Da impossibilidade de homologação tácita de saldos negativos do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL

Isabela Bandeira/ Trícia Barradas

Muito se discute atualmente a respeito da possibilidade de homologação tácita de saldos negativos do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, que asseguraria aos contribuintes o direito de aproveitá-los tal como informados nas Declarações de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica – DIPJS correlatas, na hipótese de que o Fisco não se opusesse à apuração ali consignada no prazo de 05 (cinco) anos contados de suas apresentações.

É este o tema do presente estudo, que parte de breves considerações acerca dos institutos da obrigação tributária, crédito tributário, lançamento e homologação, a fim de propiciar uma melhor compreensão das conclusões que serão ao final apresentadas.

De maneira bastante sucinta, é possível definir obrigação tributária como a relação jurídica que nasce no momento em que se verifica a ocorrência do fato descrito nas normas que disciplinam a incidência tributária como hábil a concretizá-la.

O crédito tributário, a seu turno, consiste no direito subjetivo de o Fisco exigir do contribuinte, ou de quem lhe faça as vezes, o objeto da relação jurídico-tributária. Tal como a obrigação tributária, surge com a ocorrência, no mundo fenomênico, de evento hipoteticamente descrito na legislação de regência como suficiente para ensejar sua exigência.

Como se vê, a obrigação tributária e o crédito tributário têm origem num mesmo suporte fático, devendo ser considerados numa relação de todo (obrigação tributária) para parte (crédito tributário). É o que se extrai da previsão veiculada pelo art. 139 do Código Tributário Nacional – CTN, nos termos do qual o crédito tributário decorre da obrigação tributária e tem a mesma natureza desta.

Diante disto, é possível afirmar que a obrigação tributária e, portanto, o crédito tributário, nasce no momento em que há subsunção do fato praticado pelo particular à norma geral e abstrata de incidência.

Ocorre que a citada norma geral e abstrata, para alcançar o inteiro teor da sua juridicidade, reivindica a edição de norma individual e concreta que tenha por objetivo determinar os sujeitos ativo e passivo da relação jurídico-tributária, delimitar o objeto da prestação mediante aplicação de determinada alíquota sobre a base de cálculo eleita pelo legislador, bem como estabelecer os limites temporais e espaciais em que o montante assim apurado poderá ser exigido. É esta a função do lançamento.

Nesta perspectiva, o lançamento tem por objetivo descrever determinado evento em linguagem apta a transformá-lo em fato jurídico tributário, informando os critérios material, espacial, temporal, pessoal e quantitativo da regra de incidência, de forma a constituir a obrigação tributária e dar ensejo ao surgimento do crédito tributário, nos moldes em que explicitados supra.

Significa afirmar, em outras palavras, que o crédito tributário somente poderá ser regularmente exigido quando previamente constituído mediante competente lançamento.

Fixadas tais diretrizes, esclareça-se que, em regra, o lançamento constitutivo do crédito tributário incumbe às autoridades administrativas, consoante se constata a partir da leitura do art. 142 do CTN, nos termos do qual compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento.

Casos há, entretanto, em que a própria legislação de regência deixa a cargo do contribuinte o dever de identificar os elementos que conformam a norma de incidência tributária, bem como efetuar o recolhimento antecipado das quantias assim apuradas, informando às autoridades fiscais os procedimentos seguidos.

De posse de tais informações, deverão os agentes tributários avaliar se estão corretos os expedientes adotados pelo contribuinte, avalizando-os ou não. Trata-se do chamado "auto-lançamento" ou lançamento por homologação.

Neste particular, cumpre esclarecer que a homologação consiste na chancela, pela administração tributária, dos procedimentos adotados pelo contribuinte na produção da norma individual e concreta de incidência tributária.

Com efeito, verificada a correta individualização, pelo sujeito passivo da obrigação tributária, dos elementos que conformam a norma de incidência, a autoridade fiscal convalidará os atos praticados, com a consequente extinção do crédito tributário apurado, nos termos em que previstos no art. 150, §§1º e 4º c/c art. 156, ambos do Código Tributário Nacional – CTN.

Registre-se que, de acordo com os dispositivos em tela, a homologação do lançamento praticado pelo contribuinte deve ocorrer dentro do prazo de 05 (cinco) anos contados a partir da ocorrência dos respectivos fatos geradores.

Se, entretanto, as autoridades fiscais deixam de adotar tal providência dentro do aludido lapso temporal, considerar-se-ão tacitamente chancelados a apuração e o recolhimento empreendidos pelo sujeito passivo da obrigação tributária, perecendo o direito de a Fazenda Pública exigir outras quantias além daquelas já recolhidas.

Logo, a homologação tácita do lançamento consubstancia verdadeiro prazo decadencial do direito de as autoridades fazendárias verificarem a retidão dos expedientes adotados pelo contribuinte referente à apuração do crédito tributário, findado o qual não poderá ser realizado lançamento de ofício em caráter suplementar, nos termos em que previstos no art. 149, V do CTN.

Nesse sentido, merecem menção as lições de Hugo de Brito Machado:

"É sabido que a decadência é a extinção do direito por inércia do seu titular durante o prazo legalmente fixado para esse fim. Da inércia da Fazenda Pública decorre para ela a extinção do seu direito de lançar. (…) Se o sujeito passivo da obrigação tributária realizou a apuração do valor devido, mas a Administração Tributária ficou inerte, não homologou essa apuração, o decurso do tempo não pode criar para o titular da relação tributária, inerte, o direito de crédito que decorreria da homologação expressa.
(…)
Na verdade, homologação tácita, nos termos do art. 150, § 4º, do Código Tributário Nacional, nada mais é do que a decadência do direito da Fazenda Pública de constituir o crédito tributário, com a ressalva quanto a efeito extintivo produzido pelo pagamento antecipado, efeito que a lei condicionou à homologação" (01) (grifamos).

Conclui-se, portanto, que, a teor das normas vigentes no nosso ordenamento jurídico, a homologação – pouco importa se expressa ou tácita – tendo sido alçada à categoria de causa extintiva do crédito tributário pelo legislador federal, somente se reporta à prestação do contribuinte, que consubstancia o objeto da relação jurídico-tributária.

A par de tais considerações, certo é que a chancela de que aqui se trata apenas atinge o tributo efetivamente devido em face da legislação tributária aplicável, não havendo como se cogitar da convalidação tácita da apuração de indébito tributário efetuada pelo contribuinte em face do decurso do tempo.

Nesta perspectiva, qualquer quantia excedente ao crédito tributário apurado no período-base – a exemplo dos saldos negativos de IRPJ e CSLL, os quais são originados a partir do recolhimento antecipado daquilo que se imagina que será devido ao final do ano-calendário, nos moldes em que dispostos no bojo da Lei nº 9.430/96, que disciplina o regime de apuração das aludidas exações com base no lucro real – deve ser submetida à confirmação expressa dos entes fazendários, como condição inafastável à repetição do indébito.

Em outros termos, mesmo já transcorridos mais de cinco anos desde a apresentação das DECLARAÇÕES DE INFORMAÇÕES ECONÔMICO-FISCAIS DA PESSOA JURÍDICA – DIPJS nas quais foram consignados saldos negativos de IRPJ e CSLL, não há como cogitar que o silêncio das autoridades fazendárias possa ensejar a confirmação tácita dos montantes creditórios apurados a tal título.

Destaque-se, inclusive, pela sua importância, que a verificação da liquidez e certeza do crédito declarado pelo contribuinte em sede de procedimento compensatório constitui não somente um poder, mas verdadeiro dever conferido às autoridades fiscais.

Com efeito, determina o art. 170 do CTN que:

"A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública" (grifamos).

Como se vê, a aferição da existência e extensão do crédito consignado na Declaração de Compensação é condição para a validação, pelo ente fazendário, do encontro de contas informado pelo contribuinte, de modo que o Fisco está obrigado à adoção de providências tendentes a tanto anteriormente à chancela perquirida pelo particular.

Afinal, consoante bem salienta Paulo Cesar Conrado:

"A compensação consubstancia um procedimento cometido ao contribuinte, tal como se passa no lançamento por homologação, em que há o asseguramento à Administração do direito (um dever em rigor) de verificar a regularidade do ato compensatório, o que quer significar que, ao lado do direito subjetivo do contribuinte de compensar, coexiste o dever da Administração de verificar se a compensação foi efetivada de acordo com os critérios e diretrizes a que está jungido o contribuinte, além, por óbvio do plano quantitativo" (02).

Logo, ao analisar as Declarações de Compensação que tenham por objeto saldos negativos de IRPJ e CSLL informados em DIPJs, poderá o Fisco Federal discordar da apuração efetuada pelo particular, ainda que tais montantes creditórios se refiram a períodos-bases anteriores ao quinquênio.

Nesta linha, deixará a autoridade fiscal de chancelar os pretendidos encontros de contas, seja porque os propalados saldos negativos não são passíveis de homologação tácita, seja, ainda, em face do poder-dever de verificar a liquidez e certeza dos créditos declarados pelo contribuinte legalmente conferido às autoridades fazendárias.

Fixadas tais diretrizes, ressalte-se, adicionalmente, que a única hipótese em que o crédito declarado pelo contribuinte é passível de convalidação, por vias transversas, sem a prévia análise das autoridades fiscais, diz respeito à extinção, por homologação tácita, dos débitos objeto de Declarações de Compensação não analisadas no prazo de 5 (cinco) anos contados de suas transmissões.

É o que se pode constatar das disposições constantes do art. 74, §5º da Lei nº 9.430/96, nos termos do qual o prazo para homologação da compensação declarada pelo sujeito passivo será de 5 (cinco) anos, contado da data da entrega da declaração de compensação, pouco importando a efetiva existência do montante creditório informado.

Em consonância com este entendimento, merece menção o posicionamento praticamente unânime do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF a respeito da questão, estampado nos julgados adiante reproduzidos:

EMENTA: (…) SALDO NEGATIVO DO IRPJ. HOMOLOGAÇÃO TÁCITA. IMPOSSIBILIDADE.
"Não se submetem à homologação tácita os saldos negativos de IRPJ nas declarações apresentadas, a serem regularmente comprovados, quando objeto de pedido de restituição ou compensação (…)" (grifamos).

Mencione-se, ainda, pela sua clareza, recente Voto condutor de julgado da lavra da Primeira Câmara da Primeira Seção de Julgamento do citado Tribunal Administrativo acerca do tema:

"VOTO
(…)
O contribuinte argumenta que a Administração não poderia examinar o saldo negativo que ele pleiteia. Diz que o Fisco não poderia analisar os dados dos anos-calendários de 1997 a 2001, por ter havido decadência do direito de lançar, devendo ser aceitos os valores declarados pelo contribuinte nas suas DIPJs. Porém, este entendimento não tem cabimento, pois não se pode confundir o prazo decadencial para lançamento com o prazo para exame da existência do crédito alegado e nem com o prazo para exame do pedido de compensação.
Os prazos decadenciais previstos no CTN para a constituição do crédito tributário não limitam em nada a possibilidade de o Fisco examinar o crédito alegado pelo contribuinte em pedido de compensação. Isso porque o transcurso desses prazos extingue o direito de lançar, mas não afetam a possibilidade do Fisco examinar a procedência de um direito alegado pelo contribuinte. São dois assuntos absolutamente distintos e cada um deles está sujeito a regras próprias e que não podem ser confundidas.
Do mesmo modo, o transcurso dos prazos decadenciais do direito de lançar em nada afeta o dever do contribuinte em demonstrar a existência do direito que ele alega ter, pois a decadência do direito de lançar se volta ao Fisco e não ao contribuinte. Por isso, o transcurso do prazo decadencial não opera qualquer efeito sobre as DIPJs do contribuinte, quanto a existência ou inexistência do seu alegado direito de crédito.
Portanto, quando o crédito alegado pelo contribuinte é oriundo de saldo negativo de IRPJ, o Fisco pode examinar a existência deste direito, com base nos elementos que dispuser e independentemente de ter (ou não) decaído a possibilidade de lançar o IRPJ do ano ao qual se refira o alegado saldo negativo. Inclusive, julgando conveniente, o Fisco pode examinar os períodos anteriores ao ano do aventado saldo negativo, para examinar todas as situações que afetariam esse saldo negativo.
Por outro lado, as DIPJs apresentadas pelo contribuinte são meros elementos para análise. O decurso do prazo decadencial de lançamento não transformam em verdade irrefutável os fatos nelas declarados, nem transformam eventual saldo negativo declarado em direito líquido e certo.
Porém, afastado o prazo decadencial do direito de lançar como limite temporal para o Fisco examinar a pretensão do contribuinte, resta pesquisar se existe algum limite temporal para esses exames posto pelo direito aplicável.
Nos termos do CTN, pra fins de quantificação do saldo negativo de IRPJ, o Fisco pode examinar o ano em que se alega o saldo negativo, bem como os anos anteriores, independente do tempo transcorrido entre os anos examinados e o momento deste exame. Não há qualquer limitação temporal para tal exame no CTN e não poderia ser diferente, pois se trata de demonstrar a existência deste direito, independente do prazo transcorrido entre o ano do saldo negativo e o exame do Fisco.
A única limitação temporal existente decorre do §5º do art. 74, da Lei nº 9.430, de 1996. Tal dispositivo limita o prazo de exame das declarações de compensação em 5 anos, a contar da data de entrega da declaração de compensação. Em consequência, limita da mesma forma a possibilidade do exame do direito de crédito pleiteado pelo contribuinte.
Assim, sob pena de homologação tácita, o exame do saldo negativo deve ocorrer em 5 anos a contar da entrega da declaração. Porém, efetuado o exame no prazo, ele pode alcançar (retroagir) quantos anos forem necessários para verificação da exatidão do pleito.
(…)" (grifamos).

Na esfera judicial, entretanto, localizamos precedente isolado, da lavra do Tribunal Regional Federal – TRF da 5ª Região, transitado em julgado em 21 de março do ano em curso, reconhecendo a possibilidade de homologação tácita de saldo negativo:

"In casu, como a declaração de imposto de renda da pessoa jurídica diz respeito ao ano-calendário 1995, penso que desde muito resta homologado o montante ali apresentado, até porque não noticiam os autos qualquer fumaça de lançamento de oficio a questionar as declarações prestadas. Destarte, creio que não cabe mais discussão quanto à forma de tributação eleita pelo contribuinte, nem quanto aos valores por ele ofertados.
Com essas considerações, dou provimento à apelação para reconhecer a não ocorrência da prescrição do direito de ver restituído pela Fazenda Nacional os valores apresentados como saldo negativo quando da apuração do lucro real, com a incidência dos consectários legais, nos termos da lei" (03).

Neste panorama, fincamos nosso entendimento no sentido de que não existe previsão legal que autorize a homologação tácita de saldos negativos do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, destacando que, em âmbito administrativo, apresentam-se remotas, e na esfera judicial, possíveis, as chances de êxito de eventuais questionamentos nesse sentido.

Notas

(01) Lançamento Tributário e Decadência, coord. Hugo de Brito Machado, Ed. Dialética, p. 231.

(02) Compensação Tributária e Processo (nos termos da Lei Complementar n. 104, de 10 de janeiro de 2001), Ed. Max Limonad, p. 155

(03) Tribunal Regional Federal da 5ª Região, Apelação Cível nº 389117/PE.

Isabela Bandeira/ Trícia Barradas

Isabela Bandeira - Advogada. Graduada pela Universidade Federal da Bahia - UFBa e Pós-graduada pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário - IBET. Sócia do escritório Mota Fonseca Advogados.

Trícia Barradas - Advogada. Graduada pela Universidade Federal da Bahia - UFBa e Pós-graduada pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário - IBET. Sócia do escritório Mota Fonseca Advogados.

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