Contribuição previdenciária – Substituição da incidência sobre a folha de pagamentos pela receita bruta – Lei 12.546 (14.12.2011 – DOU 15.12.2011) – (Conversão da MP 540)

Adonilson Franco

I – Justificativas para a substituição da base de cálculo da contribuição previdenciária (exposição de motivos anexa à MP 540)

1 – A MP 540, convertida na Lei 12.546, substituiu pela receita bruta a base de cálculo da contribuição previdenciária devida pelas empresas dos setores indicados nos Títulos II e III, abaixo, até então calculada sobre a remuneração paga aos empregados, avulsos e contribuintes individuais contratados.

2 – A justificativa do governo, segundo a exposição de motivos da MP 540, é que nos últimos anos, em virtude da busca pela redução dos custos de mão de obra, as empresas passaram a substituir seus funcionários empregados, pela prestação de serviços realizada por empresas subcontratadas ou terceiriza-das, muitas vezes integradas por uma única pessoa, mascarando uma efetiva relação de emprego.

3 – Assim, os trabalhadores ficam desprovidos dos direitos sociais e do trabalho (férias, 13º salário, seguro desemprego, hora extra, etc.) Os trabalhadores ficam sem proteção social e as empresas reduzem os gastos com encargos sociais.

4 – Com a crise de 2008/2009, as empresas que prestam serviços na área de tecnologia da informação (TI) e tecnologia da informação e comunicação (TIC), bem como as indústrias moveleiras, de confecções, artefatos de couro, têm enfrentado maiores dificuldades em retomar seu nível de atividade, de modo que a MP 540, proposta, visou favorecer a recuperação do setor, bem como incentivar a implantação e modernização das empresas com redução dos custos de produção!!!

5 – A importância e urgência da medida são facilmente percebidas em razão do planejamento tributário nocivo decorrente da constituição de pessoas jurídicas de fachada com o único objetivo de reduzir a carga tributária, prática que conduz a precarização das relações do trabalho.

6 – O governou estimou, com a adoção dessa medida, perda de receita da ordem de R$ 214 milhões para 2011 e R$ 1,43 bilhões para o ano de 2012.

7 – Essa é a justificativa governamental. Interessante que a imprensa vendeu essa parte da MP 540 – sim, essa parte porque é ela uma colcha composta por inúmeros retalhos-, em início de agosto de 2011, como algo que representava um ganho significativo para as empresas atingidas.

8 – Referimo-nos, aqui, neste pedacinho do retalho que compõe a colcha, às disposições dos artigos 7º a 10 e 22 da Lei 12.546.

II – Tratamento aplicável às empresas de Tecnologia da Informação (TI), de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e Call Centers

9 – Dispõe a Lei 12.546 que até 31.12.2014 a contribuição previdenciária devida pelas empresas de TI e TIC, incidirá à alíquota de 2,5% sobre o valor da receita bruta (01), excluídas vendas canceladas e descontos incondicionais concedidos, em substituição às contribuições incidentes sobre a folha de pagamento (Lei 12.546, art. 7º, caput).

      
Nota: Quando o governo enviou a MP 540 ao Congresso, o prazo de vigência dessa excrescência jurídica estava previsto originariamente para se encerrar em 31.12.2012. Nossos parlamentares, tão ciosos na representação do interesse de seus eleitores, propuseram a ampliação desse prazo para 31.12.2014!!! E assim foi promulgada e passou a viger.

10 – O art. 22 da Lei 8.212/91 dispõe que a contribuição previdenciária patronal é de 20% sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos empregados, avulsos (inciso I) e contribuintes individuais (III). A Lei 11.774/2008, como estímulo à exportação de serviços (02), previu que essa alíquota de 20% seria reduzida pela subtração de 1/10 do percentual correspondente à razão entre a receita bruta de venda de serviços para o mercado externo e a receita bruta total de vendas de bens e serviços, após exclusão dos impostos e contribuições incidentes sobre a venda.

      
 Nota: Não estão abrangidos pelas novas regras as empresas que exerçam exclusivamente representação, distribuição ou revenda de pro-gramas de computador (Lei 12.546, art. 7º, § 2º).

11 – Esse incentivo à exportação fica suspenso para as empresas de TI, TIC e Call Center até 31.12.2014 (Lei 12.546, art. 7º, § 1º).

Nota: A razão para tal suspensão deve-se ao fato de que da receita bruta (base de cálculo da Contribuição Previdenciária) deverá ser exclu-ída a receita bruta de exportações (art. 9º, II)

12 – No caso de empresas de TI e TIC que se dediquem a outras atividades além daquelas referidas na nota de rodapé nº 2, o cálculo da Contribuição Previdenciária, até 31.12.2014, terá dois tratamentos (art. 7º, § 3º, I e II):

a) A parcela relativa aos serviços indicados na nota de rodapé nº 2 será tributada à alíquota fixa de 2,5% sobre a receita bruta;

b) A parcela relativa às demais atividades continuará sendo tributada à alíquota de 20% sobre a folha de salários (para apurar a receita bruta das atividades não relacionadas na Lei 12.546 deve-se dividi-la pela receita bruta total).

      
Nota: Estranhamente, a Lei 12.546 dispõe que as regras referidas em "a" e "b" somente vigerão a partir de 01.05.2012, mas não diz qual o procedimento até lá! (art. 52, § 3º)

III – Tratamento aplicável às empresas do setor de plásticos e borrachas, peles e couros, pastas de madeiras, papel ou cartão, têxteis, pedra, gesso, cimento, amianto, mica, cerâmicos e vidro, colchões, almofadas, etc, vestuário e acessórios (de malha ou não), outros artefatos têxteis confeccionados, calçados e artefatos, metais, botões, artigos esportivos

13 – Nesse caso, aplicam-se as orientações e comentários feitos nos §§ 1 a 12 dos presentes estudos, alterando apenas a alíquota que, ao invés de 2,5%, é de 1,5% (art. 8º).

Nota: O estabelecimento de alíquotas de 2,5% para os setores de TI, TIC e Call Centers (vide Título II) e de 1,5% para os setores moveleiro, calçado, vestuário, etc (vide Título III) poderá levar as empresas de ambos os grupos setoriais (cuja Contribuição Previdenciária passa a ser calculada à alíquota de 1,5% ou 2,5% sobre o faturamento) que se sentirem prejudicadas ao Judiciário, sob fundamento na ofensa ao princípio constitucional da isonomia. A fundamentação da postulação judicial poderá abranger o aumento do custo tribu-tário comparativamente às empresas que, em razão de suas atividades, mantiveram-se na antigo regime (tributadas à alíquota de 20% sobre a folha).

IV – Procedimentos

14 – A data de recolhimento da Contribuição Previdenciária é até o dia 20 do mês seguinte àquele a que se referir a folha de salários e aos pagamentos para trabalhadores avulsos e contribuintes individuais (art. 9º, III).

15 – As empresas abrangidas por essa nova regra continuam submetidas ao cumprimento das demais obrigações previstas na legislação previdenciária, dentre as quais as obrigações acessórias (art. 9º, V).

16 – Para fim de acompanhamento e avaliação dessa novidade, o Poder Executivo instituirá comissão composta de representantes dos trabalhadores, empresários e dos setores econômicos envolvidos, bem como do Poder Executivo Federal (art. 10).

17 – Ainda com base na MP 540 – e não na Lei 12.546, objeto de conversão daquela MP -, foi editado o Ato Declaratório Interpretativo 42 RFB (15.12.2011), estabelecendo que a nova contribuição não incidirá sobre o valor de 1/12 do 13º salário, referentemente à competência dezembro 2011 (art. 1º, caput).

18 – Determinou ainda, o ADI 42, que no caso de empresas que se dediquem a outras atividades além daquelas enumeradas no Título III, supra, aplica-se a alíquota de 20% (Lei 8.212/91, art. 22, I) sobre 1/12 do 13º salário referente a competência dezembro 2011, reduzindo-se o valor da contribuição a recolher ao percentual resultante da razão entre receita bruta de atividades não relacionadas àquelas atividades (Título III) e a receita bruta total apurada no mês de dezembro 2011. Dito de outro modo, divide-se a receita bruta das demais atividades (não abrangidas pela nova regra), pela receita bruta total de dezembro/2011; o resultado dessa divisão determina a base de cálculo sobre a qual aplicar-se-á a alíquota de 20%. E, sobre o saldo do 13º salário relativo às competências anteriores a dezembro 2011, incidirá a contribuição previdenciária à alíquota de 20% (art. 1º, parágrafo único e art. 2º).

19 – Já com fundamento na Lei 12.546, veio outro ato (Ato Declaratório Executivo Codac 93 de 19.12.2011) dispor sobre os procedimentos a serem adotados no preenchimento da guia de recolhimento do FGTS e informações à Previdência Social (GFIP) pelas empresas aqui mencionadas. Por se tratar de orientação eminentemente procedimental relacionada com prestação de informações e não com o recolhimento de contribuição, deixaremos de tecer comentários sobre esse ADE Codac 93.

V – Considerações finais

20 – A alteração da base de cálculo da contribuição previdenciária, deixando de incidir sobre a folha de salários (CF, art. 195, I, "a") e passando a incidir sobre a receita bruta (CF, art. 195, I, "b"), em si, não deverá ensejar discussão judicial com fundamento no art. 195, § 4º da Constituição Federal, já que a exigência de Lei Complementar para a instituição, pela União, de impostos não previstos dentro da competência dela (CF, art. 153), e desde que sejam não cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios daqueles nela discriminados (CF, art. 154, I) não é aplicável às contribuições sociais, conforme já decidiu o STF. Assim, o fato de a nova contribuição previdenciária incidir sobre a receita bruta, a qual já é base de cálculo do PIS e COFINS, não autoriza iniciar disputa judicial já que ambas têm idêntica natureza de contribuição, não de imposto.

21 – Entretanto, poderá fundamentar o amparo do judiciário o fato de terem sido criadas três categorias de empresas, distinguidas em razão das atividades que exercem: a) empresas em geral, sujeitas à alíquota de 20% sobre a folha de salários; b) empresas de TI, TIC e Call Centers, sujeitas à alíquota de 2,5% sobre a receita bruta; c) empresas do setor de plásticos, borrachas, peles e couros, papel, têxteis, pedra, gesso, cimento, amianto, mica, cerâmicos, vidro, vestuário e acessórios, calçados, metais e artigos esportivos, sujeitas à alíquota de 1,5% sobre a receita bruta.

22 – Nesses casos, é possível alegar que às empresas sujeitas à nova regra não foi dada opção alguma. A sujeição aos novos critérios é compulsória até dezembro de 2014. E isso pode ser-lhes prejudicial, em muitos casos.

23 – Trata-se de mais uma dentre aincontáveis e indevidas intromissões do Estado nos negócios privados. No caso, conforme exposição de motivos que acompanhou a MP 540, descaradamente conduzida no sentido de obrigar as empresas atingidas a contratarem mão de obra. O raciocínio é que se a incidência se der sobre a receita bruta, teoricamente a contratação dos prestadores de serviço terceirizados se justificaria porque não haveria oneração de 20% sobre a folha. É de ver, mais um raciocínio tacanho que visa unicamente mostrar ao mundo que enquanto há contração na empregabilidade geral, no Brasil verifica-se sua expansão.

24 – Para melhor análise do efeito que de fato pode se materializar nas empresas, veja-se que 1,5% (ou mesmo 2,5%) sobre a receita bruta pode resultar carga tributária muito maior que 20% sobre a folha de salários.

25 – Vejam-se os seguintes exemplos:

 

FOLHA SALÁRIOS CARGA TRIBUTÁRIA ALÍQUOTA
100 20 20

RECEITA BRUTA ALÍQUOTA CARGA TRIBUTÁRIA
1.333,33 1,5 20

   

RECEITA BRUTA ALÍQUOTA CARGA TRIBUTÁRIA
800,00 2,5 20

      
Nota: Para cada 100 de folha de salários, se a empresa tiver receita bruta superior a R$ 1.333,33 (no caso de tributada à alíquota de 1,5%) ou R$ 800,00 (se tributada à alíquota de 2,5%), seu custo tributário estará automaticamente recrudescido. Dito de outro modo, a nova carga tributária somente empatará com a antiga se a folha de pagamentos corresponder a 7,5% da receita bruta (no caso de 1,5%), ou 12,5% (no caso de 2,5%).

26 – Conclusão inescapável é que a nova regra talvez só valha mesmo para as empresas que empregam muito e tenham uma folha de pagamentos elevada dentre seus custos. Mas se estivessem nessa condição, não seriam atingidas pela nova regra. E se o foram, pode-se concluir com razoável margem de acerto que serão prejudicadas.

27 – Para confirmar nosso prognóstico, tome-se o caso de um setor que, por tradição, emprega muito pouco porque terceiriza majoritariamente. É o setor de confecção. E isto não por outra razão senão pelo fato de que as costureiras trabalham preferencialmente em suas casas, a maioria das vezes, por opção delas próprias. Os tecidos seguem cortados e muitas vezes acompanhados de materiais que serão consumidos na fabricação do vestuário. Elas apenas costuram, pregam botões, etc., e os devolvem ao encomendante (muitas vezes, trabalham para mais de um encomendante). Nesse caso, é muito pouco provável que elas desejariam ser empregadas, registradas na empresa de um dos encomendantes, trabalhar vinculada por relação de emprego unicamente a um deles, perder horas no deslocamento empresa-trabalho e vice-versa e ver seu faturamento reduzido em razão disso!!! ainda porque a remuneração paga no âmbito de uma relação de emprego tende inevitavelmente a ser inferior àquela paga numa relação de terceirização. Nesse caso, os encargos relativos à contribuição previdenciária, que passará a in-cidir sobre a receita bruta, estarão automaticamente recrudescidos por pura e indevida ingerência do governo!!! Ora, como se as costureiras quisessem mesmo ser registradas como empregadas!

28 – Considerar ainda, nas opções que forem feitas, que a contratação produz outros efeitos colaterais: 13º salário, férias e FGTS, além de custo fundiário nos casos de demissão, pois a análise comparativa, supra, considerou apenas os custos com a contribuição previdenciária, antes e após a Lei 12546.

29 – As disposições aqui tratadas entraram em vigor em 01.12.2011 (Lei 12546, art. 52, § 2º). Para as atividades relacionadas a seguir, entrarão em vigor a partir de 1º de maio. Tratam-se dos códigos da TIPI relacionados a couros e peles curtidos, acamurçados, fechos, armações, fivelas, etc, botões e artigos es-portivos (art. 52, § 3º).

30 – Por fim, considerando já estarmos recebendo consultas de empresas interessadas, esclarecemos que as empresas fabricantes dos produtos referidos no art. 8º da Lei 12546 e que possuam filiais que atuem exclusivamente no comércio ou serviço, deverão adotar, ao menos por enquanto, o critério previsto no ADI 42 (vide § 18, retro). Já se a atividade de comércio ou serviço for desenvolvida por outra empresa, não filial, o critério aplicável será a total segregação das receitas, calculando a contribuição previdenciária pela receita bruta apenas obtida pela empresa industrial. A contribuição previdenciária relativa à a-tividade de comércio ou serviço prosseguirá sendo calculada exclusivamente sobre a folha de salários.

31 – Chamamos a atenção para o fato de que os arts. 7º e 8º da Lei 12546 não foram ainda regulamentados. Logo, os esclarecimentos aqui prestados resultam de nossa interpretação da Lei 12546, a qual poderá ser confirmada pelo Decreto Regulamentador da referida lei, ou então total ou parcialmente infirmada.

      
Nota: Estes comentários substituem aqueles elaborados e divulgados inicialmente com data de 21.12.2011.

Notas

(01) Para o efeito de apuração da receita bruta, esta deve ser considerada sem o ajuste previsto na Lei 6404/76 (Lei das S/As), art. 183, VIII, segundo o qual no balanço os elementos do ativo decorrentes de operações de longo prazo serão ajustados ao valor presente e, os demais, ajustados quando houver efeito relevante. Portanto, nenhum ajuste deverá ser feito na receita bruta para efeito de cálculo da incidência previdenciária (Lei 12546, art. 9º, I).

(02) Serviços, para tal fim, são: a) análise e desenvolvimento de sistemas; b) programação; c) process-mento de dados; d) elaboração de programas de computador e jogos eletrônicos; e) licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador; f) assessoria e consultoria em informática; g) suporte técnico em informática, instalação, configuração e manutenção de programas de computador e bancos de dados; h) planejamento, confecção, manutenção e atualização de páginas eletrônicas; i) prestação de serviços de Call Center.

Adonilson Franco

Sócio titular de Franco Advogados Associados, Advogado de Empresas em São Paulo. Pós-Graduado em Direito Tributário. Professor no Curso de Pós-Graduação em Direito Tributário do Centro de Extensão Universitária (CEU). Autor de Matérias Publicadas na Revista Tributária e de Finanças Públicas (RT). Revista Dialética de Direito Tributário. Revista de Estudos Tributários, além de em inúmeros sites especializados.

Email: franco@francoadvogados.com.br
Site: www.francoadvogados.com.br

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