Consensualidade: plataformas de solução de conflitos tributários federais
Íris Vânia Santos Rosa, Mariane Targa de Moraes Tenório
Tributário
A palavra consensualidade como classe gramatical definida em substantivo feminimo, busca a verdadeira concordância de opiniões, de pensamentos, de sentimentos da maioria ou de todos os participantes de uma coletividade. O Direito Tributário, na atualidade, não escapa dessa nova veia para solucionar seus inúmeros conflitos, voltando-se a ela com toda força.
Sabemos que as relações jurídicas tributárias geram inúmeros conflitos e que, dentro da nossa estrutura clássica seu ambiente de discussão e resolução foi o Poder Judiciário.
A saída pela consensualidade no conflito tributário não decorre apenas da ineficiência de no referido Judiciário obter a célere solução ao litígio, mas sim do anseio nacional em dinamizar, unificar e modernizar os instrumentos de solução de conflito entre fisco e contribuinte, do que, nesse contexto, fez surgir outras possibilidades que hoje compõem e se agregam ao que vem sendo denominado de “sistema multiportas”. [1]
No âmbito do Direito Tributário algumas portas, para além do Judiciário, já se abriram e firmam-se como instrumentos provedores de celeridade e eficiência na solução de conflitos, são exemplo delas: (1) o negócio jurídico processual (NJP); (2) a mediação; (3) o processo administrativo tributário; (4) o pedido revisão de dívida inscrita (PRDI); (5) a oferta antecipada de garantia; (6) a transação tributária; (7) o processo de consulta; (9) arbitragem; (9) o receita de consenso; (10) o receita soluciona; (11) o Programa de Conformidade Cooperativa Fiscal (Confia); (12) o Programa de estímulo à conformidade tributária (Sintonia); (13) o Programa Brasileiro de Operador Econômico Autorizado e (14) a Plataforma Comprei da PGFN.
Vale ressaltar que é o próprio Código de Processo Civil no artigo 334 [2] legitima normativamente que os conflitos sejam solucionados de forma consensual, confirmando sua postura absolutamente empática com as realidades sociais, de modo a proporcionar uma verdadeira revolução na forma de ver e de resolver os conflitos advindo das relações interpessoais, especialmente os tributários.
Daremos atenção especial no presente artigo para os novos modelos de consensualidade no âmbito federal como os externados nos Programa Confia, Sintonia, no Programa Brasileiro de Operador Econômico Autorizado, e ainda, a Plataforma Comprei.
Não faremos nesse momento análise jurídica interpretativa mais apurada, pretendendo apenas, em caráter informativo, como cada um deles funcional.
Programa Confia
O Confia é um programa de conformidade tributária de adesão voluntária que visa fomentar o cumprimento das obrigações tributárias e aduaneiras por meio da construção de um relacionamento cooperativo e de constante diálogo, de forma a reduzir litígios e o contencioso. A iniciativa está alinhada a recomendações de Conformidade Cooperativa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) [3].
O programa é voltado para grandes empresas, que sujeitam-se ao cumprimento de deveres instrumentais mais complexos e que buscam: (1) legítima expectativa de que não haverá surpresas ou mudanças imprevisíveis de posição da administração tributária em relação a estratégias e procedimentos fiscais por meio de uma abordagem preventiva dos riscos, (2) relação transparente e de confiança, com um canal personalizado e qualificado de comunicação e (3) redução de litígios e aplicação de penalidades.
Programa de Estímulo à Conformidade Tributária — Sintonia
A Portaria RFB nº 511/2025 instituiu o piloto do Programa “Receita Sintonia” para estimular os contribuintes a adotarem boas práticas no cumprimento das obrigações tributárias, em especial, a regularidade cadastral, o adimplemento no pagamento e a regularidade na entrega e consistência nas informações prestadas nas declarações e escriturações.
Pessoas jurídicas ativas tributadas pelo lucro real, presumido ou arbitrado, bem como entidades sem fins lucrativos imunes ou isentas do IRPJ (Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas) e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), podem aderir ao programa, as quais serão submetidos a critérios de classificação de acordo com o seu grau de conformidade tributária, avaliado a partir de sua classificação cadastral perante o CNPJ, de cumprimento pontual de deveres instrumentais e escriturações e de quitação de tributos e parcelamentos.
A graduação da classificação, observa critérios calculados mensalmente e proporcional aos últimos três anos, sendo (1) A+: Nota ≥ 0,995 (99,5%); (2) A: 0,970 (97%) a 0,994 (99,4%); (3) B: 0,900 (90%) a 0,969 (96,9%); (4) C: 0,700 (70%) a 0,899 (89,9%); (5) D: Nota < 0,700 (70%), sendo que os benefícios serão concedidos conforme a classificação e podem incluir (1) prioridade na análise de pedidos de restituição, ressarcimento e reembolso de tributos federais; (2) atendimento prioritário na Receita Federal; (3) participação em seminários, capacitações e fóruns consultivos; e (4) acesso ao Programa Receita Consenso. Importante registrar que empresas com menos de seis meses de registro, órgãos públicos, organizações internacionais e empresas optantes pelo regime do Simples Nacional não estão incluídas na fase piloto. Essa momentânea exclusão não significa que empresas nessas condições não venham a ser incluídas em outros momento específico, por ora, como mencionado, é um projeto piloto. Programa Brasileiro de Operador Econômico Autorizado (Programa OEA) Ainda nesse contexto destacamos, o Programa OEA instituído pela Instrução Normativa RFB nº 1.598, de 9 de dezembro de 2015, cuja matéria é atualmente disciplinada pela Instrução Normativa RFB nº 2.154, de 26 de julho de 2023, com base no disposto no artigo 52 do Decreto-Lei nº 37, de 18 de novembro de 1966, e no art. 22 do Anexo da Diretriz do Mercosul (Mercosul/CCM/DIR) nº 32, de 2008, internalizada pelo Decreto nº 6.870, de 4 de junho de 2009, e em observância aos princípios da Estrutura Normativa Safe da Organização Mundial de Aduanas (OMA), destinado a fortalecer a segurança da cadeia de suprimentos internacional e estimular o cumprimento voluntário da legislação tributária e aduaneira para os intervenientes que atendam a critérios específicos definidos pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil. Tal programa visa a implementação das medidas de facilitação do comércio internacional de maneira a estimular a adesão de novas empresas que demonstrem alto nível de conformidade e confiabilidade ao Programa OEA. Plataforma Comprei da PGFN Por fim, regulamentado pela Portaria PGFN nº 3.050, de 06 de abril de 2022, o Programa Comprei compõe sistema destinado à monetização de bens penhorados ou ofertados em garantia. Insta considerar que pela Resolução CNJ nº 236, de 13 de julho 2016, o Poder Judiciário definiu os procedimentos relativos à alienação eletrônica na forma preconizada pelo art. 882, § 1º, do Código de Processo Civil de 2015. O Comprei é uma plataforma de negócios da União, gerida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, onde bens oferecidos em acordos ou execuções fiscais são anunciados para venda simplificada. Sobre o processo de venda podemos destacar algumas características para a ideal compreensão do instituto: (1) venda dos bens de forma direta atendendo às exigências do mercado imobiliário; (2) imóvel disponibilizado à venda com o valor de mercado; e (3) prioridade para o pagamento do crédito tributário com possibilidade de devolução de valores, ou ainda, compensação com outros créditos tributário pendentes. A Plataforma Comprei pode ser muito útil tanto naqueles casos em que o imóvel já está penhorado em Execução Fiscal, ou ainda, quando o contribuinte antecipa a garantia, e desde que não pretenda levar a cabo discussão processual a respeito do débito garantido. Reflexão sobre as tendências dos novos métodos consensuais Justificar a adoção dos métodos consensuais como pretexto para desafogar o Poder Judiciário, retroalimenta a ideia de que o acordo é justiça de segunda linha, pois serviria ao melhor funcionamento do Judiciário. Esta pode ser uma consequência da autocomposição, jamais seu fundamento. Enfrenta-se, portanto, o grande desafio da passagem da cultura do conflito” para a “cultura do consenso”, ou da “cultura da sentença” para a “cultura da pacificação”. É preciso “virar a chave” do pensamento de todos os atores envolvidos na resolução do conflito e prepará-los para tal realidade, que não temos dúvida em afirmar, veio para ficar. Além da mudança de mentalidade, mostra-se essencial a qualificação técnica para esclarecer dúvidas, verificar a adequação ao caso concreto, prestar assistência jurídica de qualidade e fomentar o diálogo na construção consensual da decisão a ser tomada. [1] Sugere-se a respeito a leitura do seguinte artigo publicado também nesta coluna: aqui [2] O artigo 334 do Código de Processo Civil (CPC) estabelece a obrigatoriedade de uma audiência de conciliação ou mediação, que é designada pelo juiz após a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não ser o caso de improcedência liminar do pedido. Essa audiência visa promover a resolução consensual do conflito. [3] Exposição de Motivos do PL15/2024: “A Conformidade Cooperativa é um tipo de relacionamento entre empresas e administrações tributárias caracterizado por ações cooperativas decorrentes do diálogo para obtenção de ganhos mútuos, mantida a isonomia de tratamento tributário entre os contribuintes. Baseada na transparência, na segurança jurídica e na cooperação, a Conformidade Cooperativa é justificada objetivamente pela governança corporativa tributária e pelo sistema de gestão da conformidade tributária do contribuinte”.
Íris Vânia Santos Rosa, Mariane Targa de Moraes Tenório
Íris Vânia Santos Rosa
é advogada, mestre e doutora em Direito Tributário pela PUC-SP, especialista em Direito Tributário pelo Ibet e em Processo Tributário pela PUC-SP, professora do mestrado do Ibet, de Direito Tributário e Processo Tributário do Curso de Graduação da Fundação Santo André (FSA), professora dos cursos de especialização do Ibet e da PUC-Cogeae.
Mariane Targa de Moraes Tenório
é advogada, especialista e mestre em Direito Tributário pelo Ibet.