sujeitos ao regime substitutivo e a receita bruta total, utilizando, para apuração dessa razão, o somatório das receitas de todos os estabelecimentos da empresa (matriz e filiais).
2. Se a receita bruta decorrente de atividades não contempladas no art. 8º da Lei nº 12.546, de 2011, for igual ou inferior a 5% (cinco por cento) da receita bruta total, o recolhimento da contribuição deverá ser feito sobre a receita bruta total auferida no mês, não sendo devida a contribuição sobre a folha de pagamento prevista nos incisos I e III do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991.
3. Se a receita bruta oriunda de atividades não previstas no art. 8º for igual ou superior a 95% (noventa e cinco por cento) da receita bruta total, as contribuições previdenciárias deverão ser recolhidas integralmente nos termos do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991, não sendo devida a contribuição sobre a receita bruta.
4. A base de cálculo da contribuição substitutiva prevista nos artigos 7º e 8º da Lei nº 12.546, de 2011, é a receita bruta, considerada sem o ajuste de que trata o inciso VIII do art. 183 da Lei nº 6.404, de 1976, e com exclusão das vendas canceladas, dos descontos incondicionais concedidos, da receita bruta de exportações, do IPI, se incluído na receita bruta, e do ICMS, quando cobrado pelo vendedor dos bens ou prestador dos serviços na condição de substituto tributário.
5. A receita bruta que constitui a base de cálculo da contribuição substitutiva a que se referem os arts. 7º a 9º da Lei nº 12.546, de 2011, compreende a receita decorrente da venda de bens nas operações de conta própria, a receita decorrente da prestação de serviços e o resultado auferido nas operações de conta alheia.
6. Como nas reclamatórias trabalhistas o fato gerador da contribuição previdenciária ocorre na data da prestação dos serviços e rege-se pela legislação então vigente, sendo o período dessa prestação de serviços anterior àquele em que a empresa submete-se à contribuição substitutiva, o cálculo da contribuição será feito na forma do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991, utilizando-se como base de cálculo o valor da remuneração apurada judicialmente. 7. Quando o período da prestação de serviços recair sobre aquele em que a empresa sujeita- se ao regime substitutivo de que tratam os artigos 7º e 8º da Lei nº 12.546, de 2011, a contribuição previdenciária oriunda de ações trabalhistas: a) não será devida, se a receita bruta da empresa decorrer exclusivamente das atividades descritas nos arts. 7º ou 8º da Lei nº 12.546, de 2011, e b) será devida na forma dos incisos I e III do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991, sobre o valor da remuneração decorrente da sentença ou do acordo homologado, com incidência do redutor de que trata o inciso II do § 1º do art. 9º da Lei nº 12.546, de 2011, se a receita bruta da empresa for oriunda de atividades descritas nos arts. 7º ou 8º da Lei nº 12.546, de 2011, e de outras atividades não contempladas nesses dispositivos.
DISPOSITIVOS LEGAIS: Constituição Federal de 1988, art. 195, § 13; Medida Provisória nº 540, de 2011, arts. 8º e 9º; Medida Provisória nº 563, de 2012, art. 45; Medida Constituição Federal de 1988, art. 195, § 13; Medida Provisória nº 540, de Provisória nº 582, de 2012, arts. 1º e 2º; Lei nº 12.546, de 2011, arts. 8º e 9º; Lei nº 12.715, de 2012, arts. 55, 56, 78 e 79; Lei nº 8.212, de 1991, art. 22, I e III, e art. 43, §§ 2º e 3º; Código Tributário Nacional, art. 144; Instrução Normativa RFB nº 1.110, de 2010, art. 6º; Parecer Normativo RFB nº 3, de 2012; Ato Declaratório Executivo Codac nº 86, de 2011, art. 1º; Ato Declaratório Executivo Codac nº 93, de 2011, arts. 3º, 4º, 5º e 6º; Ato Declaratório Executivo Codac nº 47, de 2012, art. 1º.
MÁRIO HERMES SOARES CAMPOS – Chefe – 6ª Região Fiscal (grifamos)

Para definir como deve ocorrer a incidência da contribuição previdenciária substitutiva sobre os pagamentos decorrentes de decisões trabalhistas, a Solução de Consulta parte do pressuposto de que:

"Nas reclamatórias trabalhistas o fato gerador da contribuição previdenciária ocorre na data da prestação dos serviços e rege-se pela legislação então vigente".

E a partir desse marco temporal, fixou-se que:

1) se a prestação de serviço, a que se refere a condenação trabalhista, ocorreu em período anterior a vigência da contribuição substitutiva, o valor do pagamento será tributado pela contribuição previdenciária sobre a remuneração, nos termos do artigo 22 da Lei nº 8.212/91;

2) por outro lado, se a prestação de serviço, a que se refere a condenação trabalhista, ocorreu em período em que já vigente a contribuição substitutiva, não haverá tributação previdenciária sobre o pagamento (caso a empresa esteja no regime exclusivo) ou haverá a tributação sobre a remuneração, nos termos do artigo 22 da Lei nº 8.212/91, com a aplicação do redutor previsto no art. 9º da Lei nº 12.546/11, se a empresa estiver no regime misto.

Contudo, a definição do momento temporal da ocorrência do fato gerador da contribuição previdenciária sobre a remuneração, notadamente quando vinculada a condenação trabalhista, não é pacífica na doutrina e jurisprudência.

E essa controvérsia tomou novos contornos com a alteração do artigo 43 da Lei nº 8.212/91, efetuada pela Lei nº 11.941/09:

Art. 43. Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social.
§ 1º Nas sentenças judiciais ou nos acordos homologados em que não figurarem, discriminadamente, as parcelas legais relativas às contribuições sociais, estas incidirão sobre o valor total apurado em liquidação de sentença ou sobre o valor do acordo homologado. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009).
§ 2º Considera-se ocorrido o fato gerador das contribuições sociais na data da prestação do serviço
§ 3º As contribuições sociais serão apuradas mês a mês, com referência ao período da prestação de serviços, mediante a aplicação de alíquotas, limites máximos do salário-de-contribuição e acréscimos legais moratórios vigentes relativamente a cada uma das competências abrangidas, devendo o recolhimento ser efetuado no mesmo prazo em que devam ser pagos os créditos encontrados em liquidação de sentença ou em acordo homologado, sendo que nesse último caso o recolhimento será feito em tantas parcelas quantas as previstas no acordo, nas mesmas datas em que sejam exigíveis e proporcionalmente a cada uma delas.

A alteração normativa incluiu a determinação de que se considera ocorrido o fato gerador das contribuições previdenciárias na data da prestação do serviço, quando do pagamento de decisão trabalhista que reconheça direitos sujeitos à incidência previdenciária.

O seu objetivo foi elidir o entendimento então corrente na Justiça do Trabalho, que na execução das contribuições previdenciárias vinculadas ao pagamento da condenação trabalhista, considera-se ocorrido o fato gerador na data do pagamento e não da prestação de serviço reconhecida. Nesse sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – FATO GERADOR – JUROS DE MORA E MULTA – NÃO PROVIMENTO – 1- Nos termos da jurisprudência consolidada desta Corte Superior, o fato gerador da contribuição previdenciária é o pagamento do crédito devido ao empregado e não a data da efetiva prestação dos serviços. 2- Recurso de revista obstado pela Súmula nº 333. 3- Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TST – AIRR 2788/2005-031-02-40.3 – Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos – DJe 21.05.2010 – p. 1601 – grifamos)
FATO GERADOR DA INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA E MULTA SOBRE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS ÓBICE DA SÚMULA 333 DO TST – 1- Consoante a jurisprudência consolidada desta Corte superior, o fato gerador da contribuição previdenciária é o pagamento do crédito devido ao empregado e não a data da efetiva prestação dos serviços, sendo que os juros e a multa moratória incidirão apenas a partir do dia dois do mês seguinte ao da liquidação da sentença (TST-AIRR-333/2005-013-03-40.6, Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, 1ª Turma, DJ de 29/08/08; TST-AIRR-3.569/1997-016-12-40.3, Rel. Min. Simpliciano Fernandes, 2ª Turma, DJ de 06/02/09; TST-AIRR782/2001-126-15-41.2, Rel. Min. Carlos Alberto, 3ª Turma, DJ de 13/02/09; TST-RR-668/2006-114-15-40.4, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, 4ª Turma, DJ de 20/02/09; TST-RR-729/2002-022-03-40.1, Rel. Min. Emmanoel Pereira, 5ª Turma, DJ de 17/10/08; TST-RR11/2005-029-15-85.5, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, DJ de 12/12/08; TST-AIRR-678/2006-114-15-40.0, Rel. Min. Caputo Bastos, 7ª Turma, DJ de 03/10/08; TST-AIRR-1.404/2005-105-0340.1, Rel. Min. Dora Maria da Costa, 8ª Turma, DJ de 28/11/08). 2- Assim sendo, a decisão recorrida não merece reforma, pois proferida em consonância com o entendimento atual e dominante desta Corte, incidindo, portanto, sobre o recurso de revista o óbice da Súmula 333 do TST. Recurso de revista não conhecido. (TST – RR 171300-97.2007.5.20 – Relª Minª Maria Doralice Novaes – DJe 09.04.2010 – p. 1712 – grifamos)

A definição do momento da ocorrência do fato gerador das contribuições previdenciárias sobre a remuneração é controversa, havendo duas linhas de entendimento, que o fixam na data da prestação do trabalho/serviço oun a data do pagamento ou creditamento da verba.

O entendimento mais exteriorizado é o de que o fato gerador ocorre quando da prestação do serviço ou trabalho, tendo em vista a determinação do artigo 22, I da Lei nº 8.212/91, de que as contribuições previdenciárias incidem sobre as "remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho."

E como a remuneração "devida", mesmo que não paga, já integraria o salário-de-contribuição, a ocorrência do fato gerador se daria na prestação do serviço que lhe dá ensejo.

Nesse sentido, é a doutrina de Wladimir Novaes Martinez (01):

"Na verdade, o fato gerador da obrigação previdenciária acontece com o direito agregado ao patrimônio do trabalhador, confirmado pela quitação da remuneração, devendo-se, examinar, em particular, os casos onde ela não acontece por vontade do empregador ou empregado.
A certeza de ser o crédito e não apenas o pagamento constituído a favor do trabalhador, a ele pertinente, mesmo não embolsado o numerário, aumentou com o artigo 3º da Lei nº 7.787/89, a primeira a fornecer expressamente elementos definidores do fato gerador.
É crédito jurídico, não o contábil, ou seja, constituído o direito, ele determina o momento do aperfeiçoamento, não sendo relevante a declaração formal de sua existência. Basta ao trabalhador fazer jus."

O regime de incidência seria, então, o de competência ou não o de caixa, conforme consignou recentemente a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, na decisão cuja ementa está transcrita no item anterior.

Na mesma linha se localizam precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE O PAGAMENTO DE SALÁRIOS. FATO GERADOR. DATA DO RECOLHIMENTO.
I – O fato gerador da contribuição previdenciária não é o pagamento do salário, mas a relação laboral existente entre o empregador e o empregado, dessa forma o recolhimento da contribuição previdenciária deve ser efetuado a cada mês, após vencida a atividade laboral do período, independentemente da data do pagamento do salário.
II – Agravo regimental improvido.
(AgRg no Ag 618570/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/12/2004, DJ 14/03/2005, p. 211)

Já a outra linha de entendimento defende que o fato gerador das contribuições previdenciárias ocorre quando a remuneração é paga ou creditada em favor do beneficiário, exteriorizando a capacidade contributiva a que vincula essa incidência.

Tal raciocínio busca amparo na regra de competência do artigo 195, I, "a" da Constituição Federal, que dispõe sobre a incidência da contribuição do empregador sobre:

"A folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício."

A previsão constitucional se limitaria a incidência sobre rendimentos pagos ou creditados, não dispondo que o fato da verba ser juridicamente devida, por si só, implicaria na ocorrência do fato gerador da contribuição previdenciária. Nessa linha, a disposição da Lei nº 8.212/91 estaria em desacordo com o texto constitucional.

Tal raciocínio foi abarcado pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 569.056-3/PR, no qual o INSS buscou o reconhecimento de que caberia a Justiça Trabalhista a execução das contribuições previdenciárias, mesmo nas condenações em que não se apura valor devido, como no caso de exclusivo reconhecimento de vínculo empregatício. Cite-se trecho do voto do Ministro Relator Menezes Direito:

Em verdade, a conclusão a que chegou a decisão no sentido de que o fato gerador é a própria constituição da relação trabalhista inova em relação ao que foi previsto na lei e até na Constituição. Segundo o inciso I, "a", do art. 195, a contribuição social do empregador incide sobre:
"A folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, com ou sem vínculo empregatício" (grifou-se)
Ora, seja semanal, quinzenal ou mensal, a folha de salários é emitida periodicamente, e periodicamente são pagos ou creditados os rendimentos do trabalho. É sobre essa folha periódica ou sobre essas remunerações periódicas que incide a contribuição. E por isso ela é devida também periodicamente, de forma sucessiva, seu fato gerador sendo o pagamento ou creditamento do salário. Não se cuida de um fato gerador único, reconhecido apenas na constituição da relação trabalhista. Mas tampouco se cuida de um tributo sobre o trabalho prestado ou contratado, a exemplo do que se dá com a propriedade ou o patrimônio, reconhecido na mera existência da relação jurídica.
Como sabido, não é possível, no plano constitucional, norma legal estabelecer fato gerador diverso para a contribuição social de que cuida o inciso I, "a" do art. 195 da Constituição Federal.
O receio de que, sendo nosso sistema de previdência social contributivo e obrigatório, a falta de cobrança de contribuição nas circunstâncias pretendidas pelo INSS não pode justificar toda uma argumentação que para atingir seu desiderato viole o art. 195 da Constituição e ainda passe ao largo de conceitos primordiais do Direito Processual Civil, como o princípio da nulla executio sine titulo, e do Direito das Obrigações, como os de débito e responsabilidade (Schuld und Haftungn) que, no Direito Tributário, distinguem virtualmente a obrigação do crédito tributário devidamente constituído na forma da lei.
Com base nas razões acima deduzidas, entendo não merecer reparo a decisão do Tribunal Superior do Trabalho no sentido de que a execução das contribuições previdenciárias atinentes ao vínculo de trabalho reconhecido na decisão, mas sem condenação ou acordo quanto ao pagamento de verbas salariais que lhe possam servir como base de cálculo.
Conheço do extraordinário e lhe nego provimento.

No referido julgado, o Pleno de STF considerou que a regra de competência constitucional para a incidência da contribuição previdenciária seria o pagamento ou creditamento da remuneração e não a existência do direito à sua percepção.

Consideramos que a compatibilização da locução "devida", constante da regra de incidência do artigo 22 da Lei nº 8.212/91, com a previsão constitucional, demanda que se considere como fato gerador aquela a remuneração já formalizada em folha de salário pelo empregador, mesmo que não paga. Nesse caso, já há a exteriorização do fato indicativo de capacidade contributiva, com o reconhecimento do empregador de que há determinado valor devido em face do trabalho prestado pelo beneficiário.

Contudo, se não há o pagamento efetivo ou a formalização pelo empregador, do reconhecimento de que é devida a remuneração (via de regra pelo seu lançamento em folha de salários), é juridicamente defensável que ainda não houve ainda a implementação do fato gerador das contribuições previdenciárias previstas reguladas pela Lei nº 8.212/91.

Tal situação é ainda mais patente no caso em que a remuneração tem o seu pagamento decorrente de decisão proferida pela Justiça do Trabalho, quando não anteriormente declarada como devida pelo empregador. Exemplo do caso de agregação à remuneração do trabalhador de utilidades como veículos ou habitação, quando do cálculo das verbas rescisórias; ou ainda a incorporação de adicional de insalubridade. Nessa hipótese, o empregador não considerava devida a incorporação de utilidade no cálculo da remuneração salarial, o que somente se implementou com a decisão da Justiça do Trabalho. A situação é diversa daquela em que o empregador, após declarar o valor da verba em sua folha de pagamentos, reconhecendo-a como devida, simplesmente deixa de efetuar o pagamento ao empregado.

E sendo a Justiça do Trabalho o ente competente para a execução das contribuições previdenciárias vinculadas à condenação laboral, é defensável que o fato gerador ocorre de forma concomitante ao pagamento das verbas, já que decorrente do ato judicial. Nesse sentido, cite-se a abalizada doutrina do Desembargador Jales Valadão Cardoso, do TRT da 3ª Região (02):

Mas, no âmbito da competência restrita da Justiça do Trabalho, a sentença que defere parcelas de natureza jurídica salarial, tributáveis pela incidência da contribuição previdenciária, tem dupla natureza (declaratória do direito e constitutiva da obrigação de pagar), tanto na área trabalhista quanto na tributária. Antes dessa sentença, o empregador não reconhecia o direito vindicado, portanto, existia apenas a pretensão do empregado, manifestada na petição inicial, normalmente contestada. Como mero objeto da litiscontestação, não pode ser considerado como obrigação exigível. A certeza sobre a existência desse direito (e dessa parcela tributável) surge com o trânsito em julgado da sentença proferida em ação reclamatória, ou daquela que homologa o termo de acordo judicial. E atrai a aplicação da regra da alínea "a" inciso I artigo 195 da Constituição Federal, que define o fato gerador da contribuição previdenciária, porque constitui o crédito trabalhista (ou, em outras palavras, credita seu valor no patrimônio jurídico do empregado).

Esse entendimento, conforme já visto, é tradicional no âmbito trabalhista, estando inclusive incorporado ao art. 83 da Consolidação dos Provimentos da Justiça do Trabalho:

"Art. 5º. O fato gerador da incidência da contribuição previdenciária, constitutiva do débito, é o pagamento de valores alusivos a parcelas de natureza remuneratória (salário-de-contribuição), integral ou parcelado, resultante de sentença condenatória ou de conciliação homologada, efetivado diretamente ao credor ou mediante depósito da condenação para extinção do processo ou liberação de depósito judicial ao credor ou seu representante legal."

E existem, ainda, precedentes considerando que a alteração do artigo 43 da Lei nº 8.212/91 pela Lei nº 11.941/09 produz efeito apenas para labor ocorrido posteriormente a sua introdução:

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – FATO GERADOR – LEI N. 11.941/2009 – PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI. A aplicação do disposto no parágrafo 2º., do art. 43, da Lei n. 8.212/91, com a redação dada pela Lei n. 11.941/2009, que dispõe: "Considera-se ocorrido o fato gerador das contribuições sociais na data da prestação do serviço.", está atada ao princípio da irretroatividade da lei. Assim, o fato gerador da contribuição previdenciária será o pagamento ao Reclamante, não havendo como incidir juros e multa desde a prestação dos serviços, época em que sequer se cogitava da existência do direito reconhecido pelo Judiciário. Aplica-se ao caso o disposto no art. 276, caput, do Decreto n. 3.048/99, que estabelece o prazo para recolhimento da contribuição social como sendo o dia 02 do mês seguinte ao do pagamento, sendo que as novas regras introduzidas só poderão incidir considerando a data da prestação de serviços no curso do contrato do trabalho, quando o labor ocorrer em data posterior à publicação da referida norma legal." (TRT 3ª Região, AP nº 40200-23.2008-5.03.0111, 9ª Turma, Rel. Juiz Conv. João Bosco Pinto Lara, DEJT 03.02.2010)

Portanto, há efetiva polêmica jurídica com relação a definição do momento da ocorrência do fato gerador das contribuições previdenciárias vinculadas ao pagamento de verba em cumprimento de decisão da Justiça do Trabalho.

E com a instituição da contribuição previdenciária substitutiva para a receita bruta para diversos ramos da atividade econômica, os efeitos da controvérsia se tornarão ainda mais relevantes.

Isso porque é possível se defender que, ocorrendo o pagamento da condenção trabalhista em momento no qual o empregador está sujeito à contribuição substitutiva, ao invés da contribuição patronal de 20% sobre a remuneração, o valor pago somente será base de incidência das demais contribuições (Contribuição ao RAT, contribuição de terceiros, INCRA e FGTS), já que quando ocorrido o fato gerador, não estava mais o empregador sujeito a contribuição do inciso I do artigo 22 da Lei nº 8.212/91 (ou estava sujeito ao regime misto de incidência).

Nessa situação, a desvinculação entre o fato gerador da contribuição previdenciária e a data da prestação do trabalho/serviço teria um efeito ainda mais drástico, de afastar a incidência da contribuição patronal, que seria devida caso paga a verba tempestivamente a prestação, devido a superveniente alteração legislativa. Um posicionamento alternativo, defensável juridicamente e mais razoável, seria o de conhecer a incidência da contribuição patronal de 20% sobre a remuneração, mas sem a incidência de multa e juros desde a data da prestação, devido ao caráter constitutivo do direito Fisco da decisão trabalhista, o que somente geraria mora se descumprido o prazo do artigo 276 do Decreto nº 3.048/91 (03).

E de toda a forma, caberá ao juiz executor da decisão trabalhista reconhecer ou não os efeitos da mudança da legislação, com a introdução da contribuição substitutiva, sobre a incidência da contribuição previdenciária patronal.

Além disso, a referida mudança legislativa trará um novo ônus para o juiz trabalhista, quando se tratar de empresa sujeita exclusivamente ou parcialmente ao sistema de tributação previdenciário sobre a receita bruta, de confirmar a incidência das regras dos artigos 7º, 8º e 9º da Lei nº 12.546/11. Não sendo difícil de imaginar que tal constatação e aplicação normativa poderá, em casos concretos, gerar controvérsias entre o INSS e o contribuinte.

Notas

(01) MARTINEZ, WLADIMIR NOVAES – Comentários à lei básica da previdência social – 4ª edição. São Paulo, LTr, 2003, pgs 309/31.

(02) http://www.trt3.jus.br/download/artigos/pdf/234_debitos_contribuicao_previdenciaria.pdf

(03) Art. 276. Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o recolhimento das importâncias devidas à seguridade social será feito no dia dois do mês seguinte ao da liquidação da sentença.

Alessandro Mendes Cardoso

Sócio e Advogado do Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados.

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