Cobrança de ITR não deve considerar apenas o que consta no SIPT

Gustavo Ventura

O Imposto Territorial Rural (ITR) não figura entre os mais destacados na doutrina tributária, apesar de sua abrangência nacional, de alcançar milhares de pessoas físicas e jurídicas e possuir diversos aspectos que causam interesse. Nesse sentido, o nosso objetivo com o presente artigo é abordar a dinâmica de revisão de lançamento por parte da Receita Federal, ao se utilizar o SIPT (Sistema de Preços de Terras) para alcançar o Valor da Terra Nua (VTN), indispensável para estabelecer a base de cálculo do imposto.

O ITR encontra fundamento de validade no artigo 153, inciso VI, da Constituição, tendo como critério material a propriedade, a posse ou domínio útil de imóvel localizado fora da zona urbana do município. A Lei 9.393/1996 é a sua norma geral.

Ao contrário do que a maioria das pessoas possam imaginar, o ITR está submetido ao lançamento por homologação[1], ao contrário do ITPU, típico lançamento de ofício. O artigo 8°, § 2° da Lei 9.393/96[2] prescreve que o VTN deve corresponder ao preço de mercado das terras apurados no 1° dia do ano a que se referir DIAT (Documento de Informação e Apuração do ITR), típica obrigação acessória.

Pois bem. Por ser o ITR um imposto sujeito ao lançamento por homologação e diante da dificuldade de se estabelecer o valor da terra nua, a Receita Federal do Brasil prescreve, como obrigação acessória, a apresentação de laudo de avaliação que confirme o valor atribuído na ocasião da DIAT.

Desta forma, caso não apresente esse laudo pericial, o valor da terra nua será atribuído através das informações contidas no Sistema de Preços de Terras -SIPT da Receita Federal, instituído pela Portaria da RFB nº 447/2002[3]. Apesar da boa intenção do legislador em implementar esse sistema, o fato é que, não raro, apresenta sérias diferenças com a realidade do mercado.

É comum que a Receita Federal faça lançamentos de ofício aplicando os valores contidos no SIPT, ainda que o contribuinte tenha apresentado o laudo que confira fundamento técnico a sua declaração, com um VTN diferente.

De fato, como se sabe, nos lançamentos por homologação, os valores informados pelo contribuinte podem ser objeto de verificação por parte do fisco. No caso do ITR, segundo o artigo 14 da Lei 9.393/96[4], caso o fisco identifique e evidencie que houve uma avaliação a menor do VTN, o lançamento passaria a ser na modalidade de ofício.

Aqui não há crítica ao que prescreve o citado artigo 14, uma vez que, se for, de fato, constatado uma avaliação a menor do valor da terra nua, é obrigação do fisco realizar o lançamento de ofício. A crítica se faz ao se utilizar apenas o SIPT (Sistema de Preços de Terras) como único critério de avaliação do valor da terra, especialmente quando existe laudo de perito anexada a DIAT.

Diante deste quadro, reconhecendo-se a prerrogativa da autoridade lançadora em arbitrar o valor da terra nua, para efeito de determinação da base de cálculo do ITR, não cabe, simplesmente, dizer que fez o arbitramento, como se o ato de lançamento não estivesse sujeito a critérios legais, especialmente sem expor de maneira clara quais foram as razões que o levaram a arbitrar o valor da terra de forma diferente daquele apresentado pelo contribuinte.

A exemplo dos demais atos administrativos, a motivação para o lançamento de crédito não pode ser realizado aleatoriamente, mesmo que em circunstância de arbitramento. Só cabe arguir de lançamento se forem observados os requisitos legais estabelecidos no artigos 142 e 149 do CTN. No caso, a matéria tributável é fato de ser proprietário de propriedade de natureza rural e o montante devido é o valor da terra nua, o que por vezes é determinado pelo SIPT[5] sem a adoção dos devidos critérios.

Na situação em destaque, em que não se aceita o valor da terra nua declarado pelo contribuinte, até para infirmar tal valor, seria necessário, ao se adotar o arbitramento, demonstrar os elementos considerados para efeito de avaliação e não simplesmente aludir o “Sistema de Preços” da Receita Federal do Brasil que, por sua vez, não é disponibilizado seus critérios de apuração para conhecimento dos contribuintes.

Acerca da necessidade da utilização do SIPT mediante explicitação dos critérios adotados para se chegar ao valor de terra nua utilizado, vale a pena transcrever as seguintes decisões administrativas:

“Ementa
Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR Exercício: 2003 VTN-VALOR DA TERRA NUA. SUBAVALIAÇÃO. ARBITRAMENTO. SIPT-SISTEMA DE PREÇOS DE TERRAS. VALOR MÉDIO DAS DITR. AUSÊNCIA DE APTIDÃO AGRÍCOLA. LAUDO TÉCNICO. Rejeitado o arbitramento do VTN com base no SIPT, por não levar em conta a aptidão agrícola do imóvel, é de se acolher o valor apurado em Laudo de Avaliação apresentado
Decisão: Vistos, relatados e discutidos os presentes autos. Acordam os membros do colegiado, por unanimidade de votos, em conhecer do Recurso Especial e, no mérito, em dar-lhe provimento. (assinado digitalmente) Luiz Eduardo de Oliveira Santos – Presidente em exercício (assinado digitalmente) Maria Helena Cotta Cardozo – Relatora Participaram do presente julgamento os Conselheiros Maria Helena Cotta Card
(Acórdão:9202-005.699, Processo: 10218.721049/2007-92, Data de Publicação: 21/08/2017)

Ementa
IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE TERRITORIAL RURAL – ITR.EXERCÍCIO: 2002. ITR VALOR DA TERRA NUA ARBITRAMENTO.
Para aplicação do Sistema Integrado de Preços de Terras – SIPT é imprescindível que o contribuinte tenha acesso aos critérios e parâmetros utilizados para arbitramento do VTN de modo a permitir verificar o atendimento aos requisitos da legislação aplicável (artigo 14 da Lei n. 9.393/1996 c/c artigo 12, §1º, inciso II, da Lei no 8.629/1993).
(Processo n°10183.004128/2006-07, Nº Acórdão 9202-005.185, Relator(a) PATRICIA DA SILVA, Data de Publicação: 17/04/2017)

Ementa
Assunto: Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR. EXERCÍCIO: 2005. VTN. ARBITRAMENTO. SIPT. MEDIA DAS DITR. O lançamento de ofício deve considerar, por expressa previsão legal, as informações constantes do Sistema de Preços de Terra, SIPT, referentes a levantamentos realizados pelas Secretarias de Agricultura das Unidades Federadas ou dos Municípios, que considerem a localização e dimensão do imóvel e a capacidade potencial da terra. Na ausência de tais informações, a utilização do VTN médio apurado a partir do universo de DITR apresentadas para determinado município e exercício, por não observar o critério da lei, não pode prevalecer. Recurso Voluntário Provido. (Processo n°10218.720898/2007-29, Nº Acórdão 2202-003.119, Relator(a) MARCIO HENRIQUE SALES PARADA, Data de Publicação: 16/09/2015)

Ementa
Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR Exercício: 1999 ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E RESERVA LEGAL. ATO DECLARÁTORIO AMBIENTAL – ADA. A recusa de sua aceitação, por intempestividade, em face do prazo previsto da IN SRF n° 67/97, não tem amparo legal. VTN. NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. Constitui- se em cerceamento ao direito de defesa a restrição às informações utilizadas à lavratura do auto de infração ao Contribuinte, resultando por corolário, na nulidade do mesmo. Assim, não sendo concedido ao contribuinte o acesso às informações do SIPT – Sistema de Preços de Terras, base de informações para lançamento do VTN, não tem este como verificar a fidedignidade destas informações, caracterizando, por certo, o cerceamento ao direito de defesa. RECURSO VOLUNTÁRIO PROVIDO EM PARTE. (AC. 301-34.409 3º Conselho de Contribuintes / 1a. Câmara / ACÓRDÃO 301-34.409 em 25.04.2008)

Bem se sabe que os valores constantes no SIPT são genéricos e, muitas vezes, fogem por completo da realidade. Na verdade, é impossível, por mais boa vontade que se tenha dos diversos órgãos municipais e estaduais, estabelecer de maneira precisa o valor de todas as áreas rurais do País, o que deveria ser um fator para que a autoridade administrativa levasse em conta as peculiaridades de cada local e os laudos apresentados, e não se valer dos valores constantes no SIPT. A autoridade deve utilizar as prerrogativas que possui para buscar a verdade material e isso nem sempre ocorre no que se refere analisar a base de cálculo do ITR.

Assim é possível afirmar que o artigo 14, da Lei nº 9.393/96, ao dispor sobre arbitramento de valor no caso da não-homologação de lançamento, só admite tal critério de tributação nas seguintes hipóteses: (i) falta de entrega de DIAC ou do DIAT; (ii) sub-avaliação do imóvel; (iii) prestação de informações inexatas, incorretas ou fraudulentas. O arbitramento[6], portanto, não confere uma liberdade absoluta à administração tributária, mas, apenas, uma forma de lançamento de ofício alternativa e restrita a certas condições. A Autoridade tem a obrigação de buscar a verdade material e o SIPT é apenas um dos critérios.

A realidade é que o atual sistema não possui parâmetros que garantam a segurança jurídica aos contribuintes. Os valores constantes no SIPT são genéricos e, muitas vezes, fogem por completo da realidade.

Apenas para tratar de um exemplo, o município de Ipojuca, em Pernambuco, apresenta características ímpares que certamente o SIPT não consegue discriminar com precisão. O município, apesar de ter historicamente na agricultura sua principal fonte de renda (especialmente na produção de cana-de-açúcar), nas últimas duas décadas passa por expressiva transformação. A primeira ocorreu em função da inclusão da Praia de Porto de Galinhas como um dos principais polos turísticos do país. O segundo, e ainda mais expressivo, é a expansão do polo industrial do porto de Suape, que nos últimos anos atraiu um grande número de investimentos de grande porte para região. Tais locais são limítrofes a diversas áreas rurais.

Assim, as propriedades rurais podem ter valores absolutamente diferentes, dependo onde se localize dentro da área rural de um único município, a exemplo do aqui apresentado, razão pela qual o laudo pericial é documento absolutamente necessário para que ocorra o devido lançamento tributário.

Somos da opinião de que lançamento de ofício para cobrança do ITR, com base na previsão contida no artigo 14, da Lei nº 9.393/96 não deve levar em consideração, apenas, o que consta no SIPT, especialmente em relação aos casos em que são apresentados os laudos técnicos pelos contribuintes. A autoridade administrativa deve, igualmente, buscar verdade material para fins de lançamento.

[1] Assim prescreve o Art. 10, da Lei nº 9393/96: “Art. 10. A apuração e o pagamento do ITR serão efetuados pelo contribuinte, independentemente de prévio procedimento da administração tributária, nos prazos e condições estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, sujeitando-se a homologação posterior.”
[2] Art. 8º O contribuinte do ITR entregará, obrigatoriamente, em cada ano, o Documento de Informação e Apuração do ITR – DIAT, correspondente a cada imóvel, observadas data e condições fixadas pela Secretaria da Receita Federal.
§ 1º O contribuinte declarará, no DIAT, o Valor da Terra Nua – VTN correspondente ao imóvel.
§ 2º O VTN refletirá o preço de mercado de terras, apurado em 1º de janeiro do ano a que se referir o DIAT, e será considerado auto-avaliação da terra nua a preço de mercado.
[3] “Art. 1º Fica aprovado o Sistema de Preços de Terras (SIPT) em atendimento ao disposto no art. 14 da Lei nº 9.393, de 1996, que tem como objetivo fornecer informações relativas a valores de terras para o cálculo e lançamento do Imposto Territorial Rural (ITR).
Art. 2º O acesso ao SIPT dar-se-á por intermédio da Rede Serpro, somente a usuário devidamente habilitado, que será feito mediante identificação, fornecimento de senha e especificação do nível de acesso autorizado, segundo as rotinas e modelos constantes na Portaria SRF nº 782, de 20 de junho de 1997.
Parágrafo único. A definição e a classificação dos perfis de usuários, os critérios para a sua habilitação e as transações autorizadas para cada perfil, relativos ao controle de acesso lógico do SIPT, serão estabelecidos em ato da Coordenação-Geral de Fiscalização (Cofis).
Art. 3º A alimentação do SIPT com os valores de terras e demais dados recebidos das Secretarias de Agricultura ou entidades correlatas, e com os valores de terra nua da base de declarações do ITR, será efetuada pela Cofis e pelas Superintendências Regionais da Receita Federal.”
[4] “Art. 14. No caso de falta de entrega do DIAC ou do DIAT, bem como de sub-avaliação ou prestação de informações inexatas, incorretas ou fraudulentas, a Secretaria da Receita federal procederá à determinação e ao lançamento de ofício do imposto, considerando informações sobre preços de terras, constantes de sistema a ser por ela instituído, e os dados de área total, área tributável e grau de utilização do imóvel, apurados em procedimentos de fiscalização.
§ 1º As informações sobre preços de terra observarão o critérios estabelecidos no art. 12, § 1º, inciso II da Lei nº 8.629, de 25.02.1993, e considerarão levantamentos realizados pelas Secretaria de Agricultura das Unidades Federadas ou dos Municípios.
§ 2º As multas cobradas em virtude do disposto neste artigo serão aquelas aplicáveis aos demais tributos federais.”
[5] “A Instrução Normativa RFB nº 1.562/96 busca solicitar dos municípios informações que possam contribuir para o SIPT:
Art. 1º As informações sobre Valor da Terra Nua – VTN, para fins de apuração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, deverão ser fornecidas à Secretaria da Receita Federal do Brasil – RFB, na forma disciplinada nesta Instrução Normativa.
Art. 2º Para os efeitos desta Instrução Normativa, considera-se:
I – terra nua: o imóvel por natureza ou acessão natural, compreendendo o solo com sua superfície e a respectiva mata, floresta e pastagem nativa ou qualquer outra forma de vegetação natural;
II – levantamento(s): conjunto de atividades de coleta, seleção e processamento de dados realizados segundo padrões técnicos e científicos compatíveis com a metodologia adotada pelo órgão ou profissional responsável pelo trabalho.
III – aptidão agrícola: classificação que busca refletir as potencialidades e restrições para o uso da terra e as possibilidades de redução dessas limitações em razão de manejo e melhoramento técnico, de forma a garantir a melhor produtividade e a conservação dos recursos agroecológicos;
IV – uso: utilização efetiva da terra, que pode estar ou não de acordo com a aptidão agrícola, sendo que, estando em desacordo, a utilização compromete a produtividade potencial ou a conservação dos recursos agroecológicos;
V – transações: negociações onerosas de bem no mercado imobiliário, como, por exemplo, compra e venda ou permuta;
VI – ofertas: colocação de bens para venda ou outra negociação onerosa no mercado imobiliário;
VII – opiniões: informações de especialistas, intervenientes, agentes financeiros, técnicos, tabeliães, registradores, autoridades públicas, corretores imobiliários ou quaisquer pessoas que transacionem no mercado imobiliário;”
[6] Sobre o tema, ensina a maior autoridade brasileira sobre lançamento tributário, José Souto Maior Borges:
“Não significa, pois, o arbitramento a predominância de uma atribuição legal de liberdade (discricionalidade) administrativa, mas apenas um processo técnico alternativo e restrito de apuração do quantum debeatur. (…)
Por outro lado, o art. 148, in fine, ressalva ao sujeito passivo – ou, melhor, na hipótese de contestação do arbitramento pelo sujeito passivo – a avaliação contraditória, administrativa ou judicial. O que significa estar o arbitramento sujeito ao controle tanto administrativo, quanto judicial. (…)
(…) a contestação do arbitramento pelo sujeito passivo, em tais hipóteses, nada mais significa senão uma particular manifestação do exercício do direito constitucional da ampla defesa (CF, art. 5º, LV). (Lançamento Tributário, págs. 338-339, 2ª Edição, Malheiros Editores.”
Fonte: COnjur

Gustavo Ventura

Advogado, especialista em Direito Tributário pela Universidade de Santiago de Compostela e mestre pela PUC-SP. Professor de pós-graduação e presidente da comissão de Direito Financeiro do Instituto dos Advogados de Pernambuco.

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