CPC/2015 revogou encargo de 20% na execução de tributos federais

Igor Mauler Santiago

O artigo 1º do Decreto-lei 1.025/69 pôs fim à participação de servidores no produto da dívida ativa da União e determinou que “a taxa, no total de 20%, paga pelo executado”, passaria “a ser recolhida aos cofres públicos, como renda da União”. Quarenta anos depois, o denominado encargo legal foi estendido aos créditos das autarquias e fundações federais inscritos em dívida ativa (Lei 10.522/2002, artigo 37-A, parágrafo 1º, inserido pela Lei 11.941/2009[1]).

Em atenção à parte final do dispositivo de 1969, o STF qualificava a verba como receita da União (1ª Turma, RE 80.305/SP, relator ministro Djaci Falcão, DJ 21/3/1975). Depois que o Decreto-lei 1.645/78 (artigo 3º) a equiparou a honorários de sucumbência, esse passou a ser o tratamento adotado pela corte (1ª Turma, RE 95.146/RS, relator ministro Sydney Sanches, DJ 3/5/1985).

A partir de então, tornou-se descabida, em nosso sentir, a sua exigência em relação a débitos não ajuizados, invalidade em nada mitigada pela redução de 50% concedida pelo Decreto-lei 1.569/77 (artigo 3º). De fato, embora seja certo que os procuradores atuam antes da execução, exercendo o controle de legalidade prévio à inscrição em dívida ativa, não há espaço para a imposição de honorários de sucumbência — e essa é a natureza que a verba passou a ter desde 1978 — fora do âmbito judicial.

Fechada a importante digressão, temos que o fato de os procuradores não participarem do encargo não prejudicava em nada a sua qualificação como honorários. Situação análoga ocorria em relação aos advogados empregados de empresas ou escritórios, que também não tinham acesso à sucumbência, sem que esta por isso se desnaturasse. Foi só em 1994, com o atual Estatuto da OAB, que esses profissionais adquiriram tal direito (artigo 21), mesmo assim qualificado como renunciável (STF, Pleno, ADI 1.194/DF, relatora para o acórdão, ministra Cármen Lúcia, DJe 11/9/2009).

Oportuno notar que o artigo 21 do estatuto foi logo declarado inaplicável à advocacia pública: Medida Provisória 1.522/96 (artigo 3º), convertida na Lei 9.527/97 (artigo 4º)[2]. Para essa categoria, o direito somente se firmou com o CPC/2015, segundo o qual “os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei” (artigo 85, parágrafo 19).

A regulamentação exigida pela parte final do comando deu-se — para as carreiras federais — pela Lei 13.327/2016, cujo artigo 30 prevê a distribuição de 100% dos honorários recebidos nas ações em que forem parte a União, suas autarquias e fundações; de até 75% do encargo do Decreto-lei 1.025/69; e da totalidade do encargo legal relativo aos débitos das autarquias e fundações federais.

Como se vê, a lei de 2016 refere-se tanto aos honorários do CPC quanto ao encargo legal, revelando a compreensão do legislador de que ambos coexistem, embora não se sobreponham. Observe-se, quanto a este último ponto, que a Súmula 168 do extinto Tribunal Federal de Recursos, ainda prestigiada pelo STJ, dispõe que o acréscimo do Decreto-lei 1.025/69 “é sempre devido nas execuções fiscais da União e substitui, nos embargos, a condenação do devedor em honorários advocatícios”.

Seja como for, temos por insustentável a afirmação de que a verba segue em vigor. Voltando à resenha histórica, lembramos que, no RE 84.994/SP (Pleno, relator ministro Xavier de Albuquerque, DJ 16/6/1978), o STF julgou inconstitucional encargo criado por lei paulista, afirmando que esta invadira a competência da lei complementar de normas gerais, a quem caberia dispor com exclusividade sobre os efeitos financeiros da inscrição em dívida ativa de um débito tributário.

O raciocínio, levado às últimas consequências, determinaria a inconstitucionalidade formal originária do próprio encargo federal, que foi instituído por decreto-lei editado quatro dias após a publicação da Emenda Constitucional 1/69 (que passou a exigir lei complementar para a veiculação de normas gerais de Direito Tributário; artigo 18, parágrafo 1º) e destinado a entrar em vigor na mesma data em que ela: 30 de outubro de 1969.

Mas há um detalhe: ao contrário dos estados, a União tinha e continua a deter competência para legislar sobre Processo Civil (EC 1/69, artigo 8º, inciso XVII, alínea b; CF/88, artigo 22, inciso I), campo a que pertencem os honorários de sucumbência.

Embora seja exótica a disciplina apartada dos honorários devidos nas execuções fiscais federais — ficando as estaduais e municipais sujeitas à regra geral do CPC (em todos os casos sem participação dos procuradores até muito recentemente, o que é coisa diversa) —, pensamos que isso não é causa de inconstitucionalidade, sobretudo à vista da consagração jurisprudencial que o encargo legal angariou ao longo de décadas.

A questão resolve-se, a nosso ver, no plano dos conflitos de leis no tempo. De fato, parece inescapável a conclusão de que o artigo 1º do Decreto-lei 1.025/69 foi tacitamente revogado pelo CPC/2015, o que aponta para o equívoco do legislador de aludir ao encargo legal — àquela altura não mais existente — no artigo 30 da Lei 13.327/2016.

A conclusão justifica-se a duplo título, seja por estarmos diante de um código, que por definição regula exaustivamente a matéria processual (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, artigo 2º, parágrafo 1º, in fine[3]), seja porque o artigo 85, parágrafo 3º, do CPC/2015 trata especificamente das ações em que as Fazendas Públicas são parte (conflito de lei especial anterior com lei especial posterior, ambas de idêntica hierarquia, com prevalência desta última).

A substituição do encargo pelos honorários do CPC/2015 revela-se quase sempre benéfica para o contribuinte, mesmo considerando-se que aquele contemplava conjuntamente a execução e os embargos (Súmula 168 do TFR), e que os honorários incidem em separado em cada uma destas ações, cumulando-se (artigo 85, parágrafos 1º e 13)[4]. Deveras, segundo o artigo 85, parágrafo 3º, do CPC/2015, os honorários nas ações em que a Fazenda Pública for parte serão fixados:

entre 10% e 20% do valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 salários mínimos;
entre 8% e 10% do que superar 200 salários mínimos e não exceder de 2 mil salários mínimos;
entre 5% e 8% do que superar 2 mil salários mínimos e não exceder de 20 mil salários mínimos;
entre 3% e 5% do que superar 20 mil salários mínimos e não exceder de 100 mil salários mínimos;
entre 1% e 3% do que superar 100 mil salários mínimos.
Como se nota, apenas na primeira faixa a soma dos honorários devidos na execução e nos embargos pode ultrapassar o valor do antigo encargo — o que não ocorrerá se em ambos se adotar o porcentual mínimo de 10%. Em todos os demais níveis, a soma dos honorários não ultrapassará o encargo de 20%, e isso mesmo que aqueles sejam fixados no máximo. O efeito benéfico da substituição avulta à medida em que se eleva o valor executado. Para um débito de 200 mil salários mínimos, por exemplo (R$ 187,4 milhões), ter-se-ão honorários — considerando-se o máximo em cada faixa — de 17.320 salários mínimos (R$ 16.228.840), contra um encargo de 40 mil salários mínimos (R$ 37.840.000)[5].

Em conclusão, embora fosse válido (exceto quanto à cobrança sem execução fiscal), o artigo 1º do Decreto-lei 1.025/69 foi tacitamente revogado pelo CPC/2015, conclusão que se estende ao encargo incidente sobre os créditos das autarquias e fundações federais inscritos em dívida ativa.

[1] “Art. 37-A. Os créditos das autarquias e fundações públicas federais, de qualquer natureza, não pagos nos prazos previstos na legislação, serão acrescidos de juros e multa de mora, calculados nos termos e na forma da legislação aplicável aos tributos federais.
§ 1º. Os créditos inscritos em Dívida Ativa serão acrescidos de encargo legal, substitutivo da condenação do devedor em honorários advocatícios, calculado nos termos e na forma da legislação aplicável à Dívida Ativa da União.
§ 2º. O disposto neste artigo não se aplica aos créditos do Banco Central do Brasil.”
[2] “Art. 4º. As disposições constantes do Capítulo V, Título I, da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, não se aplicam à Administração Pública direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como às autarquias, às fundações instituídas pelo Poder Público, às empresas públicas e às sociedades de economia mista.”
[3] “Art. 2º § 1º. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.”
[4] “Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
§ 1º. São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.
(…)
§ 13. As verbas de sucumbência arbitradas em embargos à execução rejeitados ou julgados improcedentes e em fase de cumprimento de sentença serão acrescidas no valor do débito principal, para todos os efeitos legais.”
[5] O cálculo dos honorários observa o escalonamento previsto no § 5º do art. 85 e a aplicação em separado quanto à execução e aos embargos. Fonte: conjur

Igor Mauler Santiago

Sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, mestre e doutor em Direito Tributário pela UFMG e membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB.

Gostou do artigo? Compartilhe em suas redes sociais

iplwin

iplwin login

iplwin app

ipl win

depo 25 bonus

slot deposit pulsa

1win login

indibet login

bc game download

10cric login

fun88 login

rummy joy app

rummy mate app

yono rummy app

rummy star app

rummy best app

iplwin login

iplwin login

dafabet app

https://rs7ludo.com/

dafabet